terça-feira, 7 de junho de 2011

36. Totó!


Hoje vou contar uma história em que o Constantino foi protagonista. É raro falar de mim mas estive a perguntar a vários amigos meus e nenhum quis assumir o papel de totó. Portanto não tive outro remédio.

Quando eu era garotinho, tinha sete anos de idade, fui ao casamento do meu primo Vítor em plena Serra da Peneda. O Vítor conheceu a Fátima na Costa da Caparica, pediu-lhe para lhe guardar a carteira e os óculos, ela aceitou e ele foi tomar banho. Depois, aquilo deu casamento e até divórcio. Foi uma banhada. Encontramo-nos em Braga, depois da D. Eduarda, a minha professora primária, me ter dado autorização para perder dois dias de aulas. Um dia, contarei uma história de tabuadas. Em Braga, a Fátima estava no cabeleireiro. A Fátima era muito bonita e ainda ficou mais bonita com o cabelo arranjado para o casamento. Foi uma seca para um miúdo de sete anos esperar num cabeleireiro durante três horas pela Fátima e, como não tive um amigo que me substituísse a esperar por ela, enquanto eu fosse narrando a história, parece que ninguém quer mesmo ser totó, não tive outro remédio. Pois lá fomos, a seguir, de autocarro até quase ao destino. Quase? Fátima ainda falta muito? Não. É já ali, dizia-me ela de mão dada enquanto caminhávamos por carreiros, veredas ou sobre pedregulhos. O que valeu foi que o casamento foi muito bom, todos sentados e a comermos de faca e garfo. Mais uns passos, pequeninos, que as pernas eram curtas e Fátima, ainda falta muito? Não. É já ali. Até os mais velhotes, naqueles confins da província comiam de faca e garfo. E eu, com as minhas perninhas a tremerem e sem poder chegar às cerejas nas ramagens altas das cerejeiras que orlavam as azinhagas e os caminhos das cabras, Fátima, ainda falta muito? Não. É já ali.

Lembrei-me de tudo isto quando vos ia contar a história de hoje. Tive, por motivos profissionais, que viajar algumas vezes à Califórnia. Normalmente não escolheria um amigo para me substituir na viagem porque adoro passear. Mas quando quis ter um para fazer o papel do totó, não encontrei ninguém (eu já tinha escrito isto hoje?).Deveria, então, de desembarcar no aeroporto de Oakland e dirigir-me a Walnut Creek. Se nesse tempo houvesse Google maps ou até o Google Earth eu teria dado um olhinho primeiro e não me preocuparia. Mas quando aquele meu amigo americano, que não sabe comer de faca e garfo mas que era uma excelente pessoa e super prestável, me deu um papelhinho a dizer red light turn right through I5 (seria esta?) e sais na direcção de Walnut Creek, eu pensei, juro que pensei, é já ali! Aluguei um carro na Hertz, saí do parque e, por azar do totó, o semáforo estava verde. Não deveria estar vermelho? Segui em frente e perdi-me. Pronto. Totó! Ninguém quer continuar na história, não? Está bem, se não há remédio eu vou continuar a protagonizar o resto. Lá dei umas quantas voltas, passei por barracões plenos de vidros partidos, lembrei-me de filmes de gangsters e malfeitores, fiz grandes filmes na minha cabeça, regressei ao parque da Hertz, tomei a mesma rua, nem quis saber se a light estava red ou green, virei á direita e ufa, lá apanhei a autoestrada. Mas o meu amigo não me podia ter dito que na Califórnia também havia hora de ponta? E eu, que para fazer 26 miles, demorei uma hora e meia, era já ali? Era? Mas à noite vinguei-me. Jantei no restaurante do hotel, não comi hambúrguer e usei a faca e o garfo.

Texto e foto do autor. Todos os direitos reservados.

19 comentários:

  1. Ai, amigo!...Só você mesmo!...rssss

    Me embrenhei nessa história, e fui só te seguindo... te confesso que foi bem divertido, pois você sabe como prender a gente!

    Fizes-te bem em não comer hambúrguer!
    Afinal, comida de verdade se come é com garfo e faca!...:)

    Agora, te deixo um até breve, e volto para casa, que é "já ali".

    Paz e Bem!

    Cid@

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  2. É só para não se sentir totó e só, vim visitar seu blogue.
    Gostei muito do que li. Na América, normalmente, pode-se sempre virar à direita, mesmo que esteja vermelho.
    E depois de tudo isto fiquei com uma vontade imensa de comer cerejas, porque começou o tempo delas e a imagem me despertou.

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  3. Eu ontem pedi a uma colega para me guardar o guarda-chuva, achas que terei de casar com ela?

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  4. Embrenhei-me na história que soube-me a pouco e a indicação de um trajecto ou local num "é já ali" fiz um retorno às minhas origens...porque a cidade mais próxima era a 240kms e para nós era mesmo já ali:) Resultado? Totós com fartura.

    A ligação que fazes da "seca" de miúdo à fase adulta está soberba.

    Constantino...esta irá dar seguimento à das focas...porque as minhas netas já me pediram outra história do "Constantino" e esta vai colmatar o hábito natural delas e de todas as crianças num trajecto: Ainda falta muito?

    Beijocas e obrigado por este momento de leitura onde a gargalhada foi o escape mais saboroso.

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  5. Rafeiro, se ela não ladrar, porque para rafeiro já basta um e tiver um cabelo bonito podes. Não te estou é a ver a comer de faca e garfo. Grande abraço. Já agora, quando é que voltas a editar?

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  6. A bigamia ainda é crime, pelo que convém pedir o guarda-chuva de volta. Quanto a editar, se eu deixar de ser molenga e a editora for na conversa, ainda este ano.

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  7. Parece-me que ainda aqui não tinha vindo ler-te! Foi um prazer. Acho uma delícia o 'Constantino, guardador de vacas'!!
    Beijos

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  8. eu também já fui totó ( aqui dizemos "pagar mico") na California, onde mora meu filho. Sozinha, e quase sem falar inglês, perdi-me numa trilha a pé. Por sorte achei um monte de garis ( varredores de rua), todos hispanos, que ao lhes perguntar se falavam espanhol, responderam às gargalhadas: " é o que fazemos de melhor!!". E eu, graças aos céus, pude me entender com eles e descobrir o caminho de casa ;)

    Só não entendi essa de garfo e faca.

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  9. Olá!
    Gostei muito de conhecer o "Constantino, guardador de vacas". Já conhecia o outro, o "Constantino, guardador de rebanhos e de sonhos" do nosso Alves Redol...
    E pronto, gostei de te "ler", divertiste-me, fizeste-me sorrir...
    E vou voltar...

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  10. Constantino, obrigada pela visita e pelo comentário em meu blogue. Gostei do seu. Virei aqui mais vezes. E retorne ao meu sempre que quiser, afinal, "é já ali". Abraço.

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  11. É assim mesmo... um jantarzinho melhorado sabe que nem ginjas!!!
    (Aquelas do caminho para o casamento... lembras-te?! Aquele que era já ali...!).

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  12. Quem nunca foi totó na vida? Todos temos as nossas totózices, importante é que não seja a regra, mas a excepção... :)

    Beijocas!

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  13. Muito interessante, ainda por cima, as distâncias americanas são imensas...
    Apareça lá pela bonecada e grato pela visita.

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  14. mas essa fotografia das cereja deu-me um desejo!
    kis .=)

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  15. Olá, Constantino!

    Pois, esta faz lembrar África, em que tudo ficava "já ali", só que não se sabia exactamente onde...
    E quanto à California, onde também já estive,tive mais sorte do que a sua, e um dia trarei aqui a história.

    Gosto da sua escrita bem disposta, que dá prazer ler. Rirmo-nos de nós próprios é saudável; também gosto de o fazer.

    Um abraço.
    Vitor

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  16. Estou rindo alto :) Constantino, o seu totó tem um ritmo incrível, um senso de humor e um texto deliciosos!
    Beijoss

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  17. Cheguei agorinha mesmo e eu a pensar que era já ali:))) Mas valeu a pena a caminhada, apesar de não poder comer cerejas que adoro.
    Prendeu-me a sua história e a ironia saudável como está escrita.
    Vou continuar por aqui, entretanto vou comer de faca e garfo:)))

    Manu

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  18. Uff!!!

    O que eu passei prá cá chegar, pensando que era já ali.Estava com medo que estivesse só, mas pelos vistos ainda não mudou de postal, já que está tão bem acompanhado.:)

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