Alcibíades Procópio viveu praticamente toda a sua vida sob o
estigma do seu nome. Apesar de se apresentar a toda a gente como Martins da
Silva, os seus apelidos, Martins da parte da mãe e Silva de seu pai, era quase
impossível de assim vir a ser chamado. Quer nas escolas, desde a instrução primária,
quer nos empregos por onde passou, o que não faltavam eram Silvas, conhecidos
por Silva ou por José Silva, Joaquim Silva, Manuel Silva, Pedro Silva, João Silva,
Alfredo Silva, Eduardo Silva, Carlos Silva ou Franklim Silva sem esquecer os da
Silva e os e Silva pelo que, pelo menos de Alcibíades não escapava, ainda que
lhe fizessem a fineza de o tratar por Silva. Mas com Procópio ali mesmo à mão
de semear, raramente deu jeito a algum colega tratá-lo por Silva. E até mesmo por
Martins a coisa não era fácil, pois embora não tão comum como Silva, o Augusto,
o Ramiro, o Santana, o Cardoso, o Edgar, o Filipe eram Martins e chamá-lo a
ele, Alcibíades Procópio, como Martins da Silva, pouca a gente ousou fazer e
quase que asseguro, ninguém o fazia.
A sua mãe, D. Felismina Martins da Silva que adotou o apelido
do marido por via do casamento, sempre tratou o filho carinhosamente por Bi ou
por Bizinho o que, apesar de tudo, o reconfortava. O pai, que era um militar à
antiga, que calçava botas de cano alto e usava bigode enrolado em caracol nas
pontas, não era muito apologista desse tipo de mimos chegando ao extremo de tratar
o próprio filho por senhor Alcibíades ou quando o caso era grave por senhor
Alcibíades Procópio, com ponto de exclamação e tudo. Aliás, quem conheceu o austero
senhor Januário Santana da Silva, seu pai, sabia que no seu vocabulário não
existiam diminutivos, chegando mesmo ao cúmulo de tratar um cabo do seu pelotão
por cabo Agosto quando o homem se chamava, efetivamente, Agostinho. É então com
naturalidade que, neste ambiente dual, de um lado o mimo, o carinho, a ternura,
do outro a seriedade, a austeridade, o rigor, que um homem de nome tão pouco
vulgar, que chegou, inclusivamente, a sofrer, embora não assim conhecida na
altura a expressão, algumas tentativas de bullying
apenas por causa do nome, se tenha aproximado se sua mãe para inquirir e
posteriormente indagar quem, autores de tão estranha Graça, teriam sido os seus
padrinhos.
D Felismina Martins da Silva explicou então a Bi que
Alcibíades Procópio tinha tido duas madrinhas. Uma, fora Nossa Senhora das
Dores, como divina testemunha e protetora e a outra, filha de uma amizade
antiga, fora a adolescente Zeza, uma testemunha viva, de carne e osso e pessoa bem-educada,
que por ser muitos anos mais nova que D. Felismina Martins da Silva,
funcionaria assim como seguro de vida para o inocente Bi. Zeza, era na época uma
menina nos seus tenros dezasseis anos de idade, ainda virgem, filha de boas
famílias, que para além de ser amiga da família, era neta por parte de sua mãe,
uma beata de muita fé e devoção, do respeitável senhor Alcibíades, o dono da
capelista, onde as mulheres mais prendadas e impolutas se encontravam a comprar
rendas e botões e a falar bem da vida umas das outras e também neta do doutor
Antero Procópio, veterinário e pescador de achegãs como outro não havia na
vila, embora um pouco boémio para os gostos tradicionais, seu avô paterno. Está,
portanto, visto que a Zeza não lhe faltou inspiração para encontrar nome para o
rebento de D. Felismina Martins da Silva. E se assim se inspirou, assim o
batizou, pois não consta que Nossa Senhora das Dores a isso se tenha oposto.
A mudança da vila para a grande cidade, longe muitos
quilómetros do local de nascimento e batismo, o desenraizamento cultural e
tradicional, a quase ignorância geográfica que o impedia de localizar o lugar
onde nasceu num mapa ou num planisfério, fez com que Alcibíades Procópio nunca tenha
tido, desde que se lhe conhecia tino, contacto com a sua madrinha Zeza, agora,
com certeza, D. Zeza, já que com Nossa Senhora das Dores nunca o houvera
perdido, pois nunca abandonou a sua religiosidade praticamente inata e a devoção
à sua divina madrinha. E agora que a sua mãe, D. Felismina Martins da Silva já
estava morta e enterrada e o seu pai residia num lar para antigos militares de
cavalaria, nada mais natural do que tentar aproximar-se de D. Zeza e
reivindicar a sua posição de afilhado. Afinal, estávamos na Páscoa e ela, por
ser sua madrinha, tinha por obrigação oferecer-lhe um pacote de amêndoas.
Existem nomes bastante fora do comum e que já são anedota geral. Parece-me que aqui a culpa é exclusivamente dos pais que escolhem o nome sem se preocuparem com o futuro dos filhos.
ResponderEliminarConheci um Sr chamado Procópio, e muitos nomes do género:-Abundância Primavera, Agripina, Remédios Raros, Um Dois Três, e a lista não tem fim...
Em tempos conheci um homem com um nome idêntico, engenheiro, administrador de uma grande empresa, que quando telefonava diretamente a alguém se anunciava a si próprio como engº. Se calhar para evitar gozos com o nome e impor respeito... :)))
ResponderEliminarMas é lamentável que alguém dê nome às criancinhas segundo parentes ancestrais, também eles herdando nomes imemoriais de outra parentela! E mesmo que não use um nome abstruso, tive colegas com os nomes mais patéticos que podem existir, desde cedo decidi que filho meu teria o nome que eu escolhesse. E assim fiz! Pode não ir buscar o pacote das amêndoas à madrinha Zeza, mas pelo menos é mais feliz! :D
Beijocas!
Há nomes que nem à madrinha se perdoam!!
ResponderEliminarSeja ela a Zeza ou a Senhora das Dores!!
Meu amigo
ResponderEliminarRealmente há nomes que não lembram a ninguém, adorei a história, são pedaços de vidas.
Agradecendo a carinhosa visita e desejando uma Páscoa feliz.
Um beijinho
Sonhadora
Gosto muito de nomes antigos e Procópio é um dos meus preferidos...não do que é que o Bi se queixava...*
ResponderEliminarAlcibíades, não sejas tonto
ResponderEliminarda Zeza amêndoas nem vê-las
que essa madrinha malvada
merecia uma grande chapada
que a deixasse a ver estrelas.
Feliz Páscoa, Constantino, para ti e para os teus.
P.S. Já compraste o ovo de chocolate para o teu netinho?
Se não compraste, compra!
Beijinhos
Aproveita bem também estes dias que o calendário nos permite para um descanso merecido.
ResponderEliminarAbraços,
Um conto com nomes. Original e ao teu estilo... que é um prazer ler
ResponderEliminarHá nomes incríveis e adorei esta história. Tive uns tios maternos Zeferino e Zeferina, famílias distantes e sem se conhecerem...olha a coincidência:)
ResponderEliminarAgora Procópio nunca tinha ouvido, ai coitado dele:)
Quanto à cobrança das amêndoas, pois, nunca recebi nem uma dos meus padrinhos nem dos meus avós, já que os distinguidos eram apenas a minha irmã mais velha e o meu irmão João (já falecido). Coisas que marcam, mas eu e o meu irmão a seguir a mim (a mais nova era bebe)conseguimos rapinar-lhes as amêndoas lollll
Adorei a história e foi um belo momento de leitura:)
Páscoa Feliz para ti e todos os teus
Eu, com madrinhas com esse bom gosto, quereria era distância! Mas pode ser que a madrinha Zeza ainda se redima dos nomes que lhe atribuiu e lhe reserve uma boa surpresa. Fico a torcer...
ResponderEliminarOu muito me engano, ou esse Alcibíades é aparentado da Cátia Janine que hoje apareceu lá no On The Rocks... http://cronicasontherocks.blogspot.pt
ResponderEliminarAbraço
Não sei porque me lembrei disto... mas, o raio do Procópio parece o nome de um jogo da Majora...
ResponderEliminarNomes e enredos! Gostei da história.
ResponderEliminarAbraço, boa semana
cvb