Olá, eu sou o Sebastião. Bem sei que o inspetor Ismael
Sacadura Flores não vai gostar nada que eu me antecipe à sua oratória na tasca
do famoso galego, amigo do escritor. Mas já não aguento mais. Tenho estado,
quase desde o dia em que fui referido pelo autor, creio que na mercearia do
senhor Ismael Rodrigues, na corda bamba desta novela. Ora se dá a entender que
eu não tive nada a ver com o crime, ora se insinua que talvez eu não estivesse
embarcado naquele fatídico dia, e que tudo era uma proteção maternal da minha tia
Francisca, que sempre de mim falava com muito carinho no seu manuscrito. Eu sei
que contar aqui a história da minha vida seria deveras maçador para quem está a
ler. Além disso, eu não tenho a verve do narrador, nem a capacidade de
efabulação do escritor, que me permita deixar-vos uma biografia. Mas tenho que
vos dizer, para que não restem dúvidas, que eu não matei a pobre da Isabella.
Bem sei que muitos de vocês, mas principalmente muitas de vocês, que ao longo
deste medley que o escritor decidiu
fazer no blog do senhor Constantino, misturando as histórias que têm como pano
de fundo a tasca do honesto galego, com o crime da rua dos Correeiros e com o
Conto que a minha pobre e frágil tia anda a escrever sobre umas ilhas, que por
acaso nunca visitei, dizia eu que, muitas de vós já sois grandes fãs deste
jovem marinheiro e que suspireis de alívio, ao lerdes esta minha afirmação. Mas
a verdade, verdadinha, relato-vos em duas ou três linhas, se para isso
conseguir beber a arte de narrar do famoso contador de histórias que tem estado
omnipresente desde o início do fascículo. Ora, se a minha tia deixou claro no
seu manuscrito que eu tinha embarcado para o Coraçau pouco tempo antes do
horripilante crime que mandou Isabella para junto do Criador, então é porque é
verdade. A minha tia não é mentirosa e até estou todo arrepiadinho só de o
estar a afirmar e duas lágrimas, aliás três, já me escorrem rosto abaixo. O que
aconteceu, porém, foi que tive uma daquelas crises de enjoo em alto-mar. Bem
que o enfermeiro me encheu de comprimidos, o meu chefe até bolachinhas e chá
mandou levar ao meu camarote, sabe Deus mais quantos mimos, mas nada. Levantava
a carola do travesseiro e parecia que o beliche se virava de pernas para o ar. Até
que ao fim de algumas horas fui encontrado verde, desbundado num mar de
vomitado. Não tiveram outro remédio senão desviar a rota e deixarem-me na ilha
de S. Vicente onde me apaixonei, como não podia deixar de ser, por uma crioula
com 16 anos. Passada uma semana já se faziam os preparativos para o casamento e
não fosse ter-me escondido num porão de um navio da Companhia Colonial de Navegação que
tinha feito escala para deportar uns revolucionários a mando do Salazar, nunca
eu teria feito parte da novela do escritor Constantino. É assim que na
véspera do sanguinário assassinato da minha querida bailarina, sou visto num
bar do Cais do Sodré, o Barba Roxa, onde me venho a encontrar com o meu antigo
protetor o Dr. Castro Ribeiro. Falamos de tudo e de mais um par de botas
enquanto virámos, a bem dizer, uma garrafa de VAT 69. Quando ele soube que a
Isaurinha Bate-Sola partilhava a cama comigo, para me poder esconder da minha
tia, a quem eu não queria atormentar com a minha repentina doença, saiu do bar
aos gritos de «Eu mato aquela puta! Eu mato aquela puta!», sendo que desde essa
data nunca mais o vi, até alguns dias depois de finada a pobre corista
italiana. Também estranhei a boa disposição de Isaurinha em todos aqueles dias,
quer antes, quer após o fatídico dia, mas sempre atribuí isso ao meu desempenho,
passe a imodéstia, só que vou deixar essa questão para outra ocasião. Por uma
mera coincidência, realmente divina, a noite em que foi vilmente assassinada
Isabella, posso prová-lo, tenho várias testemunhas disso, passei-a escondido
num alçapão do Barba Roxa, por conselho do Dr. Castro, que mesmo já com os
copitos teve um bom discernimento, onde o dono, o meu amigo Ismael Júlio, que
alguém confundia propositadamente com Ismael chulo, escondia as caixas de
whisky de contrabando e duas espanholas que ele trazia por conta, mas que
estavam por cá clandestinas. E indagam-se depois os leitores, que não percebem
porque é que eu passei essa noite escondido no alçapão do chulo, quer dizer do
Júlio e eu não tenho outro remédio senão explicar a minha cobardia, pois o pai
da jovem cabo-verdiana andava há três dias a percorrer tudo o que era cais, bar
ou casas de má-porte, já para não falar nas vigílias que fazia à porta da casa
da minha tia na Quinta do Conde, com uma catana na mão e a toda a gente dizia,
em viva voz e num misto de crioulo e de português «Eu faço aquele malandro em
fatias!». Portanto, peço-vos apenas uma coisa. Quando na sua preleção
determinante, o inspetor Ismael Sacadura Flores declarar que o marinheiro Sebastião
nada tem a ver com as facadas em Isabella, nem com as sete nem com nenhuma das
sete que a vitimaram, façam de conta que ainda não sabem. É que, quando o
inspetor se sente ultrapassado, desata a comer rissóis de berbigão, a beber copos
de branco saídos diretamente do barril, a comer croquetes de sangacho de atum,
salada de tomate com requeijão, a beber bagaços caseiros, a comer jaquinzinhos
fritos de um dia para o outro, sardinha de caldeirada à moda de Setúbal,
pasteis de Tentugal e queijadas de Sintra, ervilhas com ovos escalfados e
chouriço encarnado, feijão frade temperado com cebola, pimenta, azeite e
vinagre, a beber café sem açúcar, a comer sopa de feijão branco com couve
lombarda e chispe de porco, espetadas de asinhas de frango com pimentos e
toucinho e morango saloio com açúcar mascavado. E depois não querem que o homem
fique com gases.
Oh Sebastião... pode ficar descansado. Longe de mim provocar algum distúrbio ao inspetor.
ResponderEliminarEntão está explicado, foi o quase sogro crioulo que matou a Isabella!
ResponderEliminarSoube-me bem ouvir esta versão da história(ainda desconhecida) a bebericar um (quase já esquecido) Vat69!
ResponderEliminarO Sebastião que fique descansado, que já não suspeito dele! :)))
ResponderEliminarOlha, passei o posfácio! Não faz mal, também nunca ninguém o lê... (por acaso este até li, mas não digas nada a ninguém!) :D
Beijocas!
Já não me admiro nada que o Inspector tenha tanta dificuldade em deitar cá para fora quem é o culpado da morte da bailarina. É que, para além de comer como um alarve - já que anda sempre ultrapassado - e isso lhe deixar o espírito embaciado...enquanto expele umas coisas…
ResponderEliminarora aí está, Sebastião! Afinal, vossemecê, até nem é tão tonto quanto parece.
Ah, peço desculpa pelo mau jeito mas, abençoados tabefes que a sua tia lhe pregou!! Há qualquer coisa em si que não me cheira bem...
au revoir!
hahahahahhahahaha, jamais, jamais.. amigo..
ResponderEliminarDeixo ficar o convite para conhecer amantedasleituras, grupo alojado no yahoo. Pode entrar nele e participar.
ResponderEliminarEntão, Constantino?
ResponderEliminarO que esperas para avançar com a saga?
Que os clientes se cansem e mudem de tasca?
Quando acabar o futebol, faz favor de botar outro episódio no ar!!
Não me digas que a crise já chegou à Quinta do Conde...
Beijinhos.
A coisa está a mudar de figura...e na última parte...pois claro "inspector ultrapassado a comer tudo isso é caso para dizer que encheria várias bilhas de gás.
ResponderEliminarVitor
ResponderEliminarquem vier aqui pela primeira vez fica com a ideia de isto é uma devassa... onde proliferam as putas, o crime, tudo misturado com petiscos e copos de 3. Poças! os protagonistas não têm descanso nem os coiratos a salvo...