- Estou a gostar.
- Sério?
- Sério.
- Obrigado.
- De nada. Estou a ser sincera.
- Eu sei.
- Mas tenho uma crítica.
- Qual?
- A forma.
- A forma?
- Sim!
- E o conteúdo?
- Não. Para mim está bem assim. Está como combinámos.
- Mas há quem diga que estou a ser chato.
- Não está nada. Se já tivesse revelado o final também
não estaria mal, mas assim, como está a fazê-lo, parece-me bem.
- Então e a forma?
- É a escrita.
- O que é que tem a escrita?
- É simples demais.
- Achas?
- Acho.
- Mas é abrangente, ou para ti isso não importa.
- Não digo o contrário, mas a crítica…
- A crítica? A crítica literária, queres tu dizer…
- Sim, são muito exigentes, são a verdadeira ASAE da
escrita.
- Estás-me a querer dizer o quê? Que não posso usar
colheres de pau e tenho de forrar as cozinhas com azulejos?
- Exatamente.
- Palavras caras?
- Não só.
- Mais metáforas?
- Não propriamente.
- Intrigante…
- Nem por isso.
- Queres desembuchar?
- Alegorias.
- É uma falha, mas isto é só um policial igual a mais um
milhão e quatrocentos mil que já se escreveram.
- Não se minimize.
- Ok, um bocado enredado e que mais?
- Sinédoques, metonímias.
- Está bem, é verdade, mas ironia não falta, comparações,
eufemismos, imagens não faltam.
- E se bem que não descurou as exclamações nem as
perguntas de retórica, tem estado um bocado longe das apóstrofes e das
prosopopeias.
- Mas conseguiste descobrir zeugmas, anáforas,
hipérbatos, silepses?
- Nem por isso. Acho que trabalhou pouco as figuras de
construção.
- Posso dar a mão à palmatória mas não é nesta fase da
escrita que me vou empenhar mais.
. Nem eu lhe estou a sugerir isso, mas nunca se esqueça do
que dizia o Conde de Buffon.
- Mas eu não só não estou a lutar para a posteridade como
também, não escrevo tão mal como isso. Penso eu.
- Uma coisa lhe reconheço. Você tem o seu estilo e isso é
inegável.
- Le style c’est l’homme même.
- Nem
mais.
Retirou um cigarro da cigarreira que parece ser de prata.
Continuo sem saber bem quem é a “minha” rapariga da esplanada. Ela sabe mais do
que eu penso que sabe ou estará a armar-se?
Deu duas baforadas, levantou o indicador direito e chamou o garçon. Perguntou-lhe se o pão era
fresco e bem cozido. Perguntou-lhe se o fiambre era cortada da peça na altura
ou tirado às fatias do frigorífico onde estaria embrulhado em celofane. Quis
saber a origem da manteiga, ao que correspondi com uma gargalhada. E mais
admirada ficou do que o próprio empregado do bar quando eu disse «hoje não há
sandes de fiambre com manteiga para ninguém. Traga-nos uma travessa de
caracóis, se faz favor, e duas imperiais». Não me admira que ela, tivesse, em
pensamento, me chamado rústico. Mas como dizia Aquilino Ribeiro “Em literatura o estilo é como
o álcool para os corpos embalsamados: conserva-os” . Eu hoje fico pela cerveja.
Nada melhor depois da dissertação literária( exímia, diga-se) uns aperitivos à maneira!!
ResponderEliminarUm abraço,
Sem comida não se produz :)
Eliminarcomplicada essa rapariga, chiça!
ResponderEliminare rústico?
kis :=)
Rural?
EliminarAinda bem que te alembraste do Aquilino...
ResponderEliminaraquilo...
aquilo é uma vamp, uma impostora...
acreditas que nem sabe ler?,
Acho que pedia para que lhe lessem o que escrevias?
Só quer sandochas de fiambre (com manteiga)
EliminarPor mim... por estes dias... agrade-me bem mais o pratinho de caracóis... oh se agrada!
ResponderEliminar...'estou a gostar'
ResponderEliminardizem que 'quando lemos, outra pessoa pensa por nós' com esse estilo refinado, vou querer pensar contigo,sempre!
Nietzsche dizia só amar os livros escritos com sangue,seu estilo nao vai a tanto é bem mais eclético, degustador... rs
quanto a "rapariga" da esplanada melhor nao comentar, aliás aqui rapariga tende a ser pouco ou muito amada rs
abraços Vitor