quarta-feira, 30 de maio de 2012

144. Ismael (57) - Foi tamanha a confusão



«Vamos lá acabar com isto». Como não podia deixar de ser, foi Isaurinha Bate-Sola quem levantou a voz. E o borburinho, os diálogos cruzados e, às tantas, a gritaria instalou-se. «O que você quer é conversa», disse com uma total falta de respeito o Castro Ribeiro, um meritíssimo juiz, jubilado, que para os seus pergaminhos deveria ter tido mais tento na língua. «Pantomineiro és tu, ó cabeça de burro», disse, sem pudor nem decoro, o inspetor de estribeiras perdidas, virando-se para o rececionista. O filho do senhor Ismael da farmácia também não se quis ficar atrás e virou-se para o meu amigo Ismael aos gritos «ó galego manda mas é uma frigideira de óleo a ferver por cima destas cabeças de atum algarvio». A peixeirada estava instalada. Ninguém se entendia e Francisca chegou mesmo a vias de facto dando dois tabefes ao sobrinho e exigindo respeitinho. Dizia ela «o respeitinho é muito bonito». A senhora de Trás-os-Montes, que de idosa que era, já não tinha coração para aguentar tanto, encostou-se a um canto e desatou a chorar e a comissária Xana, fazendo jus à sua autoridade, pegou no cassetete e bateu duas vezes no fundo de um alguidar de latão que servia de decoração na parede dos fundos da tasca do meu amigo Ismael. «Parem já com esta merda ou vai tudo para a choldra. Mas vocês pensam que isto é o Pátio da Cantigas ou quê?». E virando-se para o dr. Castro Ribeiro disse-lhe «eu perco o respeito a um doutor juiz mas ou você se mete na ordem ou meto-o eu, seu António Silva de meia tijela». Depois virou-se para os outros polícias, tendo saído na rifa o anafado do chefe de brigada, Ismael de Almeida. «Olhe lá ó gordo do caraças. E se você parasse de comer esses passarinhos fritos e ajudasse a pôr ordem nisto? Daqui a bocado está mais bêbado que o Vasco Santana e nem haverá candeeiro que o valha para o levar para casa». O chefe de brigada não tugiu nem mugiu e foi necessária a intervenção de Ismaelix que gritou alto e bom som «Estes portugueses estão loucos!», tendo, ato contínuo, desatado à chapada por tudo quanto lhe apareceu à frente. Levou o Espinheira, coitado, que não tinha largado a sua gasosa nem aberto a boca a não ser para arrotar, levou o filho do senhor Ismael da farmácia que engoliu o Português Suave sem filtro que tinha acabado de acender. Levou a Isaurinha Bate-sola que deu uma volta no ar que até se lhe viram as cuecas, por acaso bem bonitas, brancas com rendinhas. Levou a empregada do Ismael Gusmán que fez voar uma travessa de jaquinzinhos e o respetivo arroz de tomate. Levou o rececionista que contar aos amigos, se viesse a sair dali ilibado, porque o bruto do Ismaelix partiu-lhe a cana do nariz com um bofetão. Levou a Ekatrina dois beijos nos beiços ou melhor dizendo, atirou-se esta ao pescoço do namorado tentando acalmá-lo e beijando-o afincadamente mas ele desviou-a calma e docemente, como se faz a uma namorada. Levou o velho Ishmail Baruch um empurrão na cadeira de rodas, que rodopiou de tal maneira que parecia que estava no poço da morte da feira popular. Levou o sobrinho, o judeu Ismael ben-Avraham, que até tem andado calmo, desde o dia em que por engano se sentou em cima de uma seringa com um sedativo que era para um paciente com perturbações no córtex, uma tapona no focinho que se deitou adormecido ao colo da enfermeira feia. Levou a enfermeira feia por se meter onde não era chamada. Levou o marinheiro Sebastião um sopapo, que se aquilo fosse um navio do século XVII teria voado até ao cesto da gávea. Voltou a levar a Isaurinha Bate-Sola porque o povo, empolgado, gritou bis na ânsia de lhe voltar a ver as cuecas com rendas. Levou o chefe de brigada Ismael de Almeida com um saco de milho na cabeça que até começou a ver pombos e, finalmente, levou Francisca um raspanete por ter escrito nos seus apontamentos que se um dia, o inspetor Ismael Sacadura Flores se armasse em Poirot de S. Nicolau, haveria um borburinho tamanho que era preciso ir chamar os franceses para acalmar a coisa. E assim foi, depois da coisa acalmada, pode Ismael Sacadura Flores dizer quem matou e porquê, a malograda Isabella, corista do Parque Mayer, com sete facadas no peito.


10 comentários:

  1. Eheheheheheheh
    Constantino, sei que sabes que eu sou, uma daquela típicas portuguesas de pelo na venta, mas tenho bom coração e sei dar a mão à palmatória.:))
    Se foi este o FIM tão FUN que a menina da sandes de fiambre - repara, que já não lhe chamo serigaita - te sussurrou ao ouvido, para mim está de bom tamanho!!
    Mais: nem tu, admirável e prestigiado, autor-narrador-escritor, conseguias inventar um final tão brilhante...

    Tadinha da Isaurinha, apanhar a dobrar só porque o povo lhe quis rever as cuequinhas brancas rendadas.
    Bem faz uma pessoa que eu cá sei em as colocar longe dos olhares curiosos...ahahahah

    Ah, Constantino, há muito que não me ria tanto! Bem-hajas!!

    Beijocas. :)

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  2. Bem... mas isto continua o mesmo pandemónio!!
    Há que por ordem na sala... senão nem os petiscos sabem bem enquanto ouvimos o desfiar de razões por parte dos intervenientes.

    Um abração.

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  3. Que sururu que prái vai! E não é que me fizeste lembrar mesmo "O Pátio das Cantigas"? Porque será? :)))

    Mas vamos ficar atentos, a ver como acaba o burburinho! :)

    Beijocas!

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  4. Com tanta gente metida ao barulho...olha no que isto havia de dar. Agora vou ficar impacientemente à espera da fala do Sacadura Flores.

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  5. Acho que afinal cheguei a tempo...Que grande pé-de-vento!

    A cena está tão bem escrita que ao a ler até me agachei, não fosse levar com um saco de milho na mona ou um murro na tromba...

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  6. Vitor que confusão é essa?
    se fosse por essas bandas de cá com certeza a polícia chegava pensando se tratar de guerra na favela ... rs
    me matas de tanto rir Vitor !
    esperava um Fim ,esse Fun está fora de propósito tal como a confusão desse escritor-narrador.
    já sei é o tal suspense natural de bons de canetada rs
    por aqui também certamente Sr.Ismael Sacadura Flores amanheceria mortinho rs
    abraços Vitor,
    excelente!

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  7. Olá, Vitor!

    Capítulo bem movimentado e cheio de graça, este. Onde quem mais se diverte é o autor deste comprido novelo - muito bem enrolado, por sinal.Onde nem sequer falta o "Canal Memória", para aqueles que ainda a não tenham perdido ...

    E fico à espera do resto.

    Abraço amigo
    Vitor

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