quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

104. Ismael (28) - O dia em que o inspetor Ismael Sacadura Flores desvendou quem matou Isabella




Era hoje. Ia ser desvendado quem foi que matou Isabella. A reunião foi convocada num misto de passa-palavra, de convites e de intimações. Nem de outro modo poderia ser, dado o caráter heterogéneo dos intimados e convidados e, dadas as circunstâncias. O inspetor Ismael Sacadura Flores não era apenas o mais qualificado diretor de departamento da PJ, mas também o grande estratega da corporação. Apenas uma ligeira desavença, devido a coisa de somenos importância, que se um dia me aprouver vos contarei, mas que adianto, para que vejam como os homens se chateiam uns com os outros, chegam até a vias de facto ou guerreiam-se em conflitos locais e por vezes mundiais. Um desentendimento por causa de um arroz de lampreia entre o inspetor Sacadura e o senhor Ministro da Justiça, fez com que o primeiro nunca tenha chegado a diretor nessa mesma polícia criminal, embora todos saibamos que, na liça, quem tinha razão era mesmo o inspetor Ismael Sacadura Flores. Mas adiante, o que hoje interessa menos são as incidências de um arroz de lampreia mal sucedido e mais o crime, hediondo já se sabe e como ele deve ser tratado. Pois se restassem dúvidas aos meus leitores e leitoras relembro que estou a referir-me às sete facadas que prostraram no soalho daquele sexto andar do número quarenta e três, já sem vida, a linda, a elegante e até simpática, atrever-me-ia a escrever deveras simpática, corista italiana do teatro de revista.

O Dr. Castro Ribeiro recebeu um telegrama de Francisca, sua ex-esposa, um telegrama em que referia assuntos de comum interesse. O local do encontro seria na célebre taberna, superiormente gerida, como se diz hoje, pelo meu amigo e empreendedor, como também se diz hoje, Ismael Gúsman. Já o Rogério não precisou nem de ser intimado nem de ser convidado pois, para ele, não havia melhor convite do que o cheiro dos passarinhos fritos. A Isaurinha bate-sola, que não perdia uma para ficar frente a frente com a Fernandinha, a vontade dela era puxar-lhe os cabelos nem que fosse em pensamento, quando soube que Sebastião também lá ia estar, cancelou um compromisso com um construtor civil que estava a erigir, em dois lotes na Quinta do Conde, prédios de três andares com loja e sobreloja. Para o Espinheira bastou um telefonema do inspetor Sacadura, aliás o mesmo inspetor que fez o favor de chegar a Toronto no Canadá um bilhete de ida e volta e uma intimação da Interpol para que a misteriosa idosa de Trás-os-Montes não se pudesse recusar a estrar presente. O velhinho Ismail Baruch que andava a chá de limão e Saridon, para tratar de uma grande constipação que só o fazia sair de casa às cinco da tarde para, às escondidas do sobrinho ir beber uma ginjinha e espreitar as pernas da Fernandinha, lá estaria também. Difícil foi conseguir as presenças de Ekatrina Smirnova, a braços com um invulgar trabalho de pernas para a estreia do bailado da Companhia no próximo fim-de-semana e o Dr. Ismael ben-Avraham que alegou estar de serviço nas urgências dos Capuchos, embora não haja nenhum registo de que este médico alguma vez tenha feito serviço naquela unidade hospitalar (unidade hospitalar em vez de hospital, deste estilismo é vocês não estavam à espera, confessem). Se um piscar de olho do chefe de brigada Ismaelix foi o suficiente para trazer Ekatrina com ele, diziam na época que eram mais as vezes que Ekatrina dormia na cama de Ismaelix do que na sua cama, no mesmo apartamento onde a vítima veio a ser esfaqueada, já para convencer o judeu foi necessário que o outro chefe de brigada Ismael de Almeida, que já conhecemos dos seus dotes especiais para alimentar pombos a milho,  lhe acenasse com dois Montecristo nº 3 e mesmo assim ficasse ainda de arranjar uns Partagas Lusitaneas  que um contrabandista famoso, que costumava parar no Barba Roxa, um bar mal afamado do Largo de S. Paulo, lhe arranjava todos os meses, vindos diretamente de Cuba. Francisca essa, altiva e presunçosa tinha a certeza que a sua presença seria indispensável e fez-se representar sem convite, nem intimação. Sebastião, acabado de chegar de uma viagem que fez como ajudante de cozinheiro num paquete italiano, que levava europeus para trabalharem nas américas, ajudava a tia Francisca a subir e a descer dos autocarros e a entrar e a sair do vapor, pois, naquele tempo, a viagem da Quinta do Conde, num velho autocarro dos Belos e uma viagem no Sul Expresso, um cacilheiro que mais parecia um charuto, não era coisa pouca. E se já sabemos que Sebastião tinha um forte alibi, pois andava embarcado no dia em que mataram Isabella, pobrezinha, com sete facadas e que além disso andava embeiçado pela criatura, também acabou por fazer parte dos presentes. Mas este com intimação policial, o que, como acabei de escrever nas três ou quatro linhas acima da necessidade de acompanhar a tia Francisca, não teria sido preciso.

E se às sete horas da tarde já todos estavam a postos para escutar as alegações policias, passava já da meia-noite, entre iscas com elas, lombinhos na chapa, passarinhos fritos, saladas de orelha, pasteis de bacalhau, sandes de torresmos, carapaus de escabeche, ovos cozidos com e sem sal, sangacho de atum com feijão-frade, vinho tinto do Cartaxo, morangueiro de Ponte de Lima, laranjadas e pirolitos, para além da caixa em forma de pirâmide triangular dos palitos Confiança, os melhores para palitar dentes, que esteve sempre em cima da mesa, vários maços de tabaco consumidos, quando, num ambiente pesado, com uma nuvem de fumo a pairar-lhes sobre as melenas, o Inspetor Ismael Sacadura Flores concluiu e anunciou quem matou Isabella Vicentini. Alguns viraram as cabeças para um lado, outros para o outro. Os restantes baixaram a cabeça, exceto uma pessoa que olhou pra o teto, mas não nos pareceu, que alguém tivesse ficado admirado.

21 comentários:

  1. Eu estou um bocadinho perdida, mas venha de lá o assassino da Isabella!

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  2. Olha Constantino, eu já descobri quem foi o autor do crime.
    Aposto que foi aquele malvado mulherengo!!
    Só espero que agora não fiques a rodear o assunto durante uma catrefada de episódios, até à acusação final.

    Então a Francisca tornou-se altiva e presunçosa? Imagina!
    Parecia uma mosquinha morta...Tadita, até ia embarcar prá Venezuela com uma mão atrás e outra à frente. Só para ver como as pessoas mudam!

    Cá fico à espera de saber quem foi o tal que se pôs a assobiar e a olhar para o tecto.

    Beijocas.

    P.S. A Longória G. anda por perto?

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    1. Não vou engonhar nada, Janita. Agora já se sabe quem foi. Só falta que...
      Bom essas apostas têm de trazer montante junto se não não sei se vale a pena apostar.
      Quem é a Longória G????
      Beijocas

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  3. Ah, não acredito! Temos de adivinhar whodunit??? Então aqui vai o meu palpite... o Ismael! :)))

    Beijocas!

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    1. Olha que o teu palpite tem alguma probabilidade de estar certo, lá isso tem.

      Beijinhos

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  4. Estou com a Teté... só pode ser o Ismael... enfim...UM Ismael :))

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    1. Ou uma Francisca, ou um Sebastião, ou um Castro Ribeiro ou um Ishmail que é como quem diz um outro tipo de Ismael...
      Beijinho

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  5. Hehehehehe!... Gostei muito, só que, com tantos nomes pomposos, minha cabeça está a girar (ou será da taça de vinho que bebi agorinha mesmo no almoço?)

    Também meu filho, o caçula, que é médico, trabalha, não em uma, mas em muitas "Unidades Hospitalares", tanto aqui na Capital, como em uma no interior...rs

    Grande abraço pra você, amigo.

    Tenha um excelente final de semana.

    Cid@

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    1. Será que seu filho vai me ajudar a descobrir a origem das sete facadas?

      Boa semana pra vc.

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  6. Não faço ideia de quem ficou a olhar para o teto, fiquei foi presa nos petiscos que adornavam a mesa enquanto se esperavam as alegações finais, para quem ainda não jantou é para ficar a salivar..)))
    Beijos
    Manu

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    1. E eu acabei de chegar de viagem e também não jantei. Acho que vou comer primeiro e depois logo faço a autópsia à Isabella.

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  7. Eu estava totalmente inebriado como cheirinho dos petiscos....que tive que descer à terra para afinal não ouvir a proclamação!!
    Voltei-me de imediato para os petiscos... e até ao próximo post!

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  8. Eu cá, por uma questão se segurança, não alvitro nada sem falar primeiro com o meu advogado...

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    1. Olhe que eles são careiros, a não ser que descubram algum buraco na legislação não sei se se vai safar.

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  9. Para mim foi o Sebastião...porque podia ter fingido que tinha embarcado e jamais embarcou:):):)

    Isto promete:)

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  10. Péra, era um interrogatório, uma decisão de uma investigação bem feita, ou um jantar de gala, Vítor Fernandes?
    Isso está ficando emblemático:às sete da noite, as sete facadas na pobre da Isabella. Sei não, eu não quero nem pensar, não vou nem dizer em quem recai minha suspeita...

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