Não seria fácil. Na tasca do meu amigo Ismael, já bem
entrados nos anos setenta, talvez em 1976 ou 1977 não me recordo bem, ainda o
meu amigo galego decorava as paredes da taberna com réstias de alhos e de
cebolas, ramagens de loureiro atados com um cordel e até molhos de orégãos,
estes em sacos plásticos para não se espalharem pelo chão. Esta decoração era alternada
com pratos de barro, de cerâmica regional representando também em barro
moldado, uma morcela, um papo-seco, um garfo e uma faca. Alguns azulejos
típicos podiam ver-se pendurados nas paredes, com frases do tipo “hoje não se
fia e amanhã também não” ou com quadras populares, onde por vezes a métrica não
estava certa, mas que deixavam o cliente com um sorriso “se aqui vens de boa-fé
/ para seres servido com agrado / bebas cerveja ou café / nunca me peças
fiado”. Esta acabou de ser inventada, mas eram do género, só que a minha
memória já não dá para tudo. O bom e simpático Ismael Gusmán tinha também nas
paredes uns fundos de pipa com publicidade ao produtor, recordo-me que dois
deles eram de vinho do Porto, um da Offley e outro da Kopke. Quando lá entrava,
uma das conversas que tínhamos frequentemente era que, um dia, ainda iriamos
mudar toda a decoração daquelas paredes. Mas não seria fácil. Eu, provavelmente
utópico para a época, falava-lhe que ele poderia aproveitar as paredes para
fazer exposições de pintura ou de fotografia. Mas era cedo demais. Hoje entendo
isso. O problema era, primeiro mudar mentalidades, inclusive a de Ismael,
segundo, o sempre presente, ontem e hoje, dinheiro. Quem entra numa tasca para
um pastel de bacalhau e um copo de três, às vezes, muitas vezes, a contar os
tostões, iria investir em quadros? E muito menos em fotos. Não seria fácil.
Terminava a conversa quase sempre a incriminá-lo, coitado,
que ele era um bota-de-elástico, que era mesmo um galego, que só via presunto fatiado,
saladas de atum e pratinhos de burrié, que não dispensava o cheiro do louro e
dos refogados, que para ele a cultura era o hóquei em patins do Liceo da Coruña
e ele a chamar-me intelectual de merda, que se não fossem os tordos fritos às
sete da tarde lá na tasca eu passava uma fominha do caraças e nem força tinha
para jogar à bola e eu a querer levantar-me e arrancar e a dizer não «me ofenda
senhor Ismael» e ele a chamar-me «puto mimado com pancada de intelectual de esquerda».
Bom na verdade todo este período foi inventado, eu e o Ismael Gusmán eramos
unha com carne, amigos como é difícil encontrar, nunca nos zangámos na vida,
ele era uma belíssima pessoa e eu, um miúdo bem respeitador e comportado. Mas
olhem que se aquela discussão nunca aconteceu, bem podia ter acontecido. E
depois, para apaziguar, vir de lá a Fernandinha, sim porque foi exatamente
naqueles anos setenta, que Fernandinha regressou de França, onde foi abusada
por um barão francês, filho da mãe, fez ela muito bem em dar-lhe cabo da
garrafeira, mas estava eu a dizer, vir de lá a Fernandinha, para acalmar os
nossos ânimos, com uma travessa de salgadinhos, e como ela fazia bem os pastéis
de bacalhau, mon Dieu!, e um canjirão, se bem que nessa época eu fosse
mais gasosas, mas de vez em quando virava um copinho e sendo na tasca do
Ismael, não havia dúvida que era pinga de qualidade. Quanto eu não pagaria por
uma discussão assim, só para ter por perto a presença da roliça, da sempre
rubra, da decotada, e como ela se inclinava e deixa ver-se entre sutiãs, com
mais ou menos rendas, bom vocês sabem, não digo mais nada a não ser de novo oh mon Dieu, da fresquíssima
Fernandinha, não me lembro bem, mas com pouco mais de vinte anos. Mas não. Eu
inventei isto tudo e sabem porquê? Para vos falar de uma outra coisa, prestem
atenção ao parágrafo seguinte.
Ontem dia 14 de Maio foi inaugurada uma exposição coletiva
de fotografia onde eu também estou presente. É a primeira vez que eu exponho
uma foto impressa ao público, pois por aqui, quer no blog, quer em outros sites
como o Facebook, o Flickr ou o Olhares, exponho diariamente fotos minhas. Mas
assim em papel impresso é de facto a minha primeira vez. É no Fórum Picoas, em
Lisboa e estará patente ao público até dia 18. Está a ver, amigo Ismael, quem é
que se armou ao pingarelho, quem foi?
Gostei de toda a prosa como introdução para um anúncio que o deve encher de orgulho.
ResponderEliminarE agora pergunto...será uma certa fotografia que apareceu no face e que eu achei lindíssima?
Acho que nunca a publiquei :)
EliminarE a foto... não a podemos ver aqui? é que por azar, eu que nos últimos tempos até costumo ir a Lisboa com frequência... não vou à capital até lá. :(
ResponderEliminarSim, eu publicá-la-ei em breve.
Eliminarjá te pedi que me pagues a viagem e aí estarei para deitar o olho
ResponderEliminarkis :=)
Olha, olha... andas sempre cá e lá :)
Eliminarjunho
Quem diz Mon Dieu, sou eu, Constantino!
ResponderEliminarEntão, inaugurou-se ontem uma exposição de fotografia onde está patente ao público uma das tuas belas fotos e só agora é que nos comunicas?
Deixa lá, está desculpado.:) Sabendo desta tua grande paixão pela fotografia, fico muito contente por ti.
Só lamento não poder ir aí dar-te um abraço e compartilhar, ao vivo, dessa estreia, que tanto nos enche de orgulho.
Amigo, tu mereces!
Beijinhos.
Pode ser que outras venham. E espero ver-te a ver-me :) beijinhos.
EliminarLamentavelmente vou perder esta exposição?
ResponderEliminarParabéns por esta primeira vez!
Beijo
Pode ser que hajam mais oportunidades.
EliminarEstive, gostei e assinei, num agradecimento a todos os fotógrafos e a ti meu amigo, em especial, pelos magníficos momentos captados.
ResponderEliminarDeixei que o meu silencio se perdesse em "Debandada", foto magnifica, parabéns Vitor!
beijinho
cvb
Muito obrigado. Um enorme beijinho, poetisa.
EliminarCONSTANTINO
ResponderEliminarse estivesses aqui ao meu lado levavas com a bel ada chinela pela cabeça abaixo! Chamar chinelos aos meus sapatinhos?
kis :=)
LOL! parecia...
EliminarPublicá-la-á em breve! Aguardando!
ResponderEliminarBeijo
Li e não podia ir porque estive de serviço, mas o mais dificil é começar e com toda a certeza terá sido um sucesso e que venham mais!
ResponderEliminarMostra lá qual foi a foto:):):)
Olá Vítor
ResponderEliminardeixei aqui dois comentários, mas constato que não entraram. Um comentava o post, o outro a exposição.
dizia-lhe que gostei muito da sua foto do Samouco e até deixei um comentário e um abraço no Livro de Honra.
Espero que hoje entre...