terça-feira, 31 de janeiro de 2012

94. Ismael (19) - Cisma


Imprimi todas as páginas escritas do meu livro cujo nome ainda não inventei. Há pouco, enquanto tirava a fotografia a uma nuvem cujo sol-pôr a iluminava numa chama voadora, ai que bonito que isto é, ainda pensei, provisoriamente, chamar-lhe “ Ismael, Isabela e Incesto, três is, uma só história”. Mas retirei logo isso da cabeça pois, no meu livro, não tenho qualquer intenção de escrever sobre nenhum incesto. Assim impressos em Trebuchet MS 14, justificado em ambas as margens, já vai numas belas 39 páginas, somando aquelas que ainda não publiquei na Internet, já começaria a compor algo vendável. Enfiei os A4 numa pastinha plástica da Âmbar e saí, como raramente o faço, para tomar um café.

Já vi que é escritor, disse-me mesmo antes de dizer bom dia, bom dia e desculpe a intromissão, continuou sem que eu tivesse ainda reagido. A bica estava quente, uma mania que nunca entendi esta de servirem o café em chávena escaldada que me queimou os lábios mal lhe toquei com os ditos. Soltei um bolas, não em voz alta mas o suficiente para aliviar a tensão quando um tipo não está em situação de dizer um impropério. Pedi desculpa, olhei-a na mesa ao lado da minha, com um livro de Luís Sepúlveda fechado ao lado da sandes de fiambre com manteiga. Respondi-lhe que era uma tentativa. Quis saber qual era o tema e eu disse-lhe que ainda não tinha. Deu uma gargalhada e suspirou um não acredito! Depois ainda sem ter sustido completamente o riso perguntou-me como é que se pode escrever um livro sem tema?. Foi aí que eu lhe expliquei que na verdade eu não sabia bem se aquilo era um livro ou se eu iria escrever um livro. Pareceu-me confusa e obrigou-me praticamente a explicar-lhe detalhadamente todo este imbróglio. Ela foi comendo a sandes e no fim lambeu um pouco de manteiga que lhe ficou num dedo. No fim da sandes, quero eu dizer, mas não no fim da nossa conversa que ainda durou mais uma bica, desta vez em chávena apenas morna e um carioca fraquinho para ela. Sugeriu-me que fossemos até à esplanada para que pudesse fumar um cigarro e desta vez foi a minha de soltar uma gargalhada. O café não tinha esplanada.

Quando saí dali, não trazia apenas a garota na cabeça, trazia novas ideias, mas que não as explanarei agora, pois isso tiraria algum suspense. Discutimos se Isabella poderia ter uma irmã gémea que fosse na verdade o objeto do crime e que só por engano tenham recaído sobre ela as sete, logo sete, facadas; falamos também do tio do médico israelita e da coincidência de ele ser coxo, coincidência essa com o facto da misteriosa senhora de Trás-os-Montes achar que na noite do crime alguém coxeava; falamos que até pode não ser coincidência e falamos também que o meu livro não é um livro policial, que a morte de Isabella é um fait-divers para que eu possa contar as minhas histórias e as minhas relações de amizade com o galego Ismael Gusmán e que, eu próprio, nem sequer sei se na Rua dos Correeiros, 43, há ou alguma vez houve um prédio com sexto andar direito. Só não a consegui convencer como é o Dr. Castro Ribeiro um senhor de famílias, escrivão de Direito na cidade do Porto, divorciado de uma mulher com os dotes de Francisca, notívago de vocação, frequentador de cabarets, casas de alterne e outras de má porte, não tem nada a ver com esta história mas sim com um posfácio que eu terei forçosamente de escrever para me esclarecer.

Se isto tivesse sido noutros tempos, o meu amigo Ismael Gúsman ao ver a minha cara de preocupação com a evolução deste trabalho, tinha-me trazido um daqueles pãezinhos saloios, com dois lombinhos na chapa, passados em manteiga de vaca e um copinho de tinto das Gaeiras. Colocaria ao meu lado uma tacinha com mostarda e uma colher de café e dir-me-ia, batendo-me nas costas, Oh Constantino, não penxe mais nixo! 

15 comentários:

  1. Oh Constantino que confusão me fazes com a sequencia já em esado adiantado beirando o capítulo 20 e eu aqui sem entender patavina rs
    bom saber que após mais de 39 páginas esse livro sai logo do forno e vou poder ler de um folêgo só,sem interrupções de conexão.rs
    estou admirando e amando a hora que o sol avremelhou-se e voce deu esse tiro certeiro e lindo!
    pelo que percebi outra garota vem vindo por aí pra fazer parte desse folhetim onde Ismael Gúsman é o artista principal. Prometo sentar direitinho, esperar a madrugada terminando de ler os outros 18 capítulos que faltam rs
    um abraço e uma " bica " gosto assim pelando mesmo rs

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    1. Está vendo, Lis, eu cada dia introduzo mais uma. Isto se chama lenha para me queimar. Qualquer dia tenho de começar a matar mais uns quantos, eheheheh.

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  2. Se lhe dá prazer não desista

    resista em frente
    Cá estarei

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  3. Danada a garota... percebeu logo que havia escritor por ali :)

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  4. Oh, Constantino,
    mesmo sem tema nem título, este romance está a ir de vento em popa...não desanimes!

    Quem sabe esse encontro ocasional, acompanhado de duas bicas, não vai ser o despoletar de novos e emocionantes episódios?
    A juventude tem o dom de nos inspirar!

    Não cismes demais...olha que uma cisma é pior que uma doença.
    A propósito...lembras-te daquela doença do meu PC? Pois, teve de submeter-se a um transplante.

    Avante, camarada!

    Uma beijoca.

    P.S. A foto é linda.

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    1. Eu adoro fotografar. Não tenho a certeza mas tirando a foto do Eusébio, acho que todas as que aqui pus foram tiradas por mim. Umas saem melhor do que outras, mas enfim sou só um amador. Concordo contigo de que esta ficou muito bonita.

      Acreditas que ainda estou com a cabeça na miúda do café?

      beijocas.

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  5. Vamos então a esse lanche... a pedido e sugestão do Guzman!!

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  6. Continua e não desistas...porque estás no caminho certo e a despertar imensa curiosidade. Força e para a próxima não queimes as beiças...odeio cafés em chávenas escaldadas:)

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    1. E o pior Fatyly é que desde que só bebo descafeinado, ha cafetarias que pensam que um descafeinado é uma água suja de preto e dão-me aquela coisa irascível com água a ferver que mal me toca os lábios só não voa em direção ao balcão porque sou muito educadinho. Mas de vez em quando sai f...-se!

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  7. Isto de ir relatando um livro, interneticamente ou para possíveis ouvintes, não me parece grande ideia. Não só porque se perde o fator surpresa, mas à conta dos palpites, por muito bons que sejam... :)

    Beijocas!

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    1. Teté, isto é apenas um pseudolivro cibernético. A intenção do autor é interagir e sim, é verdade, relatar o que pode ou não vir a seguir pois nem o autor, neste caso o Constantino, sabe o que possa ser. O Constantino conta histórias desde a sua infância à atualidade e centraliza-as numa taberna que foi de um amigo seu, galego de nascimento, situada em tempos na baixa de Lisboa. Esse é o pano de fundo. Como histórias toda a gente conta, o Constantino resolveu matar uma bailarina e ir enrolando à sua volta personagens, na maioria de ficção, outros nem tanto, que dão alguma pimenta às ações. Não tem nenhuma pretensão de ver o Ismael no prelo, por isso dedica alguns capítulos a esse tema até como forma de caricatura. Só não conta histórias do futuro pois história e futuro são contradição, mas também porque o futuro pertence a Deus e Constantino é um terrestre. Mas não penses que não lhe passou pela cabeça contar histórias passadas em 2032 e em 2124. Só que isso era mesmo antecipar o final. Já agora se quiseres dar um palpite, quem sabe não venha a ser integrado numa futura ficção histórica. Beijinhos.

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  8. Pra começar, que foto, hein, Vítor Fernandes!?
    E pra continuar, repare que a coisa tá fugindo ao seu controle, tá criando vida, para além do contexto internético, está tendo uma autonomia, que nem o Ismael imaginaria.

    A opção da irmã gêmea para a Isabella, me parece bem, e eu ainda ousaria ir mais além, que essa irmã, fosse um irmão, transexual, e daí o motivo do assassinato, ao descobrir que ela era ele?

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