O jovem Espinheira passeava pelo Rossio, fazendo tempo para um
novo encontro com o inspetor. Aquele crime já levava uma semana e embora não
fosse o manuscrito de Francisca o único elemento da investigação, o inspetor
Ismael Sacadura Flores não perdia pitada do que o Espinheira ia conseguindo
descobrir. Entretanto, uma subequipa, de que o agente Ismael de Almeida era o
responsável, tinha assentado arraiais na Quinta do Conde, com grande pena e
contra a vontade deste, tão habituados estavam os pombos às portas do Teatro D.
Maria II, à sua assídua presença e ao tão apreciado milho com que sempre os
nutria. Uma outra subequipa, onde, surpresa das surpresas, o nosso amigo
Ismaelix com o seu bigode à Chalana, porém branco, pontificava, fez de seu
quartel-general o quinto andar sob penhora, do próprio prédio da Rua dos
Correeiros onde as sete facadas fatais foram proferidas, porém no sexto, o que
justificava ele ter sido visto a sair do prédio, como foi dito capítulos atrás,
lado a lado com Ekatrina Smirnova também ela dançarina, porém clássica.
E já que estamos em maré de poréns, o jovem Espinheira
desembarcou no Terreiro do Paço, porém no Cais das Colunas, que naquele tempo
serviam de cais ao vapor e que não tinham ainda sido retiradas por causa das
obras do Metropolitano, porém já repostas e seguido a pé até ao Rossio onde as
fontes e o seu constante jorrar de água, porém insalubre, sempre o fascinou.
Deixemo-nos agora de poréns e vamos diretos aos epílogos sem muitos todavias
porque há, contudo, ainda muito que contar e também muito para ser descoberto (neste
momento eu deveria começar a frase seguinte com um portanto mas não me apetece). Seria certo e sabido que a reunião
entre Espinheira e Sacadura se faria na taberna do meu amigo galego, Ismael
Gúsman de seu nome, como todas e todos, os que têm ainda paciência para me ler
e que não deram por mal empregados os quase vinte euros que pagaram por este
livro, ainda por cima de capa mole com badanas, à espera que o Círculo de
Leitores o publique com capa dura, numa edição com dez por cento de desconto
para os sócios, por ser novidade, bem o sabem. Não faltarão na assistência,
embora discretamente, os nossos figurantes e protagonistas para compor o ramalhete,
quer seja a Fernandinha que estreou um avental novo com girassóis e borboletas
e já aprendeu a fazer pipis estufados e, principalmente, salada de orelha de
porco com alho, cebola picada, coentro, pimenta moída, azeite e vinagre, a
vinte e cinco tostões o pratinho, quer seja o tipo de fato cinzento e chapéu,
que levanta sempre as maiores suspeitas desde o dia em que os esbirros da PIDE
apreenderam o livro de matemática ao Constantino, o narrador desta história e
autor deste intragável pseudolivro. E se pensavam que com toda esta conversa
iriam ficar hoje a saber porque é que o Dr. Castro Ribeiro era citado a páginas
dezassete, depois de ter sido visto a sair do Barba Roxa, um bar pouco afamado
do Largo de S. Paulo, cerca das seis da manhã, perdido de bêbado e a gritar Eu mato aquela puta, eu mato aquela puta,
para quem o quisesse ouvir, então tirem o cavalinho da chuva. É que o
Espinheira tinha acabado de decifrar a página oitenta e nove e o conto que
Francisca estava a escrever começava a interessar mais aos dois do que o
próprio crime. Até o Rogério, que tinha coçado a cabeça ao fim da primeira
leitura, agora estava com todos os sentidos em alerta. E foi assim que o jovem
Espinheira leu mais um pequeno trecho do conto da misteriosa Francisca (aqui o
autor meteu água, porque quem é misteriosa é a idosa senhora de Trás-os-Montes;
e mais água meteu porque o obrigou a colocar dois parêntesis num curto espaço
de texto o que, dizem alguns puristas da arte de bem escrever, não é de bom tom).
“Os autóctones tinham um ar fúfio. As
gaforinas não ajudavam à criação de uma imagem menos aviltrada. No entanto os
pescoços exibiam fulgentes colares de estranho metal. Ensaiaram uma ginga em
meu redor e tentaram comunicar. Não sei se por ter acordado no momento, os sons
que emitiam eram-me ininteligíveis. A última vez que tinha escutado algo
similar, foi de uns indígenas de Timor Oriental que tentaram ensinar-me o seu
galóli. Tive medo que se tratasse de antropófagos preparando a funçanata. Num
pequeno hiato de tempo, um deles de aspeto galhardo, apercebendo-se de que eu,
efetivamente, não estava atinando com o seu linguarejar, ensaiou uma ideografia
simples mas eficaz. Aí eu não tive coragem para ilidir. Aceitei de imediato.
Era um convite para repasto. Seria? “
Quem pareceu não ter ficado nada satisfeito com esta
concorrência, desleal, disse ele, foi
Ismael Gúsman. A sua casa de pasto era
já conceituada em toda a baixa lisboeta e se se quisesse um petisco, era ali.
Logo agora que Fernandinha sabia fazer salada de orelha. Para Ismael, esta
Francisca estava a sair melhor do que a encomenda. Ai estava, estava.
Ah, coitado do galego, agora até vem a outra falar na concorrência, para lhe roubar a clientela... :)))
ResponderEliminarOs livros de capa dura do Círculo dos Leitores são cada vez menos, numa empresa que agora segue outra política editorial. Infelizmente!
Mas continuamos a seguir o fio à meada... :D
Beijocas!
Bom dia Teté.
EliminarÉ importante que não se percam. Eu às vezes sinto-me perdido :)
Beijinhos, boa semana!
Enquanto lia o texto, que os inspectores folheavam, não me saía das narinas cheirinho bom dos pipis estufados, já que a orelheira fria não bota cheiro!!
ResponderEliminarManuel, tem o cheirinho dos coentros.
EliminarUm abraço e bom fim de semana.
meu amigo
ResponderEliminarsem grandes 'todavias' devo dizer que, mesmo sem ler os capítulos constantes nos posts anteriores, já fiquei a saber quem é o Isamael... também comecei a perceber a trama, com o jovem inspetor Espinheira e a misteriosa Francisca, para além dos outros personagens...
mas voltarei...porque, para mim, a procissão inda vai no adro.
abraço
olinda
Bom dia Olinda,
EliminarAinda aqui há muito mistério para desvendar e muita história para contar.
Beijinhos, boa semana!
Olá, Vitor!
ResponderEliminarEsta história do Ismael é uma saga, muito bem contada, em que quem mais se diverte parece ser o autor, enquanto tenta divertir-nos a nós.
Eu, como já dela estive desembarcado, confesso que estou um pouco perdido no rumo.Mas ainda assim divirto-te e acho-lhe graça, pelo fino humor que ela tem.
Um abraço amigo.
Vitor Chuva
Olá Vítor,
Eliminarpara ser sincero divirto-me à grande; espero conseguir transmitir essa diversão por quem aqui passa.
Um abraço e boa semana.
ai queredo! salada de orelha? o que se comia !!!
ResponderEliminarkis _=)
Boa dia AvoGi,
EliminarE ainda se come; Então uma saladinha de orelha de porco bem temperadinha, não cai bem com um tintol? Ai não que não cai!
Beijinhos, boa semana!
Tão complicado e com tantas personagens como a vida, este teu livro! Estou um pouco tonta (mas não estarei senpre, com a vida?)
ResponderEliminarContinuo a gostar da ironia e das piscadelas de olho ao leitor:-)))
Justine,
Eliminaraté ao final pode ser que ainda haja mais gente; afinal, como diz, é mesmo a vida ela própria.
Beijinhos, boa semana!
Porém, todavia e contudo, que não se amofine o Ismael Gúsman!
ResponderEliminarO repasto da Francisca não tem nada a ver com pipis nem orelha de porco.
Concorrência à tasca? Nãããã!!
Queres saber de uma coisa, Constantino? Eu já estou com o Espinheira e o inspector Sacadura Moita Flores, mais interessada no manuscrito da proscrita do que na descoberta do autor do horrendo crime.
Beijinhos e boa semana.
Bom dia Janita,
Eliminarsabes eu já li o conto toda da Francisca que o Espinheira está a tentar decifrar; vais ver que não te vais arrepender de esperar.
Beijinhos, boa semana!
Só não percebi (tenho destas coisas) o porquê (ou o motivo) de ser de mau tom utilizar (entre outras coisas) muitos parênteses nas frases.
ResponderEliminarNos misteriosos contos de Agatha Christie o crime sempre compensa... aqui parece-me que também .E Ismáel Gusman que se cuide !concorrencia desleal é o que mais se vê em casos assim.
ResponderEliminarJá a salada ... sei nao prefiro as de alface que nao me compromete rs
abraço Vitor
-Ora sai um um pratinho de orelha de porco e um tintinho se faz favor, enquanto eu fico aqui encantada a ler esta trama que aó invés de me fazer chorar , me deixa com um sorriso que demonstra bem o apreço por este escritor e cujo livro contarei comprar um dia na FNAC, com ou sem desconto:)))
ResponderEliminarBeijos
Manu
Desta vez entrei a jurar que não ia beber do tinto... Ah, mas a orelha... a orelha... Vai daí, ao fim da primeira leitura, cocei a cabeça sobre o olhar displicente de toda aquela gente e me amandei a ela... à orelha e mandei vir um penalti daquele tinto... fiquei que nem me sinto. Com a cabeça azuzinada fiz um esforço para reentrar na trama...
ResponderEliminarfiquei-me pelos pipis...agora orelha? dispenso.
ResponderEliminarGostei imenso e cada vez a coisa se vai tornando mais...complexa:)
Depois eu vou elencar todos os personagens, para eu nunca me perder, ou perder-me sabendo em meio a quem.
ResponderEliminarMas eu tomara que o Vítor Fernandes e o Ismael me perdoem a ausência, eu ando perdida no meu próprio tempo, cada vez mais exíguo. Tentando atualizar as leituras, e sempre atrasada, dada a produção dos meus blogues preferidos. Mas um dia eu atualizo. Venho sempre ler-te, mas nem sempre estou deixando comentários, eu não gosto de dizer qualquer coisa, as minhas asneiras são no mínimo, pensadas, hehe.
Desculpe a falta, Vítor Fernandes, por favor vai marcando aí na caderneta.
(Saudades do Rossio, da Praça do Comércio, de fazer a travessia na barca para o Barreiros, resfastelada numa poltrona, a olhar o tejo...)