A data de 1956 para ocorrência do crime na Rua dos Correeiros, irão ver mais adiante, não foi escolhida por acaso. Mas não foi uma data presencial para o escritor deste pseudolivro que pretende misturar suspense com histórias da vida real e banalidades, que só quem tiver uma paciência santa é capaz de o ler. O autor, por esses tempos, tinha apenas um ano de idade mas sabe, porque lhe vão contando e porque mais tarde ainda pode assistir, que era frequente cegos tocarem e cantarem em verso, que depois vendiam por cinco tostões, os casos mais dramáticos como acidentes, cataclismos e, principalmente, tragédias familiares, histórias de faca e alguidar (no Brasil eram e são conhecidas por estórias de cordel). Não foi portanto de espantar que por esses tempos, enquanto a investigação decorria, um cego, em pelo Terreiro do Paço, por debaixo dos arcos do Ministério das Obras Públicas, enquanto os peões corriam para o vapor que os levaria ou a Cacilhas ou ao Barreiro, quiçá alguns até moradores na Quinta do Conde, cantava em verso, o crime da Rua dos Correeiros, número 43, como aqui se documenta.
Dizem por aí nos jornais
Que foi com sete facadas
Que a pequena se finou.
Parecem coisas banais,
Mas que devem ser contadas,
Como mais ninguém contou.
Uma jovem bailarina,
Acredite quem quiser,
Da Itália era chegada.
Parecia ser gente fina
Dançava no Parque Mayer
E foi morrer à facada.
No peito foi golpeada,
Não se sabe ‘inda por quem,
Alguém tem que descobrir.
E a pobrezinha coitada
Nem pode chamar pela mãe,
Em sangue se foi esvair.
Dizem que uma velhota
Ouviu os passos de um manco
No andar por cima dela.
Fizesse como na lota,
Subisse acima de um banco
E gritasse pela janela.
O inspetor Sacadura
Está em cima da jogada,
Em breve se saberá.
Diz que ele tem mão dura
E a quem mata à facada
Nada se perdoará.
Na tasca do Ismael
Especula-se às carradas,
E toda a gente que fica
A comer o bom pastel
Ou fala das sete facadas
Ou do glorioso Benfica.
Escrito p’la mão da Francisca
Descobriu-se num caderno
Muita coisa enigmática,
Mas não é lá boa bisca,
Lê-lo é como ir ao inferno
E nem com uma gramática.
Há também o Sebastião
E o judeu nesta história.
E ainda a cozinheira,
Não é fácil, isso não,
Dizer todos de memória,
Isto não é brincadeira.
Mas se o jornal não contar
Durante esta semana
As coisas muito bem contadas,
Virei pra rua cantar
A história da italiana
Que levou sete facadas.
Entre os relatos verdadeiros, os imaginados e as banalidades, como lhes chama, o Vitor consegue uma prosa que nos cativa.
ResponderEliminarJunto-me a ti Prosista de Minha Eleição, se o jornal não contar, iremos para rua cantar ou se necessário até gritar..
ResponderEliminarou não tivéssemos nós Poetas coração!!
Beijo daqui
e sente-me... deliciada... :)
:)))É um semanário dos bons! E cantado!
ResponderEliminarO prosador está de parabéns, que essa saída engenhosa dos versos do ceguinho (hoje diz-se invisual, porque a anterior expressão é considerada politicamente incorreta) fez com que relembrássemos o mistério em torno do crime... :)
ResponderEliminarBeijocas!
Bravo... Constantino...bravo!
ResponderEliminarÉs um escritor e poeta fabuloso!
Não que eu não conhecesse já este teu talento e imaginação brilhantes, mas estes versos são especiais.
Olha, apetece-me dizer-te isto:
Com as minhas manitas no ar
a abrir e a fechar
qual Amália Rodrigues
quando terminava de cantar...
Obrigada...obrigada...obrigada!
Obrigada, por partilhares connosco os teus magníficos dotes literários, que tanto enriquecem a blogosfera.
Obrigada, pela simplicidade e naturalidade com que o fazes e obrigada...por me honrares com a tua amizade.
Ósculos, amplexos e...uma grande ovação. Mereces!
Parabéns...Vitor, Constantino, PreDatado. :)
;)
@Catarina
ResponderEliminar@Sopro Vida Sem Margens
@Mirian
@Teté
@Janita
Vocês estragam-me com mimos. E fico babado e vaidoso com os vossos comentários. Mas aumentam a minha responsabilidade e também o meu medo de vos defraudar. Adoro-vos! Bem hajam.
O que tu quizeste dizer é que ainda só tens 55 anos e que eu aqui sou um velhote!!!
ResponderEliminarOlha que ainda há aí mais um assassinato!!!
Um abração, pá!
Cabe um sotaque brasileiro nesse cordel, Vítor Fernandes?
ResponderEliminar;)
Com certeza minha querida. Faça o favor de ler com sotaque :)
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