Nas
traseiras da minha casa há um céu azul. Hoje ele está cinzento porque o Sol se
zangou com os meus vizinhos e não compareceu à hora marcada. Em seu lugar,
carregadas com chumbo, pelo menos a cor assim o indica, vieram as nuvens, numa
marcha ora lenta, ora rápida, ao sabor e aos caprichos do vento. Nas traseiras
do meu prédio hoje há vento que faz vergar árvores de folhas verdes e árvores de
folhas grená. Um vermelho tão escuro e tão belo que se diria que cada folha foi
cuidadosamente mergulhada numa tina de tinta da mesma cor. E há também uma
árvore com flores cor-de-rosa. Da mesma cor das flores desta árvore são os
prédios, cujas varandas se veem da minha janela das traseiras. O prédio que
fica mesmo por detrás de mim, está pintado em dois tons de cor-de-rosa. O
prédio em si, de cor-de-rosa claro, como se fosse um vermelho-água, diluídas
que foram as folhas das árvores que povoam as minhas traseiras e as varandas,
num cor-de-rosa mais escura como se o tintureiro tivesse retirado as folhas das
árvores de dentro do químico um pouco antes do tempo. Do quase branco ao grená,
passam-se tantos tons da mesma cor que imagino que das folhas daquela árvore
também saiu o vermelho do sangue do tintureiro. E do cabelo da vizinha que mora
no rés-do-chão das traseiras do meu prédio. Nas varandas veem-se estendais mil
com roupas de mil cores. Hoje o céu está cinzento e o Sol não brilha amarelo na
anilada abóbada. Se o Sol estivesse amarelo, ver-se-ia que nos estendais dos
meus vizinhos das traseiras haveria calças azuis, pretas e castanhas, blusas
vermelhas, amarelas, violeta, vermelhas e até brancas e roupas íntimas pretas
da minha vizinha do rés-do-chão, do prédio que me fica nas traseiras. Pretas e
azuis, com florinhas. Ah não, não são todas pretas e azuis com florinhas. Essas
são as da vizinha do rés-do-chão do prédio cor-de-rosa que fica mesmo nas traseiras do meu prédio. No
terceiro andar, a vizinha usa sutian cor de salmão e no sétimo esquerdo a cor
roxa é a predominante. Roxa mas com rendas pretas. Não compreendo é porque é
que nenhuma das minhas vizinhas usa lingerie
verde-mar. Por exemplo, quando vem à janela fumar o seu cigarro, a vizinha do
segundo andar do prédio cor-de-rosa, esse, sim esse que estão a pensar, o que
fica mesmo nas traseiras do meu prédio, ela que é loira, o seu cabelo de um
loiro quase branco, não sei se o pinta se lhe nasceu assim, tem uns lindos
olhos verde-mar. Se eu tivesse uns olhos da cor dos dela e se eu fosse mulher,
naturalmente, usaria lingerie
verde-mar. Acho que condiria com a cor dos meus olhos. Mas na janela dela, a
par de um vestido cor de mel que deve ter levado a uma festa, pois o vestido é
um vestido de se levar as festas, de uma camisa branca com um bordado, também
branco no peitilho, umas calças azuis do dia-a-dia, uns shorts cor-de-laranja,
um camisolão que apenas deve estar a apanhar ar, pois é tempo da roupa grossa estar
arrumada nos armários, de lã purpura, tem também no estendal duas cuecas
brancas e um sutiã preto e branco, sarapintado. Não tem lingerie verde-água. Incrível! As cortinas da varanda da vizinha do
rés-do-chão do prédio cor-de-rosa que fica nas traseiras do meu prédio são
amarelas, com umas aplicações verdes desenhadas. A esta distância eu poderia
dizer que ela não teve mau gosto na escolha da cor e do motivo das cortinas.
Parecem-me harmoniosas. Quando ela vem à varanda, porque ela gosta de vir à
varanda, naturalmente, sobressai o seu cabelo pintado de vermelho, um cabelo
com um corte d’époque, uma blusa fina
de licra branca, bem colada ao corpo e umas cuecas azuis com florzinhas. Sim
porque quando o céu está azul e o sol está amarelo, a minha vizinha gosta de
vir em cuecas para a varanda. Só não entendo porque é que não vem de cuecas
vermelhas. Ficar-lhe-ia melhor com o cabelo.
Pena já não se usarem combinações... :)
ResponderEliminarO céu cinzento com nuvens carregadas de electricidade, que quando descarregam a sério até racham um chaparro ao meio, deram a volta ao miolo do escritor!
ResponderEliminarSó pode!!
O homem só vê calcinhas e soutiãs às bolinhas? Isso serão alucinações, febres ou sezões?
Lamentavelmente, há um estendal em que jamais poisará o seu olhar e onde não faltam lindas e rendadas peças de lingerie verde-mar...
Nem sempre o que é bom é para se ver. Muito menos para descrever.
Isto, hoje, não tem ponta por onde se lhe pegue. Acho que uns pachinhos de água fria na testa vinham a calhar...
É pá, tens mesmo que publicar isto. As férias atrasaram-me a leitura e eu não tenho um tablet, que é uma daquelas coisas que dá para ler em qualquer lado, mesmo quando um gajo está ocupado...
ResponderEliminarOi Vitor
ResponderEliminarImpressionou-me essa vista pra a 'traseira do seu prédio'.
Convenhamos que a paisagem não é lá essas coisas ... rs preferia ver o verde-mar derramando suas ondas na areia naquele vai vem sem cessar do que ter que dialogar com soutiens ,cuecas ?( aqui são as intimidades masculinas), calcinhas quer dizer...ou camisetas ? sei lá me confundo com esse portugês aportuguesado ...
a sua vizinha de cuecas(?) na varanda...
pega mal aqui rsrs
Adorei Vitor adorei! bem 'harmonioso'se não fosse a confusão que me causa essa de cuecas e camisolão...
Precisamos providenciar uma cortina aí nesse cantinho onde espreita e acompanha pelos varais, moda por aí...( aqui fica escondidinhos) rs, sim uma cortina pra te tirar essa visão dos deuses... rs
meus abraços
Que bela crónica feita num dia de céu cinzento mas tão colorida, tão cheia de graça, com mulheres que não passam mas permanecem à janela, à varanda ou simplesmente penduradas na lingerie de estendal! :-))
ResponderEliminarA tua prosa encanta-me!
ResponderEliminarbeijinho
cvb
Puxa rapaz moram coladinhos ou estarás de binóculos? É que muitas e muitos fazem isso quando se sentem observados lol
ResponderEliminarFizeste-me rir à gargalhada.
No prédio atrás do meu não vejo nada disso, talvez por morar num 1ºandar só vejo estender roupa e é engraçado ver as diferenças: as mulheres estendem para a frente, a frente da roupa, os homens estendem para eles, a frente da roupa.
À frente vejo o trânsito e não vejo vizinho algum pela árvore que está mesmo à frente da minha janela que me tapa as "bistas".
Gostei!
Beijos