O gato passou-me por cima da secretária, colocou as patinhas em cima do teclado e alterou-me as definições do dito de tal maneira que o tipo passou de Garamond onze para Batang setenta e dois. Como consequência, a mais grave, foi a minha mulher ter passado em frente ao ecrã e ter visto em letras garrafais a palavra Fernandinha. Ora não lhe teria chamado a atenção se não fosse o nome de uma mulher, mas por fim foi uma conversa muito proveitosa. A modos que a justificar-me, lá lhe fui contando que ando a escrever um livro aqui no computador, um livro que talvez um dia se consiga acabar. E então ela pediu-me para ler o que já estava escrito. Acabei por lhe confessar que tinha um blog e acabamos a lê-lo lado a lado. Foi para mim, admito, uma sensação estranha ter de falar um a um dos meus personagens se nem eu próprio sei quem são. Assim não fui de modas e comecei logo por inventar a vida da Fernandinha, que não teve uma infância fácil. Nascida e criada até aos doze anos de idade numa aldeia da freguesia de Lajeosa do Mondego nas cercanias de Celorico da Beira, a emigração estava-lhe na massa do sangue. Quase todos os seus familiares já tinham dado o salto e os pais não se fizeram rogados. A menina, que com aquela idade não tinha quereres nem meios quereres, de trambolhão em trambolhão, acaba a instrução primária já numa escola de Paris, até que os pais, ele trolha de profissão e a mãe trabalhadora a dias na casa de uns senhores de linhagem, acabam por se transferir para os arredores de Marselha.
É neste momento que o gato volta a morder a perna da minha mulher que de surpresa solta um grito. Não foi nada de importante, apenas uma dentadinha de aviso por não ter ração na gamela. Ficou o resto da história da Fernandinha por contar mas não tenho a certeza se aos leitores deste livro isso interessa para alguma coisa. Ainda assim, atrevo-me a dizer que Fernandinha engravidou de um barão francês e abortou espontaneamente depois de ter descido à cave e partido propositadamente meia dúzia de garrafas de Château d’Yquem 1942 e quatro de Château Margaux 1953, ambos premier grand cru classé. Uns acham que o aborto se deveu aos vapores do tinto outros ao medo do que o barão poderia fazer com ela, a verdade é que acordou num hospital de freiras em Gémenos e com a ajuda de uma minhota, vendedora de ervas aromáticas e sabões de glicerina, radicada em França há mais de oito anos, conseguiu ser enviada direitinha a Portugal para uma pensão da rua da Madalena em Lisboa com uma mala de cartão praticamente vazia. As últimas coisas que sabemos dela (da Fernandinha e não da minhota que pertence a outro conto) é que faz uns belos petiscos na tasca da rua do Correeiros que, como todos sabemos, pertence ao meu amigo Ismael Gúsman e que anda catrapiscada com Sebastião, sobrinho na nossa Francisca, a escritora de diários e que nem pode ouvir falar de ismaelix. Dizem que quando se deita não dispensa de ler umas páginas de Agatha Christie, pois sempre gostou de enredos.
De quem me dava mesmo jeito falar neste capítulo era do inspetor Ismael Sacadura Flores, do agente Ismael de Almeida que faz do disfarce a sua maior arma, sendo que até já foi visto a dar milho aos pombos e de Ismael ben-Avhraam que segundo consta o título de Dr. é um disfarce para as suas atividades de contraespionagem ao serviço da pátria do Rei David. Mas como isto são muito Ismaéis para tão poucos leitores se calhar vou ali vazar um bocadinho a areia da minha camioneta e já volto.
Menino! Tenho uma amiga que migrou para Portugal aos 5 anos, e aos 12 foi para França, mas casou-se, não com um barão, mas com um "quase-gigante" anglo-germânico.
ResponderEliminarMas, sem dúvida, Fernandinha tem uma história, apesar de sofrida, das mais interessantes.
Agora, " Dizem que quando se deita não dispensa de ler umas páginas de Agatha Christie, pois sempre gostou de enredos", quase achei que fosse eu mesma. :)))
Ismael a mais ou a menos, certo é que já sabemos como a Fernandinha acabou por ir parar à tasca do Ismael galego! :)
ResponderEliminarBeijocas!
Meu querido amigo, Constantino.
ResponderEliminarEste enredo já está de tal maneira enredado, que se ainda vem por aí uma minhota não vão haver dentadinhas de gata que lhe valham!
Por este andar o romance nunca terá um epílogo...feliz!
Os leitores jamais saberão qual o conteúdo do manuscrito da Francisca, quem matou a bela Isabela e se a transmontana era ou não coxa.
Não se coíba de trazer à baila mais Ismaeis.
Quem sabe um dia não aparece um Ismael Ming de olhos em bico que compre a tasca da rua dos Correeiros, liberte o pobre Iamael Gúsman daquele triste fadário, que por sua vez convence a Francisca a ver com outros olhos o Ismaelix, a Fernandinha se ajeita na vida com o Sebastião, o homem de bigode à Chalana liberta a transmontana e partem ambos para terras de Freixo-de-Espada-à-Cinta...e tudo volta ao antigamente?!?
Àquele tempo em que as definições do teu teclado eram tão somente Garamond onze??
Hummmm???
Xiiiii, agora me lembrei...ainda falta entrar um tal personagem Rogério! O melhor mesmo será eu comprar mais umas resmas de papel fotocópia...
Beijinhos da tua leitora atenta e fiel seguidora, com ou sem blog.
Eu só tenho a agradecer por você existir em minha vida
ResponderEliminare compartilhar comigo sua sincera amizade.
Te agradeço por essa aliança tão linda num laço chamado amizade.
Eu te prometo fazer tudo para continuar merecendo essa dadiva divina.
Te prometo dividir contigo todo tempo
que me for possivel.
Nem vou falar que Deus te abençoe,
pois voce já é abençoada e iluminada em todos os sentidos.
Deus abençoe por cada visita ...
Um Final De Semana Na Paz E Na Luz.
Evanir...
Uma excelente postagem .
Li o capítulo 12 e desvendou-se o crime?
ResponderEliminarO teu gato (qual deles?) fez de propósito para que partilhasses com a tua mulher toda esta história, que de facto tem sido um excelente livro e continua com o teclado assim ou assado:) mas com os teus personagens numa narrativa excelente
e pronto...
ResponderEliminarnada a dizer!
Perfeito sorriso espalhado na minha cara :)
Beijos daqui Prosista - sempre de minha eleição
Quando reunires estes personagens todos, ou muito me admiro, ou vais ficar cheio de cromos para a troca!!!
ResponderEliminarPode continuar... Os leitores ser-lhe-ão fiéis.
ResponderEliminarAbraço
Pobre Fernandina que teve a infeliz ideia de partir aqueles néctares da cave do abusador.
ResponderEliminarFiquei fã da outra Fernandina que faz belos petiscos na tasca da R. Dos Correiros, no entanto fico a aguardar cheia de curiosidade sobre o destino da francesinha, isto se o gato não interrompa a narrativa.-;)
Beijos
Manu
já vazaste tudo? olha amigo Constantino deixa um pouco que camionete vazia nao vale nada
ResponderEliminarkis .=)
Constantino
ResponderEliminarcomo se vê a Fernandinha e família não precisaram dos conselhos de estado para fazer vida de sucesso fora de portas...
os gatos têm tambem o condão de desfigurar
o ambiente de trabalho.
um prazer de ler...
Ai, Vítor Fernandes, impossível conter o riso, desde o gato que pula sobre o teclado, até a desculpa do caminhãozinho ( perdão por escrever em meu dialeto brasileiro), é muita diversão nessas páginas, digo, nesses postes. Só peço que depois vc inventarie os tipos criados, porque a cada texto aparece um novo personagem, eu não conhecia a Fernandinha...
ResponderEliminar;)