sábado, 2 de junho de 2012

145. Ismael (58) - Época balnear



Nem sei como é que, no meio do tabu que está subjacente à revelação do autor ou dos autores do crime da rua dos Correeiros que vos tenho vindo a contar, numa novela de faca e alguidar e alguma comida de fazer crescer água na boca a mim próprio, se bem que alguns leitores também confessem que não são avessos aos prazeres da mesa e de alguns vinhos de estalo, desde os brancos alentejanos e da península de Setúbal ou mesmo da região oeste, até aos tintos mais apreciados por este escriba que passam pela Granja da Amareleja, por Monsaraz ou por Borba, não descurando os de Pegões, os de Alcoentre e um ou outro Douro reserva ou garrafeira, passando pelos verdes da sub-região do Lima, onde pontificam Alvarinhos e Loureiros brancos e o belíssimo vinhão de Aguiã, me fui lembrar de uma conversa entre os jovens que nós éramos, naquela época ainda sem os nossos vinte anos feitos, mas que gostávamos de, com uma bica na mesa, duas baforadas de cigarro, alguns copos de água e muitas sebentas em cima da mesa, aproveitar as horas mortas da taberna do meu amigo Ismael para estudarmos um bocado e, as mais das vezes, para ficarmos realmente à conversa.

Calculo que, para quem segue novela que se intitulará provisoriamente “O inexplicável crime à beira de uma travessa de carapaus alimados” e pouco ligados ao “Conto das ilhas de lá”, apesar da sua carga erótica, misteriosas e polvilhada de vocábulos que não dispensam a presença de Houaiss a mostrarem que o autor, perdão a autora, a nossa bem conhecida Francisca, é uma pessoa erudita que, se escreve um ou outro vocábulo a roçar o calão, isso é apenas porque os personagens não passam de uns sem-vergonhas, pode-se mesmo dizer de uns pelintras de conhecimento linguístico que a riqueza do luso idioma enclausura, pouco se lhe importa que no meio de tudo isto, Constantino continue a contar histórias que se passaram na taberna de um amigo seu, galego de nascimento, lisboeta por opção, benfiquista de coração, um amigo também ao vosso dispor, Ismael de sua graça. Mas tenham paciência, bem sei que sem sangue não se faz arroz de cabidela, mas contos menos dramáticos, acompanhados a café e a bolos de arroz, vá lá, a queques de laranja, também têm o seu lugar, mesmo que seja na mesma mesa onde já se comeu o belo paio de porco preto, umas amêijoas à Bulhão Pato, um bacalhau à Zé do Pipo ou um queijo de Serpa, DOP com pão de forno de lenha.

Pois para que não se perca mais tempo, vou já direto ao assunto, repitam comigo pois já o sabem de cor, como é apanágio aqui do vosso amigo Constantino. As férias de alguns de nós, eu excluído, pois nesse tempo andava a vender livros pelos refeitórios das empresas, durante as minhas férias de verão, mas é história para vos contar noutra altura, tinham sido no Algarve, alguns dos quais na região de Lagos. Lagos é e continua a ser um destino de férias muito bonito, um destino balnear de excelência e, pena é, que muitos de nós não tenha subsídio de férias para gastar. Lagos tem praias típicas, todas rodeadas de rochas mas,  naquele tempo, algumas só acessíveis através de escadarias escavadas na falésia que se permitiam descer ou escalar agarrados a cabos de aço forrados a borracha. Estas eram as praias-tipo para a proibidíssima prática de nudismo mas que dava muito trabalho aos cabos de mar, descer e subir aquelas escarpas só para irem pespegar multas aos naturistas, ainda por cima fardados a rigor. Ora, na nossa idade, a curiosidade alia-se à aventura e houve quem de nós se dedicasse também a tão pura, quanto saudável, prática. Saudável pensávamos nós sem a devida proteção e se o Paiva se queixava que tinha os genitais a arder, que lhe doía tudo, em linguagem mais vernácula própria da irreverência juvenil se dizia por claro o “coiso” e se chamavam tomates aos testículos, já o Oliveira, sem saber do que se falava na tertúlia, irrompe porta dentro, perna aberta quase sem poder andar, dirige-se à mesa onde nos encontrávamos uns seis ou sete curiosos, ávidos daquelas histórias para nós surpreendentes ou surreais, a desabafar alto e bom som «porra que estou à rasca do cú!». Claro que ele veio depois a saber porque é que em uníssono desatamos todos à gargalhada.


9 comentários:

  1. E, então?
    Lá vens tu com muita parra e pouca uva...:)
    Esqueceste o meu vinho verde branco Ponte de Lima Adamado ou Casal Garcia!

    Beijocas.

    Bom fim de semana.

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    1. Adamado é mesmo só para as damas. Eu gosto mais do vinhão. Coisa de macho :) LOL

      Beijocas.

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  2. Essa prática do naturismo não era assim tão saudável, não, para quem adormecia ao sol, sem protetor solar. E, naquele tempo, tirando o nivea da caixa azul com se que besuntavam os putos, rapaz que fosse rapaz ou já homenzinho não queria saber dessas "mariquices". E pagava-se caro, a brincadeira... :)))

    Beijocas!

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    1. E ás vezes ainda se exagerava com uns bronzeadores que faziam fritar a pele.

      Beijoca.

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  3. Começaste pelo desfile daqueles maduros da tua região, passaste ao Alentejo e ao Douro (dispenso os verdes...).
    Depois apareceu (hummm...) um queijo de Serpa!!
    O que valeu é que eu tinha passado pela padaria e levava pão para casa e fiz um óptimo lanche!
    Agora vou reler o resto da intriga.
    Um abração.

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  4. Desatando a gargalhadas sempre estou eu quando venho aqui sr.Vitor
    Essa prática de falar em delícias da cozinha certamente é pra deixar mesmo o leitor com fome ... e sobre as belezas já estiva lendo sobre o turismo em Portugal e fiquei apaixonada por essa regiao do Algarve, praias paradisíacas(?)nenhum nudismo me parece, tem Porto de Mós,com areias claras,mar turquesa e rodeada de falésias. Tem tbem a rota do vinho ...e ainda o caldinho de cebolas e sardinhas.Tudo perfeito mas só se levar muita 'grana'porque está tudo pela hora da morte... não é?e ainda um mar imenso até chegar lá rs
    Muito boa a leitura Vitor, me divirto , voce é ótimo.
    abraços
    * sobre seu comentário: no dia que fotografei ,o mar não estava em ressaca, alguma marola dos muitos barcos a motor aproveitando o dia ensolarado.Um dia lindo!
    bom que voce gostou!

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  5. Eu, passeante por tudo o que é terra com praia, abaixo de Peniche (acima, a temperatura da água é uma chatice), este ano não escolho Lagos. Manta Rota, lá para meados de Julho (será que ainda venho à tasca depois isso?)

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  6. Vinho, verde, branco, mas Casal Garcia não porque leva poucas uvas ;) (é martelado de forma industrial) acreditei porque sei quem o faz...

    E que tal "O inexplicável crime junto à travessa" é mais pequeno e a palavra travessa deixa a dúvida se se trata de uma travessa de servir ou uma travessa (rua) e só ao longo da leitura os leitores percebem ao que se refere, acho mais entusiasmante para o leitor...*

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