Quando Jürgen Grass jurou sob sua honra e da dos Grass,
família proeminente da Renania –Westfália
e amicíssima da família
Schneider, uma abastada família de banqueiros, artesãos e alfaiates judaica,
seus vizinhos e ainda aparentados devido ao casamento de uma prima afastada de
Jürgen com Ismael Schneider o principal alfaiate de Remscheid que, se algo lhes
acontecesse durante a guerra, ele próprio se encarregaria de converter em ouro
todos os bens antes que as SS o conseguisse e que depositá-lo-ia numa conta na Suíça
cujo número estaria suficientemente camuflado para que ninguém o descobrisse e
também que, ainda sob compromisso de honra, custasse o que custasse, passe a
atualidade da expressão, percorreria Seca e Meca, passe aqui a ironia da expressão, até que encontrasse um
familiar dos Schneider a quem confiar
tão presumível fortuna, estava longe, muito longe de imaginar que numa viagem
que não parecia ser de risco, dada a conhecida neutralidade suíça, que entre Chur e Lugano, viesse a ser vítima
de um traiçoeiro assalto que entre uma mala com um acordeão, uma pequena bolsa
com duas sandes de frankfurter-würstchen
e uma weiss bier, uma par de militärstiefel, ainda haveria de ficar
sem um cordão fino de ouro com uma medalhinha, onde fora colocada uma
fotografia em ponto pequeno de Nossa Senhora. E porque é que se diz aqui que o
assalto fora traiçoeiro? Será apenas intenção do escritor e por vezes narrador
de contos adjetivar o assalto? Não nos parece e para que não restem dúvidas que
nesta novela e tampouco nos contos que fazem parte desta coletânea de coisas
que ora são contos, ora não são, não se gastam adjetivos em vão, cá vai a
explicação de porque é que esse assalto foi traiçoeiro.
Faz o narrador aqui um parêntesis para lamentar que a
cronologia tenha obrigado Fernandinha a viajar até ao futuro, a saltar vinte
anos para a frente, deixando para trás tudo quanto de bom trouxe a esta novela,
nomeadamente os pasteis ou bolinhos de bacalhau como são chamados no norte do
país e também nomeadamente a sua permanente coscuvilhice, a querer sempre saber
o que se passa com o desenvolvimento do crime e ainda nomeadamente com o seu
pseudoflirt com Sebastião, o marinheiro, pois que como é bom de ver nunca
poderia ter acontecido e, finalmente, nomeadamente um avental novo que ao
escritor tanto trabalho deu em encontrar a condizer com a decoração das paredes
da tasca do meu amigo e seu patrão Ismael Gusmán. Mas isto são contingências de
um não-livro, de um quase não-blog e definitivamente um não-pastel de bacalhau,
o que nos obrigará a falar provavelmente de moqueca de camarão, de pita shwarma ou de polvo em molho
vinagrete o que também não é petisco de se jogar fora. Feito que está o lamento,
retomemos o que da viagem de Jürgen Grass da Alemanha a Israel , com passagem
pela Suíça, Itália, Grécia, Turquia e Chipre, nos interessa e diga-se, em abono
da verdade, algo efetivamente nos irá interessar.
Viajava então Jürgen numa confortável carruagem
proporcionada pela Wagon-Lits quando conheceu no bar-restaurante um simpático
italiano que, apesar de vestir uma camisa negra, não lhe motivou nenhuma
desconfiança. A guerra já tinha acabado e apesar de ainda não ter sido
inventada a minissaia nem o biquíni pequenino às bolinhas amarelas, cada qual veste
aquilo que muito bem lhe apetecesse e ninguém tem nada a ver com isso. Eu por exemplo,
estou a escrever este texto em roupão, com os chinelos de quarto enfiados. Mas
se estivesse descalço, o que é que alguém tinha a ver com isso? Conversa para aqui,
conversa para acolá, às tantas já estava o nosso Jürgen com três canecas de
cerveja no bucho, daquelas canecas de litro e o nosso vígaro italiano a
pedir-lhe vinte paus emprestados que lhe pagaria no sábado, quando recebesse a
semanada lá da fábrica, etecetera e tal. E é aqui que se dá a traição. Depois
de se ver com os vinte paus no bolso, que naquele tempo eram em francos suíços,
vinte paus de franco já estão a ver o balúrdio que era, e depois do Jürgen ter pago do seu bolso,
coitado, a despesa que fizeram no bar e que, pode o narrador garantir, ainda
custou uma nota, porque nos restaurantes dos comboios a coisa não é barata,
principalmente nas carreiras internacionais, mais ou menos ao preço que
pagamos, hoje em dia, nas nossas áreas de serviço, não é que o italiano gama o
que acima foi descrito e ainda um relógio de pulso que tinha sido comprado
horas antes na gare de Berna, ao pobre do alemão, enquanto este dito cujo
alemão estava a tirar uma soneca, a ressonar e tudo, à conta das bejecas
bebidas e depois desaparece mesmo com o comboio em andamento? Por sorte ou
coincidência, apesar da Margarida Rebelo Pinto dizer que as não há, uma senhora
que costumava fazer as limpezas das carruagens e que por acaso estava a gozar
um dia de feriado, quando viu o alemão a blasfemar em alemão, praticamente a
grunhir e a dizer uma montanha de asneiras tais como «f.…-se, uma destas é que
eu não estava à espera, car…», mas isto tudo em alemão, o que nem dá para
traduzir completamente porque parece mal, ter exclamado em voz alta para quem a
quis ouvir, «isto só pode ter sido obra do senhor Vicentini», mas em
suíço-alemão que é ainda mais complicado de traduzir.
Ora, Francisca que não perde pitada destas coscuvilhices,
aproveitou logo a deixa para insinuar no seu manuscrito que, apesar das
vicissitudes da viagem, Jürgen seguiu até Israel, não antes de ter passado por
Atenas, para ver, segundo a própria Francisca que é pouco dada a estas coisas
da História e dos fenómenos da Natureza, os estragos que a guerra fez nos
monumentos, pois parece que aquilo estaria tudo em ruinas, com o objetivo de
reunir com a Mossad. «Ora a verdade, segundo Francisca, e ela é uma mulher
muito bem informada nestas coisas, se calhar sabe muito mais do que diz», dizia
o jovem Espinheira sentado num banco ao balcão da tasca e conversando
informalmente com o meu amigo Ismael Gusmán, «é que consta por aí que nem
Ishmail Baruchi é tio de Ismael ben-Avraham, nem este é sobrinho do primeiro,
bem entendido. E se assim for, talvez sejam agentes secretos à procura da
medalha. Só não sabemos bem, porque está difícil de descodificar no manuscrito,
porque é que ele só falava numa sobrinha chamada Raquel, que há muitos anos
vivia em Portugal e era especialista em peixe de assar na brasa».
«Com peixe na brasa ou com ervilha e ovos escalfados quem
pagou as favas foi a Isabella, essa é que é essa. E logo com sete facadas»,
rematou o meu amigo Ismael, limpando as mãos ao avental azul preso à cintura e
desviando-se para ir aviar mais um copo a um freguês que tinha acabado de
entrar na taberna. «E um piresinho de torresmos, faxavôr», pediu o cliente.
O freguês que entrou não era eu... eu tinha acabado de sair, meio baralhado com o que acabara de ouvir.
ResponderEliminarEsta narrativa está-me a dar a volta à cabeça... e já perdi a esperança de a Francisca ser arrumada... (só se for à facada, como a outra, aquela coitada)
Como isto agora mete agentes secretos e tudo, se tivesse a mania da perseguição diria que "bolinhos de bacalhau como são chamados no norte do país e também nomeadamente a sua permanente coscuvilhice,a querer sempre saber o que se passa com o desenvolvimento do crime" para além se aplicar à Fernandinha, que viaja no tempo, também podia ser para mim, que estou de pijama e meias de algodão a coscuvilhar novamente...*
ResponderEliminarDepois do frankfurter-würstchen e duma weiss bier, só mesmo os apetitosos bolinhos de bacalhau que apareceram a meio do texto, me permitiram matar uma fome de um dia que me vinha apertando o estômago...
ResponderEliminarPois...se estivessemos no Verão eu estaria a ler esta embrulhada de pé descalço. Assim, estou toda enchouriçada de roupão e mesmo assim ainda sinto calafrios!
ResponderEliminarCom alemães à mistura as ligações tinham mesmo que ser perigosas.
Hoje, tudo me está a correr mal aqui na tasca!
Quando entrou o freguês que pediu o "piresinho de torresmos, faxavôr" vi que era um velho amigo meu e convidei-o para a minha mesa. Afinal, quem comeu os torresmos fui eu!
Isto de tu influenciares a alteração dos hábitos dos fregueses com essa mania de meteres gente estranha na história, a comerem coisas com nomes esquisitos, é no que dá! Até o que é nacional deixa de ser bom.
Sendo assim:
-Ó amigo Ismael, traga-me lá uma moqueca de pita shwarma, please!
Também tenho que me estilizar, e já agora fico a conhecer o sabor que isso tem!
Por causa de snobismos, lá vai o Gúsman ficar com a giga da sardinha para dar ao Schubert.
E a culpa do prejuízo é toda tua, Constantino...
:)
ResponderEliminarBjinhos
Paula
Vítor, já pensou em colocar os seus relatos num livro? Pense nisso...
ResponderEliminarbjs
Ai, que isto está cada vez mais complicado! :)
ResponderEliminarBeijocas!