quarta-feira, 9 de novembro de 2011

73. Omo lava mais branco


Aquela iria ser a mãe dos seus filhos. Para o Joaquim Colaço, o Quim , não havia qualquer sombra de dúvida. Bonita e elegante vestia bem, embora parecesse não ter um vasto guarda- roupa, gostava de usar aquela saia plissada anos cinquenta e uma blusa de chita vintage às flores, com que se costumava apresentar nos bailes da sociedade aos domingos e, um vez por outra via-se com um vestido de organdi, não muito justo mas que, ainda assim, lhe fazia realçar as curvas, empinar os glúteos e sobressair o bonito peito que um soutien, onde era possível descortinar uma sensual renda de cetim, melhor o enaltecia. Para o Quim, sei-o, terá sido amor à primeira vista.

O Quim era um galã, moda antiga, muito influenciado por Errol Flyn, usava um bigode finíssimo que lhe embelezava o sorriso e, de quando em quando, deixava crescer uma pequena pera que o assemelhava ao RobIn Hood. Aliás, o Quim chegou durante os tempos da adolescência a ser mesmo alcunhado de Joaquim dos Bosques. Quando o viram de braço de dado com Marianinha, ela de cabelo ondulado, apanhado em cima como que fazendo uma coroa, vestindo um vestido aveludado em bordeaux, que nunca ninguém lhe tinha visto antes, qual Olívia de Havilland e ele com um sobrepeliz de pele de vaca e brilhantina na cabeça, pareciam um casal por detrás da claquete de  Michael Curtiz. Mas a surpresa não era a forma como se apresentavam, embora o vestido de Marianinha fizesse um vistão, nem como cuidavam e penteavam o cabelo. O que causou surpresa em todo o bairro, conhecidas que eram as constantes recusas de Marianinha e a vida um bocado cabeça ao vento e desbragada do Quim, foi o facto de se encontrarem juntos. Quim tinha levado a sua avante. Mas como em todas a histórias que conheço e que vos tenho aqui contado não há bela sem senão, quando se oficializou o namoro, Quim foi autorizado a frequentar a casa de Marianinha, todos os dias da semana exceto à quinta feira. Quinta feira era o dia da barrela e a porta de casa de Marianinha não se abria para ninguém.

A primeira questão se pôs a Quim era o que seria esse tal dia da barrela. Ele conhecia vários dias famosos, o dia do trabalhador que naquele tempo não era feriado, mas que sempre que coincidia com um fim de semana se comemorava com idas ao campo e piqueniques, o dia de Natal, que sempre foi comemorado em sua casa com bacalhau e filhós, o dia do pagamento da renda de casa, que calhava sempre a dia oito de cada mês, mas do dia da barrela ele nunca tinha ouvido falar. Quando, naquela quinta feira, a curiosidade superou o compromisso, Quim bateu, como de costume, três vezes na aldraba do portão. Marianinha nunca se sentiu tão encavacada e sem soluções. Ainda procurou um lençol para se cobrir, mas sem qualquer sombra de êxito. Afinal de contas, era o dia da barrela e toda a roupa da casa estava a lavar. Num desespero, enrolou-se na organza do cortinado da sala e abriu a porta ao seu Robin. Quando o Joaquim Colaço deparou com toda aquela transparência viajou até à floresta de Sherwood e nadou nu nos lagos de Nottingham.

13 comentários:

  1. Olá, Vitor Fernandes!

    Felizardo desse Quim, que logo havia de arranjar uma namorada com pouca roupa...
    Bela história!

    Um abraço.
    Vitor

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  2. Ahh, linda história de amor!

    Romântica, sensual e, tal como eu gosto, com um final feliz!

    Só tenho pena que o Quim não fosse um galã mais ao jeito do Rock Hudson. Já sei, veio a saber-se que esse pedaço de homem era afinal OMO.
    Isso agora não importa para nada.
    Nunca senti a mínima atracção pelo Errol Flyn.
    Aquele bigode fininho e o ar um pouco efeminado nunca me disseram nada.
    Mais vale ser do que parecer!

    Mas voltando à narrativa, essa do dia da barrela em que o Quim resolveu violar a regra da abstenção (dele), ou melhor, da não visitação, não impediu em nada o final feliz da história.

    Há coisas em que se é o último a saber!

    Depois há lá coisa mais bonita
    do que ter uma mulher que usa bela lingerie, saias plissadas e blusas de chita?


    Não sabe já que depois de tornarmos público algo que antes era só nosso, isso fica à interpretação de quem nos lê?

    Bem fez o Colaço, qual Robin Hood, em se ter embrenhado pela floresta de Sherwood e esbracejado no lago de Nottingham.

    Parabéns! Gostei imenso desta estória.

    Beijinhos.

    Janita

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  3. Belo conto romântico.

    Como sempre...o teu humor!

    Imaginei o Quim a cantar... "Estou na lua".

    Bjs.

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  4. Pobrezinhas mas lavadinhas, como se quer ahah.

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  5. Branco? eu vi rosa! tou daltónica???
    kis :=)

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  6. Parecida só a Nini... que vestia de organdi... e cantava!!

    Um abraço, pá!

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  7. Magnífico:):):) e com um final soberbo:)

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  8. Pobre Quim! Como um pedaço de organza “desconcerta” um homem... ou melhor... o que está por de trás de um tecido! : )

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  9. Lá diz o velho ditado: "Quem espera sempre alcança"

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  10. nadar nu já não é mau

    pior se lhe tivesse dado um AVC

    brinco

    gostei muito do pequeno conto.

    um beij

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  11. Vítor Fernandes, a narrativa tao bem descrita, nos mantém atentos até o fim.
    E tu pareces ser um profundo conhecedor da natureza das mulheres. Usas uma argumentaçao tao convicente que até imaginamos.te personagem principal do texto, até tentei lhe imaginar com um bigode à Errol Flyn...

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