Foi por causa daquela tabuleta que dizia que ali paravam caçadores, pescadores e outros mentirosos que ele deixou de ir comer a sua bifana e beber a sua imperial àquela tasca da Baixa. Ora essa, ele caçador não era, mas a pesca era a sua paixão. E sem tirar nem pôr, as histórias que ele contava de pesca eram todas verdadeiras. Mentiroso, ele? Era o que mais faltava, era ter de aturar desaforos e ainda pagar por isso. Pagar sim, porque nem a bifana, nem a imperial eram de borla. Mentiroso, ele? Era o que faltava.
Lembrou-se exatamente da tasca e da pesca um dia destes em que passeava na mesma rua onde dantes comia aquela bifana bem ensopada na carcaça, frita em molho de margarina, mostarda e cerveja e que ele, depois, já com a febra no pão, ainda inundava de condimento de mostarda saída do frasco de plástico bojudo e amarelo. Lembrou-se do dia em que embarcou com o cunhado e o Zeca alentejano, no barquinho deste último mas, inadvertidamente, não tomaram, nem ele nem o cunhado, o habitual comprimido para o enjoo. Quando o dia nasceu, os iscos e o material preparado, a temperatura amena, a brisa matinal a beijar a pele e, mal tinha acabado de iscar o primeiro anzol, já estava a vomitar o pequeno almoço, borda fora. Depois foi arrear a cana, encostar a cabeça em algo fixo, esticar as pernas e fechar os olhos. Só lhe passou o almareado já as três da tarde ameaçavam aproximar-se dos relógios. O Zeca alentejano seguia à risca o ditado de que quem vai ao mar avia-se em terra, continuou a sua pescaria, para ele não havia ali dois tipos mais enjoados do que uma pescada do alto e, quando voltaram a terra, dividiram o custo do combustível e dos iscos por três, pois claro, se não pescaram foi porque não quiseram. Ora essa!
Como as palavras são como as cerejas soi a dizer-vos que não era nada disto que eu vos queria contar. Embora ele me tenha contado histórias de pesca, todas verdadeiras, a que vos trago hoje é a da vez em que ele foi à pesca de safios para a muralha da velha e já extinta fábrica de tijolo. Com aquelas águas, claras e pequenas, só se começava a ter êxito quando o Sol descia no horizonte para ir descansar de mais um dia cumprido. Naquelas condições só pescavam pequenos chamilros, dos que muitos fazem um quilo ou, como ele costumava dizer, fritinhos e com arroz de tomate davam para uma casa de família. Pois naquele dia a cana deu um forte sinal, ele correu a pegar-lhe, sentiu novo esticão, o peixe estava filado e quando começou a puxar apercebeu-se, de repente, que o peixe se tinha safado. Não! Calma. Ainda não. O peixe estava lá e cada vez mais pesado. Não poderia ser, com certeza, um chamilro. Aquilo era um safio a sério. Aquilo era um congro. O pior era se a cana partisse. Mas o pai, ao lado dele, dava-lhe todo o apoio do mundo e até o ajudaria a puxar a linha se a cana não aguentasse. Depois de toda aquela bravia e abnegada luta ele conseguiu, finalmente, pescar um tijolo. E isto é verdade porque esta ele não me contou, a esta eu assisti com os meus próprios olhos. Ele, bom ele, nunca mais voltou àquela tasca para comer bifanas.
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MIRIAN MARTIN
ResponderEliminarMinha mãe conta que sempre gostou de pescar, assim como meu pai. E um dia foi parar numa casa, num feriado qualquer, e a casa era na beira do rio. Era colocar a vara, nem precisava de isca, e o peixe já era pego e jogado para dentro da cozinha para já ser limpo e frito. E mãe não mente...
Constantino, com estes dias ausente dos meus hábitos blogueiros e com o tempo sempre pouco para curtir filhos e netos, já sentia saudades das tuas histórias.
ResponderEliminarEsta deixou-me um bocado mais almareada do que aquilo que já estava. É que hoje esqueci-me de tomar o meu meio comprimido para a tensão arterial e ainda por cima deixei-os lá ficar.
Não é que eu seja muito entendida em pescados nem em pescarias muito menos na caça à rola ou à perdiz, mas que há um proverbial exagero nas quantidades e tamanhos relatados pelos adeptos dessas modalidades lá isso há e ainda escapa.
Agora, ir à pesca e em vez de pescar um chicharro de cinquenta kilos pescar um tijolo, isso não há dono de tasca que aguente, né?
Conheces aquele ditado "tão mentiroso é o que vai à horta, como o que fica à porta"? E o que são chamilros? Nunca ouvi tal nome.
Parabéns por mais uma história bem contada e divertida.
Um abraço
Janita
Que estória!
ResponderEliminarJá sou seguidora para me certificar que não perco um conto! : )
Catarina
Contempladora Ocidental
(Esqueci-me de usar o Firefox e assim terei que me identificar - vou ja fazer a mudanca!)
Bem contada essa história de pescador. Não sou muito adepta de pescarias, mas um dia ... estava à beira do rio Taquaraçu desde as 9 da manhã sem que sentisse uma beliscadinha na ísca. De repente, lá pelas quase 16 horas estava sentada sobre uma pedra, com o pensamento nas nuvens, quando senti um a vara balançando e um barulho feito um pato rouco. Começei a gritar de susto e meu irmão correndo pegou a vara e puxou ... O que era? Um mandim-roncador amarelo, dos grandes, tão grande que gastou dois homens para retirá-lo da água. E ele só não escapou pelo fato de eu estar sentada sobre uma pedra à beira rio, pois ao se debater não encontrou sustentação dentro d'água. Acredite! Também fora esse só consegui fisgar piabas ...
ResponderEliminarOi Constantino
ResponderEliminarSempre que venho ler-te acompanha--me uma janelinha pra consultas ao google,hoje me policio porque o nível de acesso me faz ficar por aqui mesmo rs
Claro que deu pra entender tudinho até porque como todo bom pescador bom caçador e bom mentiroso o conto é sempre de fácil entendimento apesar de passar por cima de palavras como cana,sáfios,congro,tasca,borla,bifana ... rsrs pra bom entendedor é mamão com laranja rsrs
Estou ficando especialista, enriquecendo meu vocabulário e adorando.
Suas palavras são como cerejas, sempre .
Das madurinhas e gostosas rs
um abraço Constantino
obrigada
Hehehe...como sempre, uma história muito bem contada, e que eu gostei demais! :)
ResponderEliminarJá pesquei muito nessa vida (pesca de rio, mar, ou lagoa), pois meu marido gosta muito, e eu gosto de acompanhá-lo :)
Hoje em dia, estamos mais afastados, pois até no Pantanal do Mato Grosso, onde pescávamos à fartura (e olhe que não é mentira de pescadora), da última vez que lá fomos, quase não vimos mais peixes...:(
Mas uma vez, no rio São Francisco, aqui mesmo em Minas Gerais, achei que tinha pego um peixão, e o que veio na linha foi uma tartaruga... Tadinha da bichinha! Ainda bem que conseguimos, com bastante jeito, tirar o anzol da boquinha dela, e devolvemos depressa para o rio.
Pescador não mente, Constantino, ele floreia um pouquinho as histórias. Como aquele que dizia que só a foto do peixe que ele havia pescado, já pesava cinco quilos...rsss
Tudo de bom pra você.
Abraço,
Cid@
Lis vamos ver se eu consigo dar alguns sinónimos :)
ResponderEliminarcana de pesca - vara de pesca
tasca - boteco
de borla - grátis
bifana - uma sandes feita com febra (fêvera) de porco frita ou grelhada.
safio (congro na idade adulta) é um peixe que creio não existir na costa do Brasil pois o seu habitat é na costa oriental atlântica e é muito típico em Portugal pois a sua desova se faz em grande extensão da nossa costa.
Sempre que eu puder ajudar eu ajudo. Eu amo que venham aqui ler. Beijos.
Cida, é verdade, às vezes gostamos de florear. Eu nem conto minhas histórias de pesca nem minhas idas no bingo. Afinal a gente sempre fica uma baita de tempo esperando o número e o bingo é na pedra do lado.
ResponderEliminarAbraço.
PS. Amo suas visitas e comentários.
Janita, um dia o meu avô estava a pesca e pescou um candeeiro aceso e tudo. O tipo a quem ele contou a história tinha acabado de dizer que tinha pescado um safio com 4 metros de comprido. Ele virou-se para o meu avô e disse-lhe:
ResponderEliminar- Sr. Augusto isso pode lá ser, o senhor ter pescado um candeeiro aceso.
O meu avô respondeu-lhe:
- Tu cortas 3 metros ao teu peixe e eu apago o candeeiro. Pode ser?
Beijo.
Anabela Jardim, já foi à net ver o que era o mandi roncador pois era uma espécie que eu desconhecia. Todos os dias eu aprendo com meus comentadores. Muito obrigado pela visita. Um beijo.
ResponderEliminarMirian e sua mãe não indicava ao peixe o caminho da cozinha para ele já ir direto?
ResponderEliminarBeijo.
(os meninos estão bons?)
HOLA CONSTANTINO!!!
ResponderEliminarUNA HERMOSA HISTORIA, PRESENTADA CON ESTILO Y SABIDURÍA PARA HACERNOS VER PAISAJES Y AMBIENTES.
TE DEJO UN BESO ENORME!!
PAT
Constantino...
ResponderEliminarSeus contos são incríveis! Obrigada por compartilhá-los conosco.
Admiro demais a lingua portuguesa. Sua sonoridade, pronuncia e expressões... Obrigada por "traduzir" as palavras de seu conto. Assim, eu também enriqueço meu vocábulário.
Bjs e uma ótima semana,
Tânia Camargo
PS.: O "congrio" ou congro é um peixe conhecido aqui no Brasil, sim. Embora não seja natural de nossa costa. ele é muito comercializado por aqui, assim como o salmão, a truta, o bacalhau também os são.
Pescar tijolos não é para qualquer um. Se fosse comigo, deixaria lá ficar a chumbada e o anzol.
ResponderEliminarNota: Já pratiquei pesca à cana. Ia muitas vezes para os lados do Guincho.
Tijolos e candeeiros (mesmo apagados), nunca pesquei, mas os sapatos velhos e os preservativos fizeram esmorecer o meu talento nato para as pescarias. ah ah ah
ResponderEliminarEpá, e como é que o tijolo mordeu o isco? :)))
ResponderEliminarPescar não é tão fácil como parece à primeira vista. O meu pai fazia pesca submarina (sem botijas), conseguia pescar dois ou três peixinhos minúsculos, que nem dava para a casa de família, quando muito (e aí já dava) um polvo. À linha, chateou-se após algumas "aventuras" em que nem um minúsculo peixinho conseguia pescar.
Mas claro que essa de ir à pesca e voltar para casa carregado, é sinal de que se passou pela peixaria, praça ou lota... :D
Beijocas!
Bem... tive que dar uma gargalhada enorme no fim!
ResponderEliminareu sempre ouvi falar que as paredes têm ouvidos, e agora fico sabendo que os tijolos têm boca pra serem fisgados! Que coisa!! Vivendo e aprendendo, né não?!
ResponderEliminarabração
Então por onde é que o menino anda? Já foi de férias e não avisou?
ResponderEliminarDesejo que esteja tudo bem consigo e família, especialmente com o netinho.
Olá, Constantino!
ResponderEliminarPescar o peixe já frito, ou uma bota da tropa, são coisas que podem acontecer. Agora esta dum tijolo, confesso que não conhecia - mas antes assim que de mãos vazias...
Abraço amigo.
Vitor
Olá Janita,
ResponderEliminarEstá tudo bem, obrigadinho.
Ainda não fui de férias mas tenho andado tão ocupado que nem tenho escrito :)
Beijinho.
Embora goste muito de peixe, mas detesto pescar, só tu me fazias rir...ganda galo, desculpa tijolo:):)
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