quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

223. Carta ao Futuro (Janeiras)


Querido Futuro,
espero que esta minha carta te vá encontrar em perfeito estado que eu por enquanto cá vou indo, com um pouco de tosse é verdade, mas que não faço a mínima ideia como me encontrarei no dia em que, futuramente, receberes esta missiva.

Tenho grandes dúvidas sobre o Tempo, principalmente sobre o Futuro. Sei que pertences a Deus, pelo que por cá é dito, ou seja, que só a Deus tu pertences, isto a acreditar que no futuro ainda há Deus, uma vez que por cá o tratam tão mal mesmo que lhe chamando outros nomes, desde Jeová a Alá e, se uns passam o tempo a dizer que nunca haverá futuro tratando de acabar o mundo em cada efeméride, outros há que, invocando Alá, acabam com o mundo deles e com o mundo dos outros num simples troar de trotil, mesmo o daqueles que pensavam que um dia iriam ter-te, isto é iriam ter Futuro.

Mas meu caro Futuro, se a Deus pertences que Ele te conserve por muitos e muitos anos porque tu ainda nos vais fazer muita faltinha. Só para te dar dois exemplos da falta que nos farás, não te esqueças de preservar a água porque irá escassear drasticamente, no dizer dos cientistas e trata já de contratar uns pedreiros espaciais, não esperes que sejam outros Futuros teus descendentes a fazê-lo, porque nunca é tarde para começares a tapar aquele buraco do ozono que nos provoca um aquecimento do catano, hoje em dia conhecido como global. E por falar em calor, diz-me lá se por aí voltou a moda do topless que aqui isso já foi coisa do passado e eu estou na idade de começar a ter só recordações. Quero dizer ainda não cheguei à idade provecta como certos amigos meus, mas acho que ao teu colo, isto é pela tua mão, meu caríssimo Futuro, lá chegarei.

Dizem que esperar dias melhores é uma questão de Fé. Pois é, meu caro, se calhar é, mas a Fé e o Futuro, como sabes melhor do que eu, são irmãos. Já agora antes que me esqueça, um beijinho fervoroso para a tua irmã Fé, que tanto me tem dado apoio em dias menos brilhantes. É que a Fé nunca é coisa do passado mesmo que de lá provenha, é sempre do Futuro mesmo que eufemisticamente confundida com a tua outra, a Esperança, graças a Deus também muito boa rapariguinha, e que se sabe que será de todas a última a morrer, provavelmente mesmo depois de ti, não leves a mal, ó Futuro, mana essa a quem costumo dedicar uma dúzia de passas de uva sem grainhas, no virar do ano, para outros tantos ensejos.

Sim meu caro Futuro porque dessa missão também tu te não livras. Se ainda há poucos dias eras Presente e no virar da folha do calendário já eras Passado, é nesta tua reencarnação como Futuro que depositamos os nossos ensejos. Não, não te apoquentes, ensejos não é um palavrão e muito menos lixo, é uma coisa boa, não é fazer de ti nenhum aterro sanitário nem forno de coincineração. Os nossos ensejos, sabemos nós e tu o confirmarás quando perderes o ceticismo, tu e os que são céticos em relação a ti, Futuro, ficarão muito bem à tua guarda. Não é por acaso que te escrevo, já deverás ter reparado.

Pois a partir de hoje, designo-te testamentariamente fiel depositário dos meus ensejos. Que outra demonstração de confiança poderia eu dar a outro alguém ou pedaço de tempo? Só tu Futuro mereces que te confie todos os meus desideratos.
Sei que nestes dias de início de ano andas sempre muito atarefado. Quanto mais não seja para salvaguardares as tuas queridas manas, a Fé e a Esperança para que não continuem a ser vilipendiadas por quem nada quer de bom para ti e para os teus, mas também a organizares espaço para acomodares as Esperanças de alguns outros e as Fés de muitos mais. Em cima de ti recai todo este ónus. Mas não te preocupes, sempre assim foi e sempre assim será.

Tens, é óbvio, a tua quota parte de responsabilidades. Tivesses em tempos, quando te conheciam por Passado e mesmo mais recentemente quando te rebatizaram de Presente, cuidado um pouco mais daqueles por quem deverias ter zelado e te desleixaste, quer por influência de bacocas demagogias, quer por interesses camuflados, pouco preocupados a não ser com o seu próprio Futuro, como se o Futuro pudesse ser uma coisa privada ou privatizável, e outro galo cantaria, quero dizer Futuro, que teria uma vida bem mais descansada. Mas tu deixaste que isso acontecesse, inadvertidamente é certo em algumas ocasiões, mas absolutamente conivente em outras. Sei que de algumas te arrependes mas o que te peço meu caro Futuro é menos arrependimento e mais ação. O Futuro não pode ser um lamechas muro de lamentações, precisa de ser ativo. Eu em próxima carta tentarei dar-te algumas dicas e quiçá mesmo diretivas. Bem sei que esta frase já te está a fazer pensar que agora sou eu a querer privatizar o Futuro e a tentar tratá-lo como meu. É capaz. Alguma parte será assim, mas debateremos profundamente as questões e aquilo que tu Futuro achares que não é o património comum que asseguras, aceito que te recuses a fazê-lo para mim.

Escrever-te-ei de novo noutra ocasião. Cumprimento às manas.

PS. Olha, se não achares que isto é meter uma cunha, trata-me bem da saúde. Quanto ao dinheiro, um dia explico-te o que é isso do Euromilhões. Beijinhos.