Quem anda um bocado aborrecida com o escritor é a Francisca.
Eu entendo-a, se estivesse no lugar dela talvez estivesse com o mesmo estado de
espírito. Dizia Francisca, um dia destes, que apesar do interesse de Ismael
Sacadura Flores no seu conto, as atenções andavam todas viradas para as
anotações no manuscrito que podiam dar pistas para esclarecer o crime que
vitimou, blá, blá blá, Isabella Vicentini, blá blá blá, sete facadas, blá, blá,
blá, Rua dos Correeiros e que o escritor está a ceder à pressão que lhe fazem
para desvendar, logo, o mistério, isto é, o nome ou os nomes dos assassinos,
pois apesar dos protagonistas já saberem o resultado, desde o capítulo vinte
oito, a verdade, verdadinha, e quando a verdade é nua e crua, dói, a verdade,
dizia o narrador desta novela, é que os leitores do projeto de livro,
atualmente apenas posts em blog, ainda não o sabem. Francisca, apesar de tudo,
não está contra a que o escritor dedique mais tempo a escrever histórias,
relatando factos que eventualmente possam ter ocorrido ou ficcionando outros
que eventualmente possam não ter ocorrido, ou até mesmo misturando realidade e
ficção e onde, os protagonistas, tal como já foi dito em disclaimer exclusivo, possam apenas ser uma mera coincidência com
personagens reais, vivos ou mortos. Ou, então, escrever um livro de suspense
que mete crimes e espionagem e muitos tipos de nomes estrangeiros, como um tal
Freitag que só apareceu uma vez. Na realidade o blog é dele, ele escreve o que
bem quer e bem lhe apetece, se um dia algum livro dele vier a ser publicado, a
singelo ou em coletânea, que tenha êxito é o que ela lhe deseja, mas o escritor
podia ter sido um pouco menos parcimonioso na forma como tem divulgado o seu,
dela, “Conto da ilha de lá”, como já lhe chamou, provisoriamente, o jovem
Espinheira.
Estava a Francisca a desabafar com o senhor Ismael Rodrigues,
dono da mercearia no seu quarteirão lá na Quinta do Conde, toda esta
preocupação com o que se estava a passar com o seu “Conto da ilha de lá”,
nomeadamente a apreensão que lhe estava a causar o facto de que se a divulgação
do ou dos criminosos vier a ser feita um dia destes, tudo o resto de ” Ismael,
a série” ou dos “Relatos dentro de uma lata de atum”, nome provisório e
alternativo a “Histórias à sombra de um carapau de escabeche”, deixará de ter
interesse e o seu “Conto da ilha de lá” ficará no texto como um conto
inacabado, que na posteridade poderá vir a ser publicado ou não, tudo
dependendo do grau de notoriedade com que ela mesma venha a ficar no mundo
literário, quando de repente, como que vindo do nada, lhe entra mercearia
dentro um pombo-correio com uma mensagem agarrada à anilha, o que lhe fez
soltar uma grande exclamação: “Ora esta,
este é o pombo-correio do senhor Ismael Gusmán, o amigo galego do escritor, que
tem uma tasca na Rua dos Correeiros!”. Esta exclamação já não pode ser
ouvida pelo senhor Ismael Rodrigues, o dono da mercearia pois, ao mesmo tempo,
a estridente campainha do seu telefone de mesa já tocava e se ouvia lá de
dentro qualquer coisa como, Quem fala?...
Ah o senhor Espinheira… como está?…Urgente?
Pois sim senhor, faça o favor de dizer… ah é para a D. Francisca? Por acaso ela
está ali mesmo, vou já chamá-la… enquanto no aparelho de telefonia se
ouvia, com muito ruído, uma interrupção do programa de fados e guitarradas, para
comunicar a D. Francisca que grrrrr…
conto….grrrrrrr…capítulo seis… grrrr… E quando Francisca percebeu que não
estava no Pátio das Cantigas e que não tinha nenhuma filha no Brasil e que
muito menos se chamava Rosa, entra porta dentro, passe o pleonasmo, o
Filipinho, de calções e suspensórios sobre uma camisa branca e de cabelo com
brilhantina e risco ao lado, gaguejando e quase sem poder falar com a emoção,
D. Francisca, D. Francisca, o seu conto…
Ao que ela respondeu, apertando o garoto contra o seu vestido de chita da
tabela, às flores pretas e brancas, dada a sua condição de viúva, já sei meu filho, já sei, o sexto capítulo
do meu conto vai hoje ser publicado pelo narrador.
Capítulo 6
“Apesar da minha fraqueza física,
motivada pela fome e quiçá pela situação inusitada, não quis parecer um
qualquer jagodes. Levemente acariciei-lhe os seios. Primeiro um, depois outro.
Tive uma surpresa. Não posso jactar-me de ter tido muitas mulheres na minha
vida. Ainda sou relativamente jovem, falta um bom par de anos para atingir os
quarenta. Nunca tive nenhuma mulher insensível ao toque nos mamilos. Pensei que
a minha inabilidade ou a minha retração fossem as responsáveis. Toquei-lhes com
a ponta da língua numa tentativa de os bolinar. Nenhuma reação da jovem, nem um
tremor, nem uma expressão de prazer. Completamente insensível. Num instante, o
chefe da “tribo” levantou-se e começou a jacular. Tal a velocidade com que
emitia os sons, uma evidente forma primitiva de fala, que o joco se instalou
entre os assistentes. Arrepiei no meu jogo amoroso e ato contínuo a jovem
começou a jeremiar. Fez-se silêncio, só não absoluto porque, do goto da rapariga,
se escutava um ténue choro. Alguns dias mais tarde, entendi essa
insensibilidade dos seios das mulheres da aldeia”.
Francisca
saiu a correr da loja do senhor Ismael Rodrigues e foi direita a casa. E
enquanto comia uma chamuça e um croquete de atum que o inspetor Flores lhe
tinha trazido na véspera, diretamente da tasca de Ismael Gusmán, as lágrimas
corriam-lhe pelo rosto. Tinha sido muita emoção e ela iria anotar isso num
outro manuscrito que se propôs escrever. E deu um leve sorriso como se agora
fosse ela própria a mestra do suspense.
No início do capítulo VI pensei que vinham as entradas!
ResponderEliminarE vieram... mas eram de outro tipo!!
Aquelas a que me refria apareceram no fim... mas a seco!!!
- Ó senhor Ismael... saia um copo de três, por favor!!
Anda ali alguém a abusar dos indígenas ou então vice versa. Com ou sem chamuça.
EliminarO copo está a vestir-se...
Ainda a Francisca cria o seu próprio blogue e se liberta do escritor... :)
ResponderEliminarO blog da Francisca não era uma má ideia :)
EliminarQuando a personagem se liberta do autor, podem acontecer coisas imprevisíveis... Isto promete!
ResponderEliminarJá estou a usar uma trela para que ela não se afaste muito :)
EliminarAbraço.
Para já deixe-me dizer-lhe que não gosto de insectos mas a foto está magnifica...
ResponderEliminarAgora se a criatura (Francisca) supera o criador (autor) temos um problema!Eu não sei se aguento dois a escrever assim!*
tétisq, e o que é que você acha de eu cortar o pio a essa intrusa que anda a escrever contos das ilhas de lá ou do pão de ló, ou o que é que é a geografia do lugar e me anda a dar cabo do enredo do crime do número 43?
EliminarEu acho bem, desde que não o faça com sete facadas!*
EliminarEpá, Constantino...assim não dá!
ResponderEliminarTu mete-me essa Francisca na ordem. Olha que se os próximos capitulos manuscritos forem do mesmo calibre do VI, a gaja vai não só tomar conta do suspense, como da história, do blog e de tudo. A tasca do Ismael Gúsman passa a ser só frequentada por tipos que se vão querer afiambrar ao croquete e à chamuça, as damas batem à sola, inclusivé a Fernandinha e tu ainda vais parar à cozinha com o avental do galo de Barcelos bem amarrado à cintura a preparar os petiscos.
Tu põe-lhe rédea curta, Constantino!
Olha lá que até a tua foto já Louva-a-Deus...:)
Beijocas.
Pelo sim pelo não já comprei dois aventais, um efetivo e outro suplente para o caso do próprio Ismael dar ao slide. Mas não te preocupes, qualquer dia o inspetor corta-lhe a bochecha e deixa-lhe a história incompleta. A ver vamos.
EliminarBeijocas.
Eheheheheheh
EliminarO que é isso de "cortar a bochecha?"
Esqueceste que o Inspector e a Francisca...hummm?
A não ser que, num arroubo de paixão, ele lhe pregue uma ferradela ( dentada, à moda do Norte)numa certa bochecha que eu cá sei, que a deixe sem fôlego uns bons capítulos...até ele desvendar o misterioso crime do nº 43.
Vê lá,Constantino, histórias incompletas é que não vale! Tanto mais que manuscritos dão cá um trabalhão...
;)
(Vítor Fernandes, como estou enrolada na trama, me sinto vagando num labirinto, já nem sei mais que caminhos percorrer, tenho que reler os capítulos anteriores, ou então esperar pela publicação do livro)
ResponderEliminarBeeeijo e desculpa a ausência, espero agora dar conta das minhas leituras.
;)
Que malvadez a dos teus leitores (ou da Francisca?) quererem logo que partas para os finalmente... Quando já se sabe que policial que se preze perde o impacto assim que o criminoso (ou criminosos) é desvendado! :)))
ResponderEliminarÉ aguardar (e com calmex) que a veia criativa e o escritor desvendem o mistério, já se sabe que lá para o final, onde depois só restará espaço para rematar as pontas soltas... :D
Beijocas!
Hummmm, isto hoje por aqui está quase, quase hardcore!!É o que dá quando as mulheres resolvem tornar-se independentes:-))))))
ResponderEliminar(Mudando o rumo da conversa (se calhar é melhor), o coelhinho é mesmo verdadeiro, só que está morto e bem morto pelo predador do meu gato!)
Abraço
Gosto da continuidade dos seus textos e da construção narrativa! Muito criativo.
ResponderEliminarbj
A Fernandinha vai-te escapar...tu vê lá rapaz se lhe dás a volta, porque andar em aldeias como a narrada ainda ficas "afiambrado" ou "chamuçado":)
ResponderEliminarPassa-me aí um croquetiiiiiiiiiiii:)
Isto hoje tem Francisca a mais para o meu gosto... ou melhor, para o meu desgosto. Aquele de ter sabido do arranjinho dela com o Inspector Flores... ah, e de ser um camafeu. Se calhar era mesmo melhor que ela criasse o tal blogue, que foi sugerido. Talvez desaparecesse de vez. Talvez chegasse outra personagem que me encorajasse... Talvez...
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