Certa vez foi à
noitinha, o Chico do Cachené, chamou-me e disse Farinha, e por aí a fora. É
mais ou menos assim que começa um fado de Lisboa cantado pelo saudoso Fernando
Farinha a contar resumidamente a história da vida do Chico do Cachené. Uma ocasião, é assim que começa um amigo
meu cada vez que quer contar uma história. Também acho interessante a fórmula,
porque cada história começa num determinado momento que pode muito bem ser
ocasional. Por era uma vez, começa a
maioria das histórias que conhecemos, que nos foram contadas pelos nossos avós,
pelos nossos pais e que agora continuamos a contar aos nossos filhos e aos
nossos netos. Pois sendo eu um contador de histórias, nenhum dos meus leitores
me perdoaria se eu, neste primeiro volume de uma trilogia que se adivinha, a
saber, as “histórias da tasca na baixa”, os “contos da floresta virgem” e as “fábulas
da folha de couve”, não tivesse pelo menos um conto, uma história, um folhetim,
um episódio, um simples passo, que não começasse por era uma vez… pois então que
não me perdoem, porque ainda não será hoje que eu vou começar a minha história
pela tão célebre frase.
Já que me mostraste a
tua, agora vou-te mostrar a minha. Pode ter sido um ato falhado. A minha
amiga madeirense (*) que coça pulgas como ninguém e avó de umas quantas,
resolveu virar-se para o seu senhor e atirar-lhe com essa pérola durante um
passeio que faziam pelo Norte de Portugal. Ato falhado, acho eu e não sei como
é que aquela rural acabou por explicar ao seu homem por onde andavam os seus
pensamentos. Tanto quanto ela nos explicou, deveria ter dito ao marido, Já que mostraste o Tua, agora vou-te mostrar
o Minho. Nem sempre o que parece é, nem sempre o que é, parece.
Todas as tardes, durante um largo período de tempo, até que
o pide de serviço achasse que aqueles jogos não eram mais que um pretexto para
estarem mais de três juntos, um comportamento considerado muito suspeito pelo
salazarismo, jogou-se à sueca na tasca do meu amigo Ismael. O Rogério era dos
poucos que não jogava mas assistia e se vos vou contar esta história foi porque
ele ma contou, pois eu nessa época não teria idade para frequentar locais onde
se jogassem cartas. Entre as três e as seis, o movimento na tasca do galego era
muito reduzido. Os almoços já tinham terminado de ser servidos, um ou outro
cliente entrava e saía depois de ter bebido o seu morangueiro ou o bagacinho
caseiro que o Ismael servia à socapa, raramente alguém para um carapauzinho de
escabeche ou mesmo para uma ginjinha e muito menos para um pastel de bacalhau. Turistas
eram poucos, já que naquele tempo Lisboa
não estava na moda e o resto andava a trabalhar e, sendo assim, principalmente
no verão, a baixa era um autêntico deserto. Nos intervalos das viagens o
Sebastião não tirava, literalmente, o cu, ou, literariamente, o rabiosque da
tasca do Ismael, só para “morder” (entre aspas, claro) a Fernandinha, um
desgraçado daqueles que, às quatro da manhã, quando a Isabella, entretanto
assassinada, vá lá saber-se por quem (**), chegava do teatro, ia logo meter-se
na cama da italiana. O ardina, o jovem imberbe Ismael da Sacola, como era
conhecido, porém já com os seus dezanove anos completos, à espera de ser
chamado para as sortes. O nosso conhecido Ishmail Baruch, velho sabido, campeão
da bisca lambida, mas de reconhecidos méritos na sueca, com muitas renúncias à
mistura e o filho do senhor Ismael da Farmácia que, por não se lhe conhecer
profissão, também era conhecido pelo vadio da outra banda e que saía todas as
manhãs, perto do meio-dia da madrugada, da Quinta do Conde para vir arranjar
emprego em Lisboa, mas que nem tentava, pois o pai ia-lhe dando para os gastos.
As tardes, quando não havia sueca na tasca do Ismael, passava-as ele no Largo
do Carmo, com um bandolim mal afinado a tocar polkas para dar nas vistas.
Os quatro sentados à roda de uma mesa e o mais que sabido e
um tanto ou quanto batoteiro, nosso conhecido Sebastião, a não perder a
oportunidade para espreitar a mão de Fernandinha, bisbilhotando-lhe o jogo e
daí tirando vantagens. Fernandinha estava mais que ruborizada de tanto
descaramento e irritadíssima por o seu jogo estar as ser devassado a cada
jogada. E numa afirmação de inconformismo marcou a sua posição, se você volta a despir as calças… ainda
tentou emendar, corrigindo para, se você
volta a me ver as cartas, mas já ninguém a ouviu. O ato falhado é assim
mesmo. Nem que seja numa tasca de vinhos e petiscos, à roda de uma mesa de
sueca e quando uma gargalhada não chega para colmatar o embaraço de quem o tem.
(*) O autor refere-se a uma blogger muito apreciada que se
apresenta como avó de pulgas.
(**) Segundo o autor, com sete facadas, logo sete o que
tornou o crime deveras sangrento.
CONSTANTINO, Ó CONSTANTINO? Fizeste-me soltar uma gargalhada daquelas saudáveis ainda tenho restos do sorriso na cara, nao consigo tirar este ar de alegria, qu equeres?
ResponderEliminarolha estou muito grata mas foi mesmo assim que aconteceu. sabes, eu com tudo faço graça mesmo na vida real, Já foste à inspecção? eu vou tirar a tinta do cabelo que acabei de pintar.
Sabes, por vezes ponho-me a pensar que isto dos blogues é tao saudavel ( nem sempre, prontes)para nós refiro-me homens e mulheres de meia idade
nao achas?
recebe ó CONSTANTINo aquele abraço de partir ossos
kis :=)
Esses actos falhados são uma delícia... quando acontecem aos outros!!
ResponderEliminarE o da Avogi... foi um jogo fantástico de palavras que só mesmo ela para o contar!
Acontece...*
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