A senhora de Trás-os-Montes esteve fechada cerca de meia hora numa sala quase vazia e fria. A sorte da idosa foi que a Primavera tinha vindo quente nesse ano. Mas o reumático não perdoa. Na verdade a sala não estava vazia, tinha uma mesa e duas cadeiras mas sem mais nenhum outro móvel, objeto decorativo ou bengaleiro para o casaco, que a misteriosa senhora de Trás-os-Montes também não se preocupou em despir. O pior era mesmo não ter uma janela o que, para quem sofre de asma e tem complexos claustrofóbicos, não é muito saudável. Não sabemos se a senhora padecia de algum destes males, isto são apenas considerações. O inspetor Ismael Sacadura Flores entrou com um caderno de capa preta debaixo do braço e um sorriso mal disfarçado nos lábios. Atirou o caderno para cima da mesa e perguntou á misteriosa senhora de Trás-os-Montes o que é que ela tinha a ver com aquilo. O rosto da misteriosa e idosa senhora quedou-se imperturbável.
Esteve a transmontana mais de duas horas numa espécie de interrogatório. Folhearam o manuscrito de Francisca de trás para a frente e de frente para trás. Uma ou outra vez a idosa dava um misterioso sorriso ou franzia, não menos misteriosamente, o sobrolho. Ismael Sacadura Flores puxou apenas uma vez do maço de tabaco às riscas vermelhas e brancas da marca Provisórios e ofereceu um à senhora de Trás-os-Montes. Esta não aceitou e resmungou uma frase em inglês que perturbou um pouco o inspetor. No final da conversa, o inspetor Sacadura, como ele pediu á senhora para ser tratado, retirou do bolso um bilhete de avião com passagem paga na PanAm, para o dia seguinte e um voucher de uma noite para o Hotel Restauradores. Voltar aquela noite para casa dela na Rua dos Correeiros nem pensar, porque seria perigoso e ir e voltar à Quinta do Conde seria muito incómodo para uma senhora já da idade da misteriosa senhora de Trás-os-Montes. Lá fora esperava-a o agente Ismael de Almeida que ela bem conhecia da entrada do Teatro Nacional, onde este costumava dar milho aos pombos.
Ismael Sacadura Flores já no seu gabinete de trabalho discou um número no telefone. Pouco mais de uma hora depois, encontra-se com um jovem, de seu nome Espinheira (de quem já vos falei, mas que merecerá algum detalhe em breve), na tasca do meu amigo galego, Ismael Gúsman. Parece que o grande problema que tinha pela frente era o tipo de escrita de Francisca. Mas na verdade o que mais os perturba é o enigma. A misteriosa senhora de Trás-os-Montes ouviu passos suspeitos no andar de cima. Entre a conversa dela com o agente disfarçado a dar milho aos pombos e a sua tentativa de partida para o Canadá tinham decorridos precisamente seis dias. Como é que Francisca, a páginas vinte e oito do manuscrito refere o número 7 como se fosse chave de algum quebra-cabeças e refere, isso sem equívocos ou dificuldades de leitura, a palavra ‘italiana’ e número 43 da Rua dos Correeiros? Quem lhe transmitiu a informação?
Uma luz apagou-se na vivenda, desocupada, da senhora de Trás-os-Montes em plena Quinta do Conde. A misteriosa senhora passou a noite no Hotel Restauradores, constantemente vigiada pelo agente disfarçado Ismael de Almeida que desta vez não deu milho a nenhum pombo, pelo que se estranha luzes na sua Residência. Em simultâneo, no número 43 da Rua dos Correeiros quinto andar, esquerdo ou frente já não posso precisar dado que já se passaram mais de cinquenta anos sobre o crime, no apartamento onde a misteriosa senhora residia em Lisboa, uma luz também se extingue e uma porta é fechada silenciosamente. Francisca ressonava no quarto do primeiro andar da vivenda em frente á da senhora idosa, misteriosa e transmontana. Sebastião consta que por estes dias teria embarcado para Coraçau como ajudante de cozinha. Espinheira meteu o manuscrito no bolso e pediu uma gasosa a Ismael Gúsman. O inspetor Ismael Sacadura Flores comeu uma sandes de chouriço e bebeu uma tacinha de vinho tinto.
Ainda estou sem fôlego perante tanto e tão perturbador suspense!
ResponderEliminarE olha que não estou a brincar!
Essa misteriosa e idosa senhora de Trás-os-Montes...hummmm... acho que ela sabe mais que o coxo!!
Nessa tal Francisca não tenho confiança nenhuma. Acho que o inspector Sacadura não devia deixá-la embarcar.
Esses manuscritos indecifráveis com mais de vinte e oito páginas...levam água no bico!
Mas vamos andando e lendo que isto ainda agora começou a aquecer.
Parabéns, Constantino!
Este romance ainda vai dar muito que falar.
Podes crer!
Amplexos e ósculos. :)
A sande de couratos tinha que estar presente, mais a tacita de um branco de pipo!
ResponderEliminarIsto sempre aligeirou o pensamento...
Um abração
...eu acho que este suspense todo
ResponderEliminarirá render muitas visitas por aqui.
afinal quem não é curioso 'in questa vita'?
adorei seus passeios lá em casa!
bjbj
O suspense continuo...
ResponderEliminare eu fico a aguardar...
Então, há uma história acontecendo. Embora só agora aqui chegando, visualizo os personagens e a cena, até o cenário. Ironia, suspense, imaginação são ingredientes mais que suficientes para uma boa trama. No mais, daqui do Brasil, estranhei um pouco os nomes dos personagens, porém acho que aí está toda graça.
ResponderEliminarObrigada pela tua presença gentil no Sementeiras.
Abraço.
Magna
O mistério adensa-se! Aguardemos, pois, pelos próximos capítulos, que a história promete! :)
ResponderEliminarOlá, não sabes crochetar, mas gostas de ver, se bem vindo ao blogue, bjos doces
ResponderEliminarVocê desperta grande interesse com seu estilo de narrar. Vou ter que ler suas postagens anteriores, para me inteirar da historia, que parece ser um suspense.
ResponderEliminarAbraços
Olá, acabei de descobrir o seu blog e adoro o mistério, prometo que voltarei.
ResponderEliminarbjs.
Se quizer também me pode visitar
http://doraejose.blogspot.com
ai meu amigo que o reusmato é traiçoeiro isso sei eu.
ResponderEliminarkis .=)
O Ismael Sacadura tem algum parentesco com Sacadura Cabral? Daqui a pouco eu vou ler aqui que ele esteve no voo do Atlântico Sul, juntamente com o acima citado e Gago Coutinho, hein, Vítor Fernandes?
ResponderEliminar;)))
E continuamos em pleno mistério, que evolui a olhos vistos, sem que no entanto se vislumbre uma solução... :)
ResponderEliminarAguardemos, portanto!