quinta-feira, 2 de junho de 2011

35. Yo no te entiendo



Maria de Santa Cruz Palhais y Castilla era filha de José Camacho Palhais e de D. Pilar del Sacramiento de Castilla y Azurara uma descendente de uruguaios, cujos avós se tinham fixado havia várias gerações nas ilhas Canárias. O Sr. José Palhais e sua filha Maria de Santa Cruz embarcaram para a ilha da Madeira, terra natal do senhor José, uma semana após a morte, por enfarte de miocárdio, de D. Pilar del Sacramiento de Castilla y Azurara.

Navegávamos, em provas de mar, apenas há algumas horas desde que saímos do porto de Bilbau. Os testes de segurança eram obrigatórios e as companhias de seguros eram irredutíveis. Dos dois motores que operavam os canhões de água do convés, do sistema contra incêndios, apenas um estava a funcionar o que era legal e contratualmente permitido. Quis o acaso que durante os ensaios este também avariasse pelo que não havia hipóteses de continuar viagem. Estávamos ao largo das ilhas Canárias o que, aliás, nos foi muito útil para fazer a trasfega do motor para terra. Este seguiria para a Alemanha para ser reparado e regressaria três dias depois. Quando da tomada de decisão eu estava a terminar o meu quarto de serviço. Sairia ao meio-dia e só voltaria a trabalhar às oito da noite. Daria tempo para ir a terra conhecer a cidade e passear. Em plena cidade de Las Palmas de Gran Canaria, conheci Maria de Santa Cruz Palhais y Castilla. Quando a vi pela primeira vez, ela estava no meio de um magote de gente. Maria era guia-intérprete e explicava, num castelhano que me pareceu escorreito embora com sotaque, tudo o que a rodeava. Sei que o fazia, não só porque a podia ouvir perfeitamente mas também porque o dedo dela, em riste, apontava em direcção dos objectos da sua explicação. Quando os turistas tomaram o autocarro, Maria de Santa Cruz ficou. Arrumou uns prospetos numa pasta fina de couro preto e começou a andar. Tinha terminado o seu serviço por hoje. Foi quando a abordei para lhe pedir ajuda. Queria desfrutar daquela meia dúzia de horas até voltar a bordo e precisava de informações. Foi assim que conheci Maria, e destas horas, nos três dias que estivemos fundeados, poderei falar noutra história.

Durante muito tempo trocamos correspondência, sempre breves palavras nas costas de postais ilustrados. Aos poucos, Maria de Santa Cruz passou do castelhano para um português arrevesado, misto de algumas palavras do vocabulário regional madeirense, do português corrente e do castelhano com “sotaque” canário. Era uma tal algaraviada que temi que se um dia nos falássemos de viva voz não iria entender uma única palavra do que ela dissesse. Quando num dos últimos postais que recebi, me informou que viria a Lisboa, nem hesitei em esperá-la no aeroporto.

Demos um abraço de quem não se via há 30 anos. Graças a algumas fotografias que trocávamos não me foi difícil reconhecer Maria de Santa Cruz Palhais y Castilla na porta de saída. Não era a mesma Maria, nem eu o mesmo Constantino que nos tínhamos visto nas Canárias, mas éramos as mesmas pessoas, acima de tudo amigas e divertidas. Disse-me para onde queria ir e, como estávamos no princípio da tarde, não me foi demorado chegar a Palmela. Desta vez o guia turístico seria eu, embora, quando no castelo, ela me tenha surpreendido com o facto de conhecer os nomes dos locais que a magnífica localização do Castelo, na Serra da Arrábida, nos propiciava, conhecimento este fruto de uma cuidada formação profissional. Ofereci-lhe uma caixa de doces de laranja, típicos da região e convidei-a para uma bebida. Ela sugeriu que jantássemos, pois agora deveria ir ao hotel, tomar banho e descansar um pouco. Quando lhe perguntei onde iria ficar ela apresentou-me o voucher com a morada. Retornei a Lisboa e deixei-a na rua Duque de Palmela.

Foto e texto do autor. Todos os direitos reservados.

7 comentários:

  1. É sempre bom encontrar um(a) guia turistico, e nas poucas que já fui com o grupo desportivo do meu trabalho, era engraçado como simples desconhecidos mas perdidos, se chegavam ao grupo para ouvirem as explicações. Podiam não entender muito bem o português, mas com papeís na mão e Sei que o fazia, não só porque mas iam pela o que é universal: a linguagem gestual:)

    Rever pessoas que nos marcaram pela positiva é gratificante.

    Gostei!

    ResponderEliminar
  2. Portanto o hotel era na Duque de Palmela e levaste-a a Palmela. Ainda bem que o hotel não era na Praça de Espanha, ou na Avenida do Uruguai...

    ResponderEliminar
  3. Imagina que ela tinha desembarcado no Porto??!!

    ResponderEliminar
  4. Bonito relato de um reencontro entre duas pessoas que não se viam há muitos anos, mas que continuavam amigas e... divertidas.
    Por aquilo que o título sugere a diversão deve ter acontecido ao jantar, quando a algaraviada da Maria levou o dedicado amigo a dizer-lhe, com grande desapontamento:
    YO NO TE ENTIENDO!

    ResponderEliminar
  5. Problemas comunicacionais é no que dá, mas vale que não se perdeu tudo, que ainda deram um belo passeio pelo castelo de Palmela! :)))

    Beijocas e bom fim de semana!

    ResponderEliminar
  6. Fiquei a espera do momento crucial do "Yo no te entiendo" rs
    sabe Constantino que falamos o mesmo idioma mas os sotaques!! os portugueses tem uma sonoridade diferente e fala rápido.
    Li em algum lugar que numa reuniao aqui no Brasil pediram ao escritor Saramago para falar mais devagar. Foi mais ou menos assim a resposta dele:
    "Desculpe, o sotaque é seu, a lingua é minha, pelo menos deixe-me isso!" kkkk
    penso que não deve ter sido por mal , também acho que de se encontrar contigo de viva voz posso nao entender tudo de primeira .
    E gosto dessa sonoridade , nós brasileiros fizemos uma miscelania e criamos um portugues cheio de gírias ( adoro os termos portugueses,principalmente nos poemas).
    um abraço
    bom voto, bom domingo

    ResponderEliminar
  7. Vá lá, vá lá, ainda teve sorte, meu amigo. Imagine que o hotel era na Duqe de Bragança!
    Abraço
    Continuo limitado aos comentários anónimos
    Sou o CBO do Rochedo

    ResponderEliminar