Se eu tivesse escrito isto no início, antes ou após o
prefácio, sendo que neste caso o efeito teria sido minimizado, mas nem por isso
menos desastroso, este livro não se venderia. Qualquer potencial leitor ao
pegar no objeto impresso, de capa dura ou mole, com ou sem badanas, rapidamente
o devolveria ao escaparate. Já estou a imaginar o namorado a perguntar à
namorada, que se for verão vai de minissaia ao seu lado, mostrando um belo par
de coxas, mas com óculos de aros pretos retangulares e cabelo curto dando-lhe
um ar intelectual anos setenta ou, em alternativa, se for inverno, de shorts de
ganga bem curtinhos sobre umas leggings
pretas e boyas com um debrum de pele sintética,, camisa aos quadrados com um nó
na cintura, ar blaisé, cabelos
cacheados (no verão usam-se mais curtos), então não levas o livro? e a
namorada, não, e o namorado, então porquê?,
e a namorada, a responder meio incomodada, este gajo não existe, não,
não é o namorado, é o escritor, e o namorado incomodado também, quem eu?, e
ela, a namorada, não, não és tu, amor, é o escritor, usando ali a palavra amor
para acalmar um pouco a tensão que o mal entendido poderia gerar nele e ele, o
namorado, já que o escritor nem está presente, a terminar a conversa, mas sem sucesso
porque a última palavra será dela, deixa lá, não estou a perceber, escolhemos
outro e ela, a namorada, a concordar e a dizer, também acho, virando as costas
à patanisca com arroz de feijão, ao manuscrito de Francisca, ao bigode à
Chalana de Ismaelix, porém branco, ao bonzão do Sebastião, que se as épocas não
fossem diferentes se iria fazer à namorada do otário, que nem quis saber porque
é que ela rejeitou o livro.
Se eu tivesse escrito isto no fim do livro, após o epílogo,
porque se fosse antes não seria no fim do livro, talvez depois do índice se eu tivesse
decidido colocar um índice, ou, pelo menos antes da contracapa, o efeito seria
muito similar, já que leitor que é leitor folheia sempre um livro ou uma
revista de trás para a frente antes de o fazer da frente para trás, quiçá à
espera de alguma notícia de última hora como se um livro pudesse ser confundido
com um jornal. Um casal que entrasse numa livraria ao deparar-se na estante,
escaparate, ou mostruário, com “Contos à sombra de um carapau de escabeche” e o
senhor, bem posto na vida, na casa dos
cinquenta, já com o cabelo a ficar grisalho e a fazer notar alguma barriga, mostrando
ser um amante dos prazeres da mesa, apesar da senhora, uma quarentona
escorreita, que obviamente ainda rompe meias solas sem ter de subir a calçada,
como a nossa conhecida Luísa, ao pegar no livro, ao folheá-lo de trás para a
frente como tinha feito duas prateleiras antes ao jornal A Bola e, duas antes
da prateleira dos jornais, à revista Sábado que tinha sobrado da semana
passada, leria uma coisa destas e rejeitaria imediatamente o objeto, não sem
que a quarentona, que ainda rompe meias solas sem subir a calçada, lhe
perguntasse o porquê dessa aversão e o senhor dos cabelos a ficarem grisalhos
lhe respondesse, ora, porque sim, e ela resignada provavelmente olhando para as
solas dos sapatos, com vontade de as rasgar e novo pela metade, pronto está bem
se tu o dizes e ele, com ar de quem é sabedor e perentório nas suas atitudes a concluir,
ainda bem que compreendes. E depois, passando-lhe as costas da mão suavemente
no rosto, como que a desculpar-se da última frase, acabou mesmo por se
desculpar com o chavão, outra coisa não era de esperar de ti. E deu-lhe o
braço, e afastaram-se e não voltaram a falar do livro, ficando assim mais um
casal na ignorância das qualidades de Ismael, o galego, das faculdades de
Espinheira, o jovem e o mais velho, das formas redondas e das faces rosadas de
Fernandinha e muito menos, o que é praticamente indesculpável, de que forma
Isabella Vicentini foi assassinada.
Pelas razões expostas acima, resolvi escrever este disclaimer aqui no meio do livro. Agora
que os meus leitores, os que compraram o livro e os que estão entusiasmados a ler,
capítulo a capítulo, página a página, parágrafo a parágrafo, linha a linha,
pontuação a pontuação, esperando pelo fim do livro de Francisca que vai no
capítulo IV, querendo conhecer mais histórias que o Constantino vivenciou à
volta de uma gasosa e de um pastel de bacalhau e, talvez, queiram também,
suponho eu, saber se acabaram nos calabouços de Ismael Sacadura Flores, o ou os
algozes que tiraram a vida com sete facadas à pobre corista italiana que
brilhava no Parque Mayer, tanto quanto brilhava um fio de ouro com uma medalha
ao seu pescoço, já vão num estado avançado de leitura, não os estou a ver virarem-se
para o companheiro ou para a companheira, num diálogo surrealista e dizerem,
desisto e ela ou ele perguntarem, porquê?, e ele ou ela responderem, está à
vista e ela ou ele, ainda baralhada ou baralhado, ripostar com nova pergunta,
está à vista o quê?, e ele ou ela virarem-lhe a folha e atalharem, isto:
“os factos relatados neste livro são pura imaginação do
autor; se algum tiver um fundo de verdade não queiram saber qual é, porque o
autor também o não sabe. Os personagens são de ficção e qualquer semelhança com
pessoas vivas, falecidas ou em estado de coma é pura coincidência. Apenas o
autor se pode garantir como autêntico, enquanto personagem, mesmo que por vezes
aqui apareça baralhado no tempo”
Ai meu Deus, vocês não imaginam quanto eu aspirei, um dia,
em vir a escrever um disclaimer.
e fizeste-lo muito bem:)
ResponderEliminarNão trocaste os posts, Ó Constantino?
ResponderEliminarSe calhar hoje calhava melhor- já pareço tu - o anterior!
Tá bem, eu não digo nada ao teu Pai.
Meu amigo, venho desejar-te um Feliz Dia do Pai, com muitos beijinhos e abraços dos teus meninos, apesar de não gostar muito dos dias de...
Beijinhos...ainda te lembras de mim?
Janita
Quase que me apetecia ir aí ao Porto dar-te dois abanões e dizer ACORDA! Desapareces, deixas saudades e a gente que se avenha com isso. Queres fazer o favor de aparecer mais vezes? Grande beijinho!!!!
EliminarÉ assim como dar finalmente sentido à vida, não é? Quem me dera poder um dia vir a escrever um também...
ResponderEliminarEntão aqui te deixo nessa bem-aventurança, com uma abraço invejoso:-))))
olha lá o hôme de deus recebe lá um beijo pelo teu dia, depois venho com calma ler este teu testamento
ResponderEliminarkis .=)
Haja quem escreva textos mais longos que os meus! : )
EliminarGostei muito do seu registo de escrita, voltarei, certamente. : )
Ana C.
www.oreversodalinha.blogspot.com
Ficção e realidade?
ResponderEliminarOnde estão que já as vejo
Belíssimo
Ah e as personagens são todas ficcionais exceto o Constantino?! Nem um fundinho de realidade aqui e ali? Pois, pois... :D
ResponderEliminarBeijocas!
Se o autor é real já está de bom tamanho. E se procurarmos vamos achar por aí muitas coincidências...
ResponderEliminarE escreveste muito bem o que querias! Adorei.
Beijokas doces
Tchim... tchim... a esse disclaimer... mas sempre acompanhado de um copo de três!!
ResponderEliminarUm abraço.
Que belo disclaimer. É bom saber que o próprio autor se assume estando por vezes "baralhado no tempo" assim a leitora não se sente tão culpada, deste lado, quando se sente assim...*
ResponderEliminarClaro que me ficou na memória a tal quarentona que ainda rompe meias-solas... suponho ,portanto, mesmo sem ver o traço, que abre o apetite...
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