Hoje vou contar uma história em que o Constantino foi protagonista. É raro falar de mim mas estive a perguntar a vários amigos meus e nenhum quis assumir o papel de totó. Portanto não tive outro remédio.
Quando eu era garotinho, tinha sete anos de idade, fui ao casamento do meu primo Vítor em plena Serra da Peneda. O Vítor conheceu a Fátima na Costa da Caparica, pediu-lhe para lhe guardar a carteira e os óculos, ela aceitou e ele foi tomar banho. Depois, aquilo deu casamento e até divórcio. Foi uma banhada. Encontramo-nos em Braga, depois da D. Eduarda, a minha professora primária, me ter dado autorização para perder dois dias de aulas. Um dia, contarei uma história de tabuadas. Em Braga, a Fátima estava no cabeleireiro. A Fátima era muito bonita e ainda ficou mais bonita com o cabelo arranjado para o casamento. Foi uma seca para um miúdo de sete anos esperar num cabeleireiro durante três horas pela Fátima e, como não tive um amigo que me substituísse a esperar por ela, enquanto eu fosse narrando a história, parece que ninguém quer mesmo ser totó, não tive outro remédio. Pois lá fomos, a seguir, de autocarro até quase ao destino. Quase? Fátima ainda falta muito? Não. É já ali, dizia-me ela de mão dada enquanto caminhávamos por carreiros, veredas ou sobre pedregulhos. O que valeu foi que o casamento foi muito bom, todos sentados e a comermos de faca e garfo. Mais uns passos, pequeninos, que as pernas eram curtas e Fátima, ainda falta muito? Não. É já ali. Até os mais velhotes, naqueles confins da província comiam de faca e garfo. E eu, com as minhas perninhas a tremerem e sem poder chegar às cerejas nas ramagens altas das cerejeiras que orlavam as azinhagas e os caminhos das cabras, Fátima, ainda falta muito? Não. É já ali.
Lembrei-me de tudo isto quando vos ia contar a história de hoje. Tive, por motivos profissionais, que viajar algumas vezes à Califórnia. Normalmente não escolheria um amigo para me substituir na viagem porque adoro passear. Mas quando quis ter um para fazer o papel do totó, não encontrei ninguém (eu já tinha escrito isto hoje?).Deveria, então, de desembarcar no aeroporto de Oakland e dirigir-me a Walnut Creek. Se nesse tempo houvesse Google maps ou até o Google Earth eu teria dado um olhinho primeiro e não me preocuparia. Mas quando aquele meu amigo americano, que não sabe comer de faca e garfo mas que era uma excelente pessoa e super prestável, me deu um papelhinho a dizer red light turn right through I5 (seria esta?) e sais na direcção de Walnut Creek, eu pensei, juro que pensei, é já ali! Aluguei um carro na Hertz, saí do parque e, por azar do totó, o semáforo estava verde. Não deveria estar vermelho? Segui em frente e perdi-me. Pronto. Totó! Ninguém quer continuar na história, não? Está bem, se não há remédio eu vou continuar a protagonizar o resto. Lá dei umas quantas voltas, passei por barracões plenos de vidros partidos, lembrei-me de filmes de gangsters e malfeitores, fiz grandes filmes na minha cabeça, regressei ao parque da Hertz, tomei a mesma rua, nem quis saber se a light estava red ou green, virei á direita e ufa, lá apanhei a autoestrada. Mas o meu amigo não me podia ter dito que na Califórnia também havia hora de ponta? E eu, que para fazer 26 miles, demorei uma hora e meia, era já ali? Era? Mas à noite vinguei-me. Jantei no restaurante do hotel, não comi hambúrguer e usei a faca e o garfo.
Texto e foto do autor. Todos os direitos reservados.
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Ai, amigo!...Só você mesmo!...rssss
ResponderEliminarMe embrenhei nessa história, e fui só te seguindo... te confesso que foi bem divertido, pois você sabe como prender a gente!
Fizes-te bem em não comer hambúrguer!
Afinal, comida de verdade se come é com garfo e faca!...:)
Agora, te deixo um até breve, e volto para casa, que é "já ali".
Paz e Bem!
Cid@
É só para não se sentir totó e só, vim visitar seu blogue.
ResponderEliminarGostei muito do que li. Na América, normalmente, pode-se sempre virar à direita, mesmo que esteja vermelho.
E depois de tudo isto fiquei com uma vontade imensa de comer cerejas, porque começou o tempo delas e a imagem me despertou.
Eu ontem pedi a uma colega para me guardar o guarda-chuva, achas que terei de casar com ela?
ResponderEliminarEmbrenhei-me na história que soube-me a pouco e a indicação de um trajecto ou local num "é já ali" fiz um retorno às minhas origens...porque a cidade mais próxima era a 240kms e para nós era mesmo já ali:) Resultado? Totós com fartura.
ResponderEliminarA ligação que fazes da "seca" de miúdo à fase adulta está soberba.
Constantino...esta irá dar seguimento à das focas...porque as minhas netas já me pediram outra história do "Constantino" e esta vai colmatar o hábito natural delas e de todas as crianças num trajecto: Ainda falta muito?
Beijocas e obrigado por este momento de leitura onde a gargalhada foi o escape mais saboroso.
Rafeiro, se ela não ladrar, porque para rafeiro já basta um e tiver um cabelo bonito podes. Não te estou é a ver a comer de faca e garfo. Grande abraço. Já agora, quando é que voltas a editar?
ResponderEliminarA bigamia ainda é crime, pelo que convém pedir o guarda-chuva de volta. Quanto a editar, se eu deixar de ser molenga e a editora for na conversa, ainda este ano.
ResponderEliminarParece-me que ainda aqui não tinha vindo ler-te! Foi um prazer. Acho uma delícia o 'Constantino, guardador de vacas'!!
ResponderEliminarBeijos
eu também já fui totó ( aqui dizemos "pagar mico") na California, onde mora meu filho. Sozinha, e quase sem falar inglês, perdi-me numa trilha a pé. Por sorte achei um monte de garis ( varredores de rua), todos hispanos, que ao lhes perguntar se falavam espanhol, responderam às gargalhadas: " é o que fazemos de melhor!!". E eu, graças aos céus, pude me entender com eles e descobrir o caminho de casa ;)
ResponderEliminarSó não entendi essa de garfo e faca.
Olá!
ResponderEliminarGostei muito de conhecer o "Constantino, guardador de vacas". Já conhecia o outro, o "Constantino, guardador de rebanhos e de sonhos" do nosso Alves Redol...
E pronto, gostei de te "ler", divertiste-me, fizeste-me sorrir...
E vou voltar...
Constantino, obrigada pela visita e pelo comentário em meu blogue. Gostei do seu. Virei aqui mais vezes. E retorne ao meu sempre que quiser, afinal, "é já ali". Abraço.
ResponderEliminarÉ assim mesmo... um jantarzinho melhorado sabe que nem ginjas!!!
ResponderEliminar(Aquelas do caminho para o casamento... lembras-te?! Aquele que era já ali...!).
Quem nunca foi totó na vida? Todos temos as nossas totózices, importante é que não seja a regra, mas a excepção... :)
ResponderEliminarBeijocas!
Muito interessante, ainda por cima, as distâncias americanas são imensas...
ResponderEliminarApareça lá pela bonecada e grato pela visita.
mas essa fotografia das cereja deu-me um desejo!
ResponderEliminarkis .=)
Olá, Constantino!
ResponderEliminarPois, esta faz lembrar África, em que tudo ficava "já ali", só que não se sabia exactamente onde...
E quanto à California, onde também já estive,tive mais sorte do que a sua, e um dia trarei aqui a história.
Gosto da sua escrita bem disposta, que dá prazer ler. Rirmo-nos de nós próprios é saudável; também gosto de o fazer.
Um abraço.
Vitor
Boa vingança.
ResponderEliminarEstou rindo alto :) Constantino, o seu totó tem um ritmo incrível, um senso de humor e um texto deliciosos!
ResponderEliminarBeijoss
Cheguei agorinha mesmo e eu a pensar que era já ali:))) Mas valeu a pena a caminhada, apesar de não poder comer cerejas que adoro.
ResponderEliminarPrendeu-me a sua história e a ironia saudável como está escrita.
Vou continuar por aqui, entretanto vou comer de faca e garfo:)))
Manu
Uff!!!
ResponderEliminarO que eu passei prá cá chegar, pensando que era já ali.Estava com medo que estivesse só, mas pelos vistos ainda não mudou de postal, já que está tão bem acompanhado.:)