terça-feira, 31 de maio de 2011

34. Brooklyn



Se havia algo que não o poderiam acusar era o de ser bota-de-elástico. Seria uma ofensa não muito grave, não sei mesmo se ele consideraria uma ofensa mas, como sói dizer-se, ia aos arames. Pode-se saber porquê e não me custa nada ser eu a dizê-lo, já que sou um dos seus melhores amigos e porque ele me confidencia certas coisas que sei, não o faz com outros. Daria aqui uma boa dezena de exemplos do seu vanguardismo, desde quando em casa punha os cabelos em pé dos pais e, diz-me ele a rir, os dos vizinhos também, a ouvir rock and roll em altos berros ao mesmo tempo que o pai sintonizava o Serão para Trabalhadores na velhinha Emissora Nacional, até à vez em que apareceu, em finais dos anos sessenta, para escândalo da família, lá em casa com uma namorada de mini-saia até às cuecas e lhe pespegou um ardoroso beijo na boca à frente de todos. A mãe obrigou-o a confessar-se no sábado ao senhor prior mas se ele o fez ou não, não mo contou.

No entanto o que hoje eu gostaria de vos contar era da sua relação com as tecnologias. Diz ele que a coisa principal que o impede de estar lá mais à frente é o dinheiro, mas eu sei que não é só isso mas que também não é por se ter degradado o seu interesse pela vanguarda. Ele é muito racional e, hoje em dia, as novas tecnologias, diz ele, devem estar ali à mão de semear para o servir e não para se servirem dele. É um ponto de vista respeitável o que fez com que ele tivesse investido numa das suas grandes paixões, a fotografia, apenas até à fronteira do profissionalismo, que utilize o “velho” notebook em vez do Ipad, que compre a playsation para os filhos e não tenha o menor interesse em utilizá-la, ou que use um telemóvel que não faz o jantar, não lava loiça e não passa a roupa a ferro, mas sim um simples aparelho para receber e fazer chamadas. E foi sempre a sua relação com o telemóvel é que não foi muito pacífica. Não manda SMS e raramente lê as que lhe enviam. De MMS acho que nunca ouviu falar, não sabe o que é 3G, nem como poderia usufruir de banda móvel nesse aparelhinho de bolso. Internet sim, é um grande utilizador, mas só em casa ou, se necessita em viagem, recorre a uma LAN house. No telemóvel é que não, por favor. O último, que o filho lhe ofereceu, tem até uma excelente máquina fotográfica incorporada e grava pequenos filmes em HD. Ele confessa que nem sabe onde estão os botões para tal função. E o toque, em vez da voz de Michael Jackson a cantar Thriller ou do Born This Way Out da Lady Gaga, tem o velho, estridente e convencional trim-trim.

Não me admirei nada de o ter visto atender o telemóvel em plena ponte de Brooklyn, quando passeamos em New York e, depois de desligar, me ter dito com o ar mais admirado deste mundo, como é que o meu cunhado sabia que eu estava aqui?

Texto e foto do autor. Todos os direitos reservados.

12 comentários:

  1. Se não se importa de ter mais uma amigo mais ou menos assim, conte comigo. Paara o que der e vier (só não sei se teria a coragem de comentar o que a si não admirou, mas lá pensar era capaz de raciocinar como seu amigo raciocinou...)

    Assino-me

    Quase "bota-de-elástico"

    Bota de

    ResponderEliminar
  2. Fantástico texto!

    Boa semana para si!

    ResponderEliminar
  3. Se ser bota-de-elástico é isso, também pertenço ao clube! Especialmente no que toca ao telemóvel, dos mais baratinhos do mercado - para desprezo de alguns mais virados para as modernices de tirarem fotos (saem sempre uma porcaria), cafés e sei lá que mais da maquineta - só para fazer/receber chamadas! :)

    De resto, também acho que os computadores (e os carros) devem ser usados para servir os homens, não para os escravizar! :D

    Beijocas!

    ResponderEliminar
  4. (acho que podemos fundar um clube, ou algo assim. eu adoro a teconologia, mas para me servir dela e não ser um seu subserviente, ser dela dependente. celular para mim serve para isso aí que disseste: fazer e receber chamadas; no máximo enviar e receber sms, esses eu acho revolucionários! até porque para tirar fotos, eu prefiro uma câmera fotográfica; para ouvir músicas ainda sou dos tempos de antigamente, ouço-a no toca cedê... e também sou amante da fotografia, embora uma lástima como fotógrafa! e fechas o texto primorosamente com a história do cunhado!)

    ResponderEliminar
  5. Hehehehehehehe

    Amei!!!

    Minha relação com a tecnologia também é mais ou menos por aí...rs

    Outro dia, minha sobrinha me contou que havia comprado um celular novo, mas que não sabia usar nem 80% das funções dele...
    Então comprou pra que???

    Te desejo uma linda quarta feira, amigo.

    Fique bem!

    Abraços,

    Cid@

    ResponderEliminar
  6. Muchas gracias por tu visita y por tu comenterio.
    Me quedo visitando tu blog con mas detenimiento.
    Un abrazo.

    ResponderEliminar
  7. Olá, Constantino!

    Belíssima e bem divertida caracterização desse personagem amigo, que acha que tecnologia, sim, "ma non troppo" ... Confesso, também sou um pouco assim ...

    Obrigado pela visita; um abraço.
    Vitor

    ResponderEliminar
  8. É verdade... como é que nos descobrem sempre??!!
    Ehehehehehe... mais um texto desconcertantemente giro.

    ResponderEliminar
  9. Caramba e apanham-nos sempre "fora de portas", mas eu quando fui mais longe...não havia telemóveis.
    O que tenho é da idade da pedra e serve muito bem, porque os meus é meia-meia, dois funcionam por sms e outros telefonam mesmo.
    Ai rapaz o que eu ri e a junção das tuas fotos (lembro-me bem) está fabulosa, numa liberdade e ginástica hem?

    Com as tecnologias das que falaste, a maioria desconheço por completo e nem estou interessada:)
    mas cá me vou desenrascando neste mundo de cabos, e estou agora com um problema, não é que, odiando eu o cor-de-rosa, o pc resolveu pôr como fundo um rosa clarinho? Já dei mil e uma volta e não muda...ARRRRREEEE. Os meus técnicos (genros) hão-de cá vir, porque como eles dizem...só vendo, mas ocupados como andam só para o ano:):):)

    Saio daqui com um sorriso bem grande!

    ResponderEliminar
  10. Fatyly o meu fica esbranquiçado com umas riscas cor de rosa claras e eu espero... espero... espero e depois volta ao normal. Quer dizer, normal excepto teclado que nunca sei onde estou a escrever porque o "cursor" anda sempre aos saltos. Acho que me está a mandar comprar outro mas eu ando a fazer ouvidos de mercador. Falta-me $empo para ir e$colher outro :).

    ResponderEliminar
  11. Olá

    Ehehehehehhe...Boa!!!

    Um texto soberbo...dispõe bem!

    Bjs.

    ResponderEliminar