quarta-feira, 6 de abril de 2011

1. Alfa




Tudo me inquieta. Vivo no centro de um turbilhão de incertezas. Atrasos que não consigo ultrapassar para além da minha almofada. As passadeiras estão fora dos locais das travessias de peões. Transporto-me para além das fronteiras da tempestade. Com o vento e com a maré quero rumar mas não sei para onde e não quero que o vento me leve. Tão pouco quero que seja a maré a fazê-lo. De cá para lá e de lá para cá não consigo acordar mais à frente. Estou em atraso. Porque será que a barra de chocolate não quebra pelas divisórias? Os meus gatos assistem a esta inquietação em silêncio. Nem um miado para me trazer (de volta?) à Terra. Levito e lá de cima não gosto do golo falhado em frente às redes. Inquieto-me de novo. Falta-me (falta-me?) qualquer coisa para que eu possa atingir o fim. O que é não sei, talvez não o saiba ainda, mas ouso lutar para o saber. Minto, menti. Acabei de mentir, peço-vos que não acreditem. Não, não luto, apenas sonho que luto e não mexo nem um dedo para mudar nada. Ainda se eu chegasse àquele relógio de parede para fazer parar o tempo e perceber o atraso... Mas está tão alto. Levito de novo mas a parede afasta-se. Faço uma pequena resenha do que me possa ter acontecido. Nem álcool, nem drogas, nada material que me pudesse conduzir a este estado. É de desconfiança, afinal, não é de inquietação. Nada me inquieta, tudo está no seu lugar. Sinto que estou a mentir de novo, mas agora não descubro a mentira. Não sei se é no fim das contas uma tremenda confusão. Eureka, diria, apenas estou confuso, nada mais. Ficarei mais descansado se os deuses, o que está para além do firmamento e que acho que sei quem é e os outros que não conheço mas que sei quem são, forem capazes de fazer parar a parede e me tragam o relógio de volta. Não quero (e não posso) viver neste atraso. Há um autocarro à minha espera.

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5 comentários:

  1. Inquietação permanente, a nossa. Há uma solidão galopante por tudo o que era sinal de vida e parece já destroço... Inquietação, constante, esta respiração num mundo de sonhos asfixiados.
    Haverá ainda alguma luz e saída para este túnel?
    Abraço
    LFM

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  2. Se fosse uma mulher, mãe, pronta para pegar mais uma reunião de pais e ainda na TPM... exatamente isso! Se não é, puxa! Finalmente um homem sabe o que se passa na cabeça de uma mulher! :D

    beijocas

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  3. levitaçao
    do corpo
    da alma
    e lá fora
    um som

    mio de gato

    gostei

    leveza de texto.

    um beij

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  4. Obrigado d'Alma, nem sabes quanto me aliviaste com este comentário. Já tinha no burnal a corda e o nó testado em mais de uma boneca insuflável. Voltei a guardar na gaveta para uma próxima oportunidade. Hoje já não me vou suicidar, talvez quem sabe, escrever um poema ou beber uma mine. Sim que eu sou mais maluco por mines do que por suicídios. Abraços d'Alma são fixes, são suores.

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  5. d'Alma há aqui um equívoco grande na tua análise. "Constantino, guardador de vacas e de sonhos" é um dos títulos mais importantes da literatura portuguesa do século XX, da autoria de Alves Redol. Tenho imensa pena que este teu último comentário (que não apagarei, obviamente) tenha exposto um pouco da tua ignorância. E claro que não escreverias o que escreveste se se reunissem duas coisas. A primeira, era se me conhecesses e a segunda era se não fosses mal educado (a). Essa do "bem ao teu género" mostra também o teu mau carácter. O que é bem ao género de quem não se conhece? Há ocasiões em que mais vale estar calado, não há?

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