Sentados à mesa, uma sóbria toalha aos quadrados azuis e brancos, o ti Zé Baptista, também conhecido por Ti Zé da Mulata, já que a sua mãe, talvez descendente de alguns escravos trazidos outros tempos das colónias, tinha todas as características de africana (e a sua avó também, não se sabendo de quantas gerações vem o apelido da mulata) e eu, um canjerão de tinto, dois nacos de pão, um pedaço de toucinho gordo, acabado de tirar da salgadeira, come deste que este não faz mal ao colesterol e eu a pensar, pois não, mas faz-me mal a mim, e dois queijinhos de ovelha, frescos acabados de fazer pelo mais puro método artesanal, ficamos ali na conversa. Não sei se das suas, muito ancestrais, raízes africanas, quem quer ouvir o Ti Zé da Mulata a falar é ouvi-lo a falar da Natureza. Sempre com temor, lembra-se bem das enxurradas de 1994 que, sem o avisarem previamente, lhe arrastaram a casa durante a noite, o curral também e lhe mataram mais de 60 ovelhas. Graças a Deus que a ele as águas não o levaram, pois a essa hora andava a juntar as vacas lá no cabeço. Oh Mimosa, oh Violeta, aiiiiiiiiiiitcha! Rais parta as bichas que nem com este temporal se querem mexer. Oh Malhada! O pior foi quando chegou à aldeia… mas isso foram outros tempos, águas passadas. A Natureza! Sempre a temeu, sempre a amou. Tirou do bolso, para me mostrar, uma kodak, como ele lhe chama, diz que adora fotografar flores. O pior é que a revelação, sabes, custa muito papel e eu não ganho pra isso. Levantou-se e foi lá dentro buscar um velho recorte de jornal. Até já ganhei um prémio. Lá estava, José do Carmo Baptista, Menção Honrosa na 1ª Mostra Fotográfica da Consolação. Parabéns Ti Zé. Tão sinceros que o deixei emocionado. E ainda tu não sabes tudo. A minha paixão é os pássaros. Mas não a fotografia, não, que lá para esses tarrassos (queria dizer as máquinas) caras e complicados, ele não estava para aí virado. Era a observação, as cores, os chilreios, os ninhos, os acasalamentos, as crias, a alimentação, o voo. Estive mais de 20 minutos a ouvi-lo, em descrições tão perfeitas que me levaram a acordar ao cantar dos rabilongos e dos pintassilgos, a pintar o brilho anil do melros azuis, a arrepiar-me com a natural rudeza dos grifos, a ajudar a construir os ninhos às cegonhas, a olhar para os céus para descortinar as migrações do rouxinol-do-mato. E a cheirar. Havia um cheiro ali me perturbava. A Chica Domingas, que há vários anos trabalhava para ele e que, dizem algumas línguas, se deitava na mesma cama, acabava de chegar com uma frigideira de passarinhos fritos, ainda fumegante e mais um canjerão de vinho.
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Foto belissima. Texto propicio à reflexão. Gostei!
ResponderEliminarum beijinho
da
Assiria
Seu texto lembra algo de Bertold Brecht...
ResponderEliminarinteressantissimo.
Vou reler e volto.
Bjins entre sonhos e delírios
Ui... Depois de ver umas fotos de passarinhos e sua mãe alimentando-os, imaginá-los fritos é até maldade! Só você, mesmo! :))
ResponderEliminarbjs
Constantino
ResponderEliminardeixo a minha poesia... simplesmente...
SER PALHAÇO
Ser palhaço...
É ser gente...
E é saber...
Rir...
Quando apetece...
Chorar...
Ser palhaço...
Muitas vezes...
É vida...
Muito dorida...
Mas...
O palhaço...
Pinta a cara...
Faz palhaçadas...
Faz rir...
E ao ver...
A alegria...
Dos outros...
Também ele...
Se sente feliz...
E acaba por...
Deixar de chorar!...
LILI LARANJO
no primeiro momento, achei que o conto terminava num anticlimax. incomoda-nos qdo ficamos de frente pras nossas incoerencias.
ResponderEliminarao final, o conto só mostra a realidade.
andei lendo textos anteriores. sua narrativa flui e envolve!
beijo
Passarinhos e vinho: bela pedida.
ResponderEliminarO céu, hoje em Düsseldorf, está muito parecido com o da fotografia daqui.
ResponderEliminarOs pássaros quando morrem
ResponderEliminarcaiem no chão
por vezes cantam nas frigideiras
Que pena as pessoas comerem tudo
quanto se mexe
e mesmo que se não mexa
Boa prosa
As contradições humanas davam para encher uma biblioteca... :)
ResponderEliminarMas afinal de contas o homem tem de comer alguma coisa, não se contenta apenas com fruta e folhas de alface! Embora alguns fundamentalistas até advoguem essa causa...
Beijocas!
Céus! Que talento para contos! À medida que ia lendo a cena chegava a minha mente. Amei!
ResponderEliminarAbraços!
Em conversas como essa passo longos momentos completamente absorto!
ResponderEliminarE volyo sorridente para casa... pois ganhei o dia!
Muito bom !
ResponderEliminarSurpreendente o desenrolar do conto.
Como todo o ser humano ao nosso redor vemos e vivemos a contradição...
Amor à Natureza e paíxão pelos pássaros!!!
Um abraço!
heheh
ResponderEliminarBjinhos
Paula
gostei do texto pois encontrei vocabulário, que se vai esquecendo, ou pelo menos não se usa (escreve) muito.
ResponderEliminarfez-me um pouc de impressao os passaros na frigideira, mas isso já não tem nada a ver com a escrita.
deixo um beij de maresia