sábado, 28 de julho de 2012

161. Um dia cinzento



Nas traseiras da minha casa há um céu azul. Hoje ele está cinzento porque o Sol se zangou com os meus vizinhos e não compareceu à hora marcada. Em seu lugar, carregadas com chumbo, pelo menos a cor assim o indica, vieram as nuvens, numa marcha ora lenta, ora rápida, ao sabor e aos caprichos do vento. Nas traseiras do meu prédio hoje há vento que faz vergar árvores de folhas verdes e árvores de folhas grená. Um vermelho tão escuro e tão belo que se diria que cada folha foi cuidadosamente mergulhada numa tina de tinta da mesma cor. E há também uma árvore com flores cor-de-rosa. Da mesma cor das flores desta árvore são os prédios, cujas varandas se veem da minha janela das traseiras. O prédio que fica mesmo por detrás de mim, está pintado em dois tons de cor-de-rosa. O prédio em si, de cor-de-rosa claro, como se fosse um vermelho-água, diluídas que foram as folhas das árvores que povoam as minhas traseiras e as varandas, num cor-de-rosa mais escura como se o tintureiro tivesse retirado as folhas das árvores de dentro do químico um pouco antes do tempo. Do quase branco ao grená, passam-se tantos tons da mesma cor que imagino que das folhas daquela árvore também saiu o vermelho do sangue do tintureiro. E do cabelo da vizinha que mora no rés-do-chão das traseiras do meu prédio. Nas varandas veem-se estendais mil com roupas de mil cores. Hoje o céu está cinzento e o Sol não brilha amarelo na anilada abóbada. Se o Sol estivesse amarelo, ver-se-ia que nos estendais dos meus vizinhos das traseiras haveria calças azuis, pretas e castanhas, blusas vermelhas, amarelas, violeta, vermelhas e até brancas e roupas íntimas pretas da minha vizinha do rés-do-chão, do prédio que me fica nas traseiras. Pretas e azuis, com florinhas. Ah não, não são todas pretas e azuis com florinhas. Essas são as da vizinha do rés-do-chão do prédio cor-de-rosa que fica  mesmo nas traseiras do meu prédio. No terceiro andar, a vizinha usa sutian cor de salmão e no sétimo esquerdo a cor roxa é a predominante. Roxa mas com rendas pretas. Não compreendo é porque é que nenhuma das minhas vizinhas usa lingerie verde-mar. Por exemplo, quando vem à janela fumar o seu cigarro, a vizinha do segundo andar do prédio cor-de-rosa, esse, sim esse que estão a pensar, o que fica mesmo nas traseiras do meu prédio, ela que é loira, o seu cabelo de um loiro quase branco, não sei se o pinta se lhe nasceu assim, tem uns lindos olhos verde-mar. Se eu tivesse uns olhos da cor dos dela e se eu fosse mulher, naturalmente, usaria lingerie verde-mar. Acho que condiria com a cor dos meus olhos. Mas na janela dela, a par de um vestido cor de mel que deve ter levado a uma festa, pois o vestido é um vestido de se levar as festas, de uma camisa branca com um bordado, também branco no peitilho, umas calças azuis do dia-a-dia, uns shorts cor-de-laranja, um camisolão que apenas deve estar a apanhar ar, pois é tempo da roupa grossa estar arrumada nos armários, de lã purpura, tem também no estendal duas cuecas brancas e um sutiã preto e branco, sarapintado. Não tem lingerie verde-água. Incrível! As cortinas da varanda da vizinha do rés-do-chão do prédio cor-de-rosa que fica nas traseiras do meu prédio são amarelas, com umas aplicações verdes desenhadas. A esta distância eu poderia dizer que ela não teve mau gosto na escolha da cor e do motivo das cortinas. Parecem-me harmoniosas. Quando ela vem à varanda, porque ela gosta de vir à varanda, naturalmente, sobressai o seu cabelo pintado de vermelho, um cabelo com um corte d’époque, uma blusa fina de licra branca, bem colada ao corpo e umas cuecas azuis com florzinhas. Sim porque quando o céu está azul e o sol está amarelo, a minha vizinha gosta de vir em cuecas para a varanda. Só não entendo porque é que não vem de cuecas vermelhas. Ficar-lhe-ia melhor com o cabelo.


7 comentários:

  1. Pena já não se usarem combinações... :)

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  2. O céu cinzento com nuvens carregadas de electricidade, que quando descarregam a sério até racham um chaparro ao meio, deram a volta ao miolo do escritor!
    Só pode!!
    O homem só vê calcinhas e soutiãs às bolinhas? Isso serão alucinações, febres ou sezões?
    Lamentavelmente, há um estendal em que jamais poisará o seu olhar e onde não faltam lindas e rendadas peças de lingerie verde-mar...
    Nem sempre o que é bom é para se ver. Muito menos para descrever.
    Isto, hoje, não tem ponta por onde se lhe pegue. Acho que uns pachinhos de água fria na testa vinham a calhar...

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  3. É pá, tens mesmo que publicar isto. As férias atrasaram-me a leitura e eu não tenho um tablet, que é uma daquelas coisas que dá para ler em qualquer lado, mesmo quando um gajo está ocupado...

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  4. Oi Vitor
    Impressionou-me essa vista pra a 'traseira do seu prédio'.
    Convenhamos que a paisagem não é lá essas coisas ... rs preferia ver o verde-mar derramando suas ondas na areia naquele vai vem sem cessar do que ter que dialogar com soutiens ,cuecas ?( aqui são as intimidades masculinas), calcinhas quer dizer...ou camisetas ? sei lá me confundo com esse portugês aportuguesado ...
    a sua vizinha de cuecas(?) na varanda...
    pega mal aqui rsrs
    Adorei Vitor adorei! bem 'harmonioso'se não fosse a confusão que me causa essa de cuecas e camisolão...
    Precisamos providenciar uma cortina aí nesse cantinho onde espreita e acompanha pelos varais, moda por aí...( aqui fica escondidinhos) rs, sim uma cortina pra te tirar essa visão dos deuses... rs
    meus abraços

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  5. Que bela crónica feita num dia de céu cinzento mas tão colorida, tão cheia de graça, com mulheres que não passam mas permanecem à janela, à varanda ou simplesmente penduradas na lingerie de estendal! :-))

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  6. Puxa rapaz moram coladinhos ou estarás de binóculos? É que muitas e muitos fazem isso quando se sentem observados lol

    Fizeste-me rir à gargalhada.

    No prédio atrás do meu não vejo nada disso, talvez por morar num 1ºandar só vejo estender roupa e é engraçado ver as diferenças: as mulheres estendem para a frente, a frente da roupa, os homens estendem para eles, a frente da roupa.

    À frente vejo o trânsito e não vejo vizinho algum pela árvore que está mesmo à frente da minha janela que me tapa as "bistas".

    Gostei!

    Beijos

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