quinta-feira, 19 de maio de 2011

29. Suspensórios


Carlos Eduardo de Linhares Oliveira Rodrigues foi um colega que tive quando trabalhei numa companhia de seguros. Vestia impecavelmente e apresentava-se como se fosse o galã numa fita portuguesa de Leitão de Barros nos anos 50 do século passado. À calça sempre bem vincada juntava camisa quase sempre às riscas (tinha-as de várias cores) de colarinho e punhos brancos e indispensáveis suspensórios. Se o fato por vezes não era completo, o blaser teria de fazer pandan com a calça e principalmente com o colete que raramente dispensava. Tinha uma coleção de coletes comprados em Londres que faria inveja a Sherlock Holmes nos seus bons tempos. No inverno vestia sempre sobretudo. Nunca o vimos de chapéu pois gostava de exibir a cabeça com brilhantina e alguns anos depois, quando a moda pegou, era o wet gel que lhe dava forma à melena. E se identifiquei o Linhares pelo nome completo foi porque era assim que ele gostava de se apresentar e era assim que ele se referia aos colegas e até à família. Quando a mulher, Maria Margarida da Consolação de Jesus Costa Rodrigues deu à luz o primeiro rebento e lhe perguntamos qual era o nome do filho ele orgulhosamente recitou, João Carlos de Jesus Costa de Linhares Rodrigues.

Foi quando um dia o vimos entrar um pouco triste, sem nada que o caracterizasse na indumentária, calças jeans iguais a tantos outros colegas, com um pólo de contrafação Lacoste igualzinho aos que lá fora, em plena praça Marquês de Pombal, se vendiam a quinhentos escudos e, principalmente, com o pelo seco no alto da moleira, que desconfiamos que algo de errado se passava. Carlos Eduardo de Linhares Oliveira Rodrigues tinha sido mordido numa nádega por um poderoso inseto e não podia correr o risco de que furúnculo rebentasse e sujasse os seus tão cuidados aprontes. Era isto que todos pensamos daquele ar abatido ou então seria do mal-estar que tal situação lhe causaria.

Quando o Rui Jorge Diocleciano Pombinho, seu habitual companheiro de almoço e visita de casa, nos veio contar que afinal o “terrível furúnculo” não era mais do que uma simples baba provocada por uma picada de mosquito e que todo o abatimento de Carlos Eduardo de Linhares Oliveira Rodrigues não tinha a ver com dor nem com ardor mas que apenas se devia ao facto de o nome do bichinho ser tão simples como culex pippens, soou uma estridente gargalhada em toda a sala. Aliás, uma gargalhada sem nome, para ser mais preciso.

Texto e foto (Londres, Big Ben) do autor. Todos os direitos reservados.

12 comentários:

  1. esse texto me fez lembrar uma frase de António Aleixo que dizia que, uma mosca sem valor pousa com a mesma alegria na careca de um doutor como em qualquer porcaria...

    Muito bom!!!

    Um beijo!

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  2. Sorri com o teu belo texto!
    Fez-me lembrar um tipo que dizia que era Dom por parte do pai e Dom por parte da Mãe e a que alguém retorquiu: "Ahhh... então é bidon!"

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  3. Olá Constantino!
    Ele sempre há gente com muita mania de grandeza!
    Então o Dom Linhares andava descoroçoado só porque o mosquito que lhe picou tinha como primeira sílaba um nome vulgar? Só pode! De resto esse tal culex qualquer coisa não era assim uma melga qualquer, digo eu...
    Olhe, o bom disto tudo é que as vossas sonoras gargalhadas não tinham Nome nem Dom. Provavelmente as dele, também não, se é que o homem costumava rir. Nisto de uma boa gargalhada tanto soam as de um estivador como as de um doutor.

    Mas - Ó Constantino... há uma coisa que me está a fazer um bocado de confusão. Porquê o título deste texto é suspensórios?
    Haverá alguma relação com o "culex pippens"?

    Um abraço

    Janita

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  4. Janita, mas diga-me cá. Então o Carlos Eduardo Linhares de Oliveira Rodrigues não usava suspensórios? Está tudo explicado!

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  5. Pois é, Constantino! Mas também tinha uma bela colecção de coletes...

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  6. Janita, tinha. Por acaso hesitei no título entre suspensórios e wet gel, mas realmente também ficava bem, coletes. :)

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  7. Se gargalhada pagasse imposto tinha acabado de entrar na falência e a narrativa está soberba assim como a foto...cujas árvores parecem "suspensórios".

    Mas há cromos desses e quanto mais manias e peneiras, basta um ou uma "culex pippens" para deitar tudo por terra.

    Gostei imenso e obrigado por este momento bem hilariante.

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  8. pois poderia ter colocado Suspensórios e Coletes, ficaria muito bom! um abraço para você e para Janita

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  9. Hehehehehe
    Conheci alguns assim!
    Só não usavam suspensórios!...rsrsrs

    Um abraço, e tenha uma bela semana.

    Cid@

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  10. Há gente muito manienta, mesmo! São os nomes, as linhagens, os costados aristocratas, por um lado, e, por outro, os que para compensar essa falta de sangue azul nas veias, é o carrão XPTO, o "palacete" onde residem, a casa de férias, as viagens de sonho, sem esquecer todas as aparelhagens topo de gama que possuem! Não tenho paciência nem para uns, nem para os outros! Vão-se gabar para outras bandas, que há coisas mais importantes na vida... :)

    Beijocas!

    ps - mas a cena do nome do bicharoco não estar à altura de tão ilustre rabiosque, está hilariante! :)))

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  11. Quanto mais alto, maior é a queda!
    : )

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