quinta-feira, 22 de março de 2012

115. Diálogos com o espelho - I



- Olá!
- Olá,
Respondi, sem me ter apercebido que era o espelho que me cumprimentava.
- Bom dia!
- Bom dia.
Olhei em frente e só o via a ele e a mim próprio. Sorri depois, como quem diz e se interroga, o que é que estou para aqui, a falar comigo?
- Tomaste café.
- Isso é uma pergunta ou uma afirmação?
Comecei a ficar intrigado comigo próprio quando me apercebi que afinal estava a conversar com um espelho.
- Na minha perspetiva,
disse o espelho e acrescentou,
na minha perspetiva de espelho, penso ter feito uma afirmação.
- Pensas?
Perguntei-lhe sem saber bem porque o fiz. Afinal de contas eu deveria ter desatado à gargalhada. Perguntar a um espelho se pensa.
- Bom, na verdade, apenas acho,
 disse como que se desculpando. E acrescentou,
não sou filósofo.
Fiquei intrigado. Um espelho que me fala em filosofia tem de ser um espelho culto, no mínimo um espelho com conhecimentos. Decidi ir um pouco mais fundo.
- Porque me falas em filosofia? Acaso és letrado? Onde é que aprendeste essas coisas?
- Nos blogs.
Respondeu-me sem hesitação. Nos blogs, fiquei a matutar. Nos blogs? Fiquei intrigado. Nos blogs de quem? Em quais blogs? Teria eu que tirar isso a limpo? Deveria eu alimentar um diálogo com um ser inanimado como seja o espelho da minha casa de banho. Deveria eu interiorizar mais um mistério do meu próprio blog? Deveria eu ultrapassar esta afirmação e mudar o rumo da conversa? Interroguei-me intensa e preocupadamente face à importância que se deve dar a um espelho e se bem o pensei, sim eu penso, bem o fiz.
- Porque dizes que eu tomei café?
Acho que ele não esperava esta pergunta. Pela sua expressão, tanto quanto eu sou bom a analisar a fisionomia de espelhos, terá ficado perplexo. Será que estaria à espera que eu desenvolvesse o tema dos seus conhecimentos? Não me parece e também não estou para me voltar a inquirir tão intensamente quanto já o fiz anteriormente.
- Pelo teu aspeto. Estás com o cabelo grisalho.
Se em vez de um diálogo inconsequente isto fosse uma tourada estaríamos em face da estocada final. Ora esta, hein? Um espelho fisionomista, contra as minhas pretensões fisionomistas, só pode ser um equívoco ou uma procura infrutífera de palavras para evitar repetições. E o que é que o meu cabelo grisalho tem a ver com o café?, pensei interrogativamente.
- E o que é que o meu cabelo grisalho tem a ver com o café?
            Acabei mesmo por perguntar. E acrescentei:
Sim, pergunto, porque não estou a ver nenhuma relação.
            Tentei-o esclarecer acerca da minha pergunta.
- O tipo do cinema também tem o cabelo grisalho e bebe café.
Respondeu-me, de novo sem uma hesitação, sem um desviar de olhos, uma resposta fria, como frio já estaria o café se tivesse sido servido no início do diálogo.
Suspirei de alívio. O espelho só acha. O espelho não pensa. O espelho estava a pensar, a pensar?, no Clooney, que bebe café e tem o cabelo grisalho, o espelho apenas fez uma relação, enfim, talvez socrática, mas não mais que uma relação, um falso silogismo, uma lógica falhada, "logo se bebe café tem o cabelo grisalho", uma conclusão com premissas falaciosas. Apesar de tudo pensei, sim eu penso, que não estava perante um espelho qualquer. E finalmente decidi-me.
- Blogs, não é? Blogs! E como é que tu me apareceste aqui?
           Tinha a certeza que ele iria pôr os pontos nos is. Um espelho nunca mente.
- Vim do PreDatado. Ele disse-me que eu ficaria melhor na casa do Constantino. Ao menos aqui teria com quem conversar.
           Voltei-lhe as costas e fui tomar café.

10 comentários:

  1. Desta vez enganei-te, era eu que estava atrás do espelho e imitei-te a voz. Vamos lá beber esse café... café, não. Uma aguardente velha, que isto de te imitar deixou-me a garganta a arranhar...

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    1. Um espelho inteligente, culto e conversador! Só predicados! : )

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  2. "aspeto" não consigo ler aspecto! para mim assemelhar-se a espeto.. mas vamos lá ao teor do comento agora fals com o espelho?
    e julgaste o george cooney? ai meu constantino!!! se te pareces com ele dá-te por lindo charmoso perfumado rico, sim, ,rico, e muito. e andas com belezas mais novinhas ora o meu amigo constantino!!!
    kis .=)

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  3. Bem...Constantino, antes que venhas cá desancar-me e porque vejo que, também tu, andas a precisar de um abanão, apresso-me a dar sinal da minha presença.
    Então já andas a falar para o espelho?
    Pior, deste início a esses diálogos antes de terminares a saga do Ismael Gúsman?
    Não me digas que os manuscritos da Francisca, essa magana, vão ficar por decifrar e o hediondo crime da pobre corista, por desvendar?

    Muito interessante que o espelho te tenha alertado para os conhecimentos filosóficos que se podem adquirir nos blogues. Eu por acaso também conheço alguns bastante versados na arte de bem filosofar, mas isso é bom, não achas? De filósofo e de louco, todos temos um pouco!

    Anda lá, Constantino, não deixes que a misteriosa senhora de Trás-os-Montes e sobretudo aquele traste do ex-marido da manuscritora, saiam impunes e ilesos de todo esse imbróglio que envolve a morte da Isabella.

    Quanto ao PreDatado, esse danado que agora anda pelas casas de Fado lá no nosso Alentejo, acho que fazes bem em convidá-lo a vir até aqui, de vez em quando, e apresentá-lo à clientela da tasca do Ismael. Esse sim, é um grande filósofo, poeta e pensador que muito irá enriquecer as tertúlias Ismaelinas.

    Na minha próxima visita, espero encontrar a tasca do galego cheia de gente a beber ginjinhas, com e sem elas e copos de três a regar os pitéus deliciosos que a Fernandinha tão bem sabe preparar.

    Um grande beijinho para ti, Constantino!!

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  4. O PreDatado foi a casas de fado com direito a publicidade e tudo, e por falta de clientela pediu abrigo ao Constantino, ora bem:) e fizeste-me rir à gargalhada, por acaso o tal do cabelo grisalho seria o Richard Gere? é que ao contrário de muitas não acho piada ao tal Cloney loll

    Obrigado por este momento tão delicioso e não desistas:)

    Beijos

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  5. Ahhhhhh e o PreDatado também trouxe os seus gatos? LOOOOOLLLL

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  6. Ora aqui estão os nossos diálogos com o espelho, que só alguns, como nós, têm a coragem de confessar!
    Um grande abraço, Vítor!

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  7. Ok... também confesso... às vezes dou por mim a falar com o meu... :)

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  8. Ah, e as saudades que eu já tinha de te ouvir falar com o teu espelho? Prezinho ou Constantino, as conversas são sempre instrutivas. Até porque frente ao espelho ninguém mente, com o cabelo grisalho ou não... :)))

    Beijocas e bom fim de semana!

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  9. Um espelho, que aprendeu filosofia nos blogs...é muito bom. Afinal há alguém atento ao que os blogers fazem, um espelho...*

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