Foi por causa do Maia Brás que a nossa equipa de
futebol, no interturmas da Náutica, se chamou Quiaios Team. O Maia Brás,
apelido deste nosso amigo, e tal como era conhecido na Escola Náutica Infante
D. Henrique, era natural de Quiaios.
Contou-me
um dia, que o nome da sua terra provinha de uma evolução fonética utilizada,
durante a chamada reconquista cristã, por um soldado de Afonso Henriques, o
nosso D. Afonso I, que ao descortinar escondidos nos ramos de uma oliveira, a
celebríssima oliveira de Quiaios, uns quantos guerreiros mouros, terá gritado –
Aqui há-os! Aqui há-os! E daí Quiaios.
Quiaios Team, quiçá a pior equipa que
alguma vez tenha participado num interturmas da Escola Náutica. É verdade! A nossa turma de Máquinas estava recheada de
craques, mas era uma cagona. Sim uma cagona, porque tinha a mania. Eram só
futebolistas de eleição, alguns altos e outros altos e loiros, alguns que
sabiam fazer muitas fintas, um outro que jogava no Oeiras! Tudo muito bom, tudo
escolhido a dedo, tudo muito habilidosos… infelizmente, digo infelizmente
porque eu também pertencia à turma, mas não à equipa e tive pena, eles não passaram
da cepa torta. Quanto a nós, o Quiaios Team, ficamos em último, contudo com
muita honra.
Conta
lá isso bem de ficarmos em últimos e com muita honra…
Dois de nós não podíamos fazer parte
da “equipa da turma”, a dos craques pois, como andávamos no Técnico ao mesmo
tempo, não estávamos lá quando se formou a linha, disse um, o dono da equipa,
mas que por pudor não digo aqui o nome. Tretas! Bullshit! Mas não, não nos ficámos. Ah, isso não. Fomos à procura
de malta.
O Barreto que era muito alto
-
Futebol, o que é isso?
só sabia jogar basquete. Pegava numa
bola de futebol e lançava-a ao cesto. E depois ria-se.
O Nuno não era muito alto, mas era o
companheiro do Barreto a jogar basquete e amigo de família, ambos retornados de
Moçambique, já se conheciam de Lourenço Marques, sabia o que era uma bola de futebol,
mas não sabia como chutá-la.
O Acácio que também sobrou de outra
turma, que embora gostasse de jogar futebol também era mais basquete. Acho que
chegou ainda a jogar oficialmente.
O Rui e eu também alinhamos, nos dias
que não tínhamos obrigações no Técnico e, finalmente,
o Maia Brás que era o guarda-redes, sem
técnica, sem saber quando ir à bola, mas corajoso, ficando muitas vezes com as
mãos a escaldar quando a bola aparecia com mais força. E foi assim que levamos
cabazadas atrás de cabazadas até que um dia decidimos colocar o autocarro à
frente da baliza. Mas isso ficará para outro dia.
É
pá hoje foi pequenino!
E foi.
No
dia que o meu amigo e colega de quarto na residência da Escola Náutica me
contou como surgiu o nome de Quiaios, inventei, por analogia, a origem do nome
de Lisboa. Embora sem a ficção que coloquei no texto seguinte, foi assim que acabamos
a conversa do dia e apagamos a luz, porque às oito da manhã iriamos ter um
teste de motores. Aqui partilho então a explicação que lhe dei da origem do
nome da nossa Capital.
Agora que já sabem como surgiu o nome
de Quiaios, fiquem a saber como nasceu o nome da nossa Lisboa. Também durante a
reconquista cristã, uns diazitos após “aqui há-os” lá para as bandas da
Figueira da Foz o que viria a ser Quiaios, os soldados portugueses, em consequência
do entalanço do nobre Martim Moniz nas portas do Castelo e como prémio de jogo,
já que nesse tempo só se pagavam como Ronaldos, os padres, os nobres, os
fidalgos e os cavaleiros, com conventos, terrenos e até povoações inteiras,
tiveram direito a folga. Desceram a costa do Castelo, embrenharam-se na
Mouraria, ouviram ou então pensaram ter ouvido um fadista louco, beberam na
tasca do Gingão, compraram pentes para os longos cabelos e pensos rápidos para
cobrir uns arranhões que um ou outro mouro mais atrevido lhes tinham feito e
que à conta disso acabaram por perder as cabeças, no largo que mais tarde haveria
de ter o nome do nobre mártir, a uns indianos que iam a passar (houve um que
comprou flores), jogaram moeda ao ar, creio que um cruzado novinho em folha,
quer-se dizer novinho em cobre e prata, e saiu-lhes subir a Almirante Reis,
muitos anos, mas mesmo muitos, antes do tal Almirante ter nascido. E se o carbonário
ainda não tinha nascido, também o não tinha Diogo Inácio de Pina Manique o que
haveria de ser Intendente do Reino e a quem lhe foi atribuído nome de Largo,
por acaso durante muito tempo de má fama pela sua frequência. E é aqui que
retomamos a toponímia, ou melhor dizendo de toponímia temos nós estado a falar,
retomamos o tema que foi o da origem etimológica desta nossa linda capital: Lisboa.
Um dos guerreiros, já com um grão na asa, pois não lhe tendo bastado o canjirão
de tintol que havia virado na tasca da Rua do Capelão, ainda desrespeitou o
sorteio de cruzado ao ar que os mandava para a direita e sem ninguém ver,
virou-se para a esquerda, não por qualquer convicção política, mas porque
alguém já lho tinha recomendado e deu um salto ao Rossio, onde entornou de
seguida duas ginjinhas com elas, entornou é como quem diz, ah não que ele não
sabia o que era bom, não tivesse ele passado por Óbidos quando marchou de
Quiaios por aí abaixo para tomar o castelo de uma das mais belas colinas da
nossa cidade. E para que não nos percamos neste relato, o dito soldado que
mesmo correndo aos zigues-zagues ainda teve tempo de apanhar os seus camaradas,
que se haviam distraído a olhar para umas lojas de chineses, embevecidos com os
rádios transístores e uns vestidos em algodão e poliéster que estavam nas
montras e por um tipo de tez morena e cabelo com brilhantina que lhes tentava
vender relógios, em pleno largo do Intendente, olhando um grupo de moças, a que
alguém teima em dizer que eram meretrizes, mas que se limitavam a rodar a
bolsinha por um cordão enfiado no dedo indicador, gritou a plenos pulmões,
embora a voz lhe tenha saído um pouco
arrastada e, diz quem assistiu, um bocado aos soluços: - Ali as boas! E pronto a evolução fonética encarregou-se do resto,
os acordos ortográficos, mormente a Reforma de 1911 que acabou praticamente com
o grego da nossa escrita, deu-lhe o formato final. Talvez por isso eu me tenha
visto grego para vos relatar facto histórico tão relevante para a nossa
portugalidade, como seja o nascimento desta Lisboa que eu amo. E se o Rei
morreu, alguns anos depois e o último se finaria de morte matada em pleno
Terreiro do Paço, por aqui me fico porque eu gosto mesmo é de jogar à bola.
Algumas notas finais, de frases e
diálogos não introduzidos no texto para que não se perdesse o fio à meada:
-
Quer frô? (pergunta feita no largo Martim Moniz por um vendedor
que se julga, só alguns anos depois poder ter vindo da Índia ou do Paquistão).
- Este
gajo não canta nada (frase ouvida sair de uma tasca na Rua da Amendoeira,
em plena Mouraria, que levaria a uma altercação da ordem pública, mas onde os
guerreiros não intervieram, não só porque estavam de folga, mas também porque
de fado não percebiam nada, o que não lhes permitia tomar partido).
- Aiiii, este relógio é baratoooooo,
é um rolecsiiii…
- Mas que merda é essa de rolecse?
- Não ligues pá, isso deve ser fake
- Mas eu nem sequer sei o que é um
rolecse…
- Ó mano, não vês que é assim uma
espécie de ampulheta, mas para trazer no pulso.
- Esquece meu, vamos mas é às putas!
Depois destas brejeirices, muito
comuns entre soldados, ficou o tipo do cabelo com brilhantina e fato de fino
corte a coçar a cabeça e a pensar que raio seria isso de ampulheta…
- Não achas que aquele vestidinho
vermelho ficava mesmo a matar à minha Genevève?
- Olha lá, ó cruzado, lá na tua Gália
não há melhor coisa que estes vestidos chineses, assim tipo um Rabanne ou um
Dior?
- Se calhar, mas não tenho tido tempo
de ir às compras com ela e a minha Genevève não se despe nem se veste à frente
de mais ninguém que não seja cá o je.
E por fim:
- Donde é que vens com essa tosga na
carola, óh guerreiro Rodrigo do Alto Minho?
- Vai chamar bêbado ao teu pai. Vê lá
se queres que eu mande aqui um palavrão à moda de Barcelos.
- É pá isso não, que isso dá galo e
ainda temos o resto do país para conquistar.
E assim se foram eles, direitos ao Intendente, criar o
nome da cidade.