«Vamos lá acabar com isto». Como não podia deixar de ser,
foi Isaurinha Bate-Sola quem levantou a voz. E o borburinho, os diálogos
cruzados e, às tantas, a gritaria instalou-se. «O que você quer é conversa»,
disse com uma total falta de respeito o Castro Ribeiro, um meritíssimo juiz,
jubilado, que para os seus pergaminhos deveria ter tido mais tento na língua.
«Pantomineiro és tu, ó cabeça de burro», disse, sem pudor nem decoro, o
inspetor de estribeiras perdidas, virando-se para o rececionista. O filho do
senhor Ismael da farmácia também não se quis ficar atrás e virou-se para o meu
amigo Ismael aos gritos «ó galego manda mas é uma frigideira de óleo a ferver
por cima destas cabeças de atum algarvio». A peixeirada estava instalada.
Ninguém se entendia e Francisca chegou mesmo a vias de facto dando dois tabefes
ao sobrinho e exigindo respeitinho. Dizia ela «o respeitinho é muito bonito». A
senhora de Trás-os-Montes, que de idosa que era, já não tinha coração para
aguentar tanto, encostou-se a um canto e desatou a chorar e a comissária Xana,
fazendo jus à sua autoridade, pegou no cassetete e bateu duas vezes no fundo de
um alguidar de latão que servia de decoração na parede dos fundos da tasca do
meu amigo Ismael. «Parem já com esta merda ou vai tudo para a choldra. Mas
vocês pensam que isto é o Pátio da Cantigas ou quê?». E virando-se para o dr. Castro
Ribeiro disse-lhe «eu perco o respeito a um doutor juiz mas ou você se mete na
ordem ou meto-o eu, seu António Silva de meia tijela». Depois virou-se para os
outros polícias, tendo saído na rifa o anafado do chefe de brigada, Ismael de
Almeida. «Olhe lá ó gordo do caraças. E se você parasse de comer esses
passarinhos fritos e ajudasse a pôr ordem nisto? Daqui a bocado está mais
bêbado que o Vasco Santana e nem haverá candeeiro que o valha para o levar para
casa». O chefe de brigada não tugiu nem mugiu e foi necessária a intervenção de
Ismaelix que gritou alto e bom som «Estes portugueses estão loucos!», tendo,
ato contínuo, desatado à chapada por tudo quanto lhe apareceu à frente. Levou o
Espinheira, coitado, que não tinha largado a sua gasosa nem aberto a boca a não
ser para arrotar, levou o filho do senhor Ismael da farmácia que engoliu o Português
Suave sem filtro que tinha acabado de acender. Levou a Isaurinha Bate-sola que
deu uma volta no ar que até se lhe viram as cuecas, por acaso bem bonitas,
brancas com rendinhas. Levou a empregada do Ismael Gusmán que fez voar uma
travessa de jaquinzinhos e o respetivo arroz de tomate. Levou o rececionista
que contar aos amigos, se viesse a sair dali ilibado, porque o bruto do
Ismaelix partiu-lhe a cana do nariz com um bofetão. Levou a Ekatrina dois
beijos nos beiços ou melhor dizendo, atirou-se esta ao pescoço do namorado
tentando acalmá-lo e beijando-o afincadamente mas ele desviou-a calma e
docemente, como se faz a uma namorada. Levou o velho Ishmail Baruch um empurrão
na cadeira de rodas, que rodopiou de tal maneira que parecia que estava no poço
da morte da feira popular. Levou o sobrinho, o judeu Ismael ben-Avraham, que
até tem andado calmo, desde o dia em que por engano se sentou em cima de uma
seringa com um sedativo que era para um paciente com perturbações no córtex,
uma tapona no focinho que se deitou adormecido ao colo da enfermeira feia. Levou
a enfermeira feia por se meter onde não era chamada. Levou o marinheiro
Sebastião um sopapo, que se aquilo fosse um navio do século XVII teria voado
até ao cesto da gávea. Voltou a levar a Isaurinha Bate-Sola porque o povo,
empolgado, gritou bis na ânsia de lhe voltar a ver as cuecas com rendas. Levou
o chefe de brigada Ismael de Almeida com um saco de milho na cabeça que até
começou a ver pombos e, finalmente, levou Francisca um raspanete por ter
escrito nos seus apontamentos que se um dia, o inspetor Ismael Sacadura Flores
se armasse em Poirot de S. Nicolau, haveria um borburinho tamanho que era
preciso ir chamar os franceses para acalmar a coisa. E assim foi, depois da
coisa acalmada, pode Ismael Sacadura Flores dizer quem matou e porquê, a malograda
Isabella, corista do Parque Mayer, com sete facadas no peito.
Credo, que violência!*
ResponderEliminarEheheheheheheh
ResponderEliminarConstantino, sei que sabes que eu sou, uma daquela típicas portuguesas de pelo na venta, mas tenho bom coração e sei dar a mão à palmatória.:))
Se foi este o FIM tão FUN que a menina da sandes de fiambre - repara, que já não lhe chamo serigaita - te sussurrou ao ouvido, para mim está de bom tamanho!!
Mais: nem tu, admirável e prestigiado, autor-narrador-escritor, conseguias inventar um final tão brilhante...
Tadinha da Isaurinha, apanhar a dobrar só porque o povo lhe quis rever as cuequinhas brancas rendadas.
Bem faz uma pessoa que eu cá sei em as colocar longe dos olhares curiosos...ahahahah
Ah, Constantino, há muito que não me ria tanto! Bem-hajas!!
Beijocas. :)
E ainda não viste (leste) o resto :)
EliminarBeijocas :)
Bem... mas isto continua o mesmo pandemónio!!
ResponderEliminarHá que por ordem na sala... senão nem os petiscos sabem bem enquanto ouvimos o desfiar de razões por parte dos intervenientes.
Um abração.
Que sururu que prái vai! E não é que me fizeste lembrar mesmo "O Pátio das Cantigas"? Porque será? :)))
ResponderEliminarMas vamos ficar atentos, a ver como acaba o burburinho! :)
Beijocas!
Com tanta gente metida ao barulho...olha no que isto havia de dar. Agora vou ficar impacientemente à espera da fala do Sacadura Flores.
ResponderEliminarAcho que afinal cheguei a tempo...Que grande pé-de-vento!
ResponderEliminarA cena está tão bem escrita que ao a ler até me agachei, não fosse levar com um saco de milho na mona ou um murro na tromba...
Vitor que confusão é essa?
ResponderEliminarse fosse por essas bandas de cá com certeza a polícia chegava pensando se tratar de guerra na favela ... rs
me matas de tanto rir Vitor !
esperava um Fim ,esse Fun está fora de propósito tal como a confusão desse escritor-narrador.
já sei é o tal suspense natural de bons de canetada rs
por aqui também certamente Sr.Ismael Sacadura Flores amanheceria mortinho rs
abraços Vitor,
excelente!
Olá, Vitor!
ResponderEliminarCapítulo bem movimentado e cheio de graça, este. Onde quem mais se diverte é o autor deste comprido novelo - muito bem enrolado, por sinal.Onde nem sequer falta o "Canal Memória", para aqueles que ainda a não tenham perdido ...
E fico à espera do resto.
Abraço amigo
Vitor
Mas que enredo! : )
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