Regressavam
de mais um festival pop em Paredes de Coura. António Cipião era um filho dos sixties, cresceu marcado por Woodstock,
sabia de cor e salteado todas as canções de Bob Dylan, chegou a ter o quarto
forrado com posters da Joan Baez, do Jimmy Hendrix, tocava viola elétrica,
usava o cabelo comprido, quase pelo meio das costas e deslocava-se quase sempre
numa Harley-Davidson já velhinha mas com os cromados sempre muito bem polidos.
Na terra era
o Toy. Uns chamavam-lhe o Toy guedelhas, outros chamavam-lhe gabirú e outros,
ainda que à socapa, chamavam-lhe o filho do padre. A história de criança do Toy
conta-se muito rapidamente. Tinha cinco anos quando o senhor Leandro, maioral
na herdade do Lima, caiu de um cavalo que tomou o freio nos dentes e, desgraçadamente,
veio a bater com a cabeça numa rocha que se salientava do solo. Teve morte
imediata e a D. Principilina vê-se assim viúva com um órfão de cinco de anos
nos braços e com um bucho de quase sete meses. O que iria ser dela? O patrão
iria pô-la fora com certeza. Quis o destino que D. Sebastiana Lima, a mulher do
patrão e senhora de muita devoção, não só interviesse junto do seu marido, que
de compaixão não teve que ter, já que o cavalo, por mor da queda juntamente com
o maioral partiu uma perna e teve de ser abatido, o que acelerou a expulsão da
prenha Principilina e de Toy, mas também junto do senhor prior a quem a esmola
da família Lima era um bem a não desconsiderar. Torna-se assim a mãe de Toy na
criada de D. Januário Peres e D. Januário o protetor das crianças, por favor de
quem, Toy acabou a estudar num seminário em Beja e mais tarde, dada a sua pouca
vocação para as coisas celestiais, no Liceu da mesma cidade. Mais tarde, quando
em Lisboa se formou em engenharia agrónoma foi na escola agrícola de Évora que
arranjou colocação como professor. Entre o Baixo e o Alto, o Alentejo e as
coisas do Alentejo nunca lhe saíram das veias e ao Alentejo regressava naquela
tarde, depois de uma semana fora, por causa do habitual programa musical no
Minho.
A sempre
verde paisagem minhota era um complemento para ele da seca doçura das cearas do
seu Alentejo. O estudo das espécies vegetais era mais do que uma paixão ou uma
obrigação profissional. Embrenhar-se por matas era acima de tudo um prazer. Com
Marta, raras eram as vezes que as florestas não ficavam com o que contar. Depois
de divorciado de um casamento de mais de vinte anos, com uma mulher à moda
antiga, de famílias conservadoras, que durante largos anos, a troco de um
complemento ao seu baixo salário como professor acabou por “vender” a própria cabeleira,
vendo-se de Toy guedelhas, passar a Toy militar, graças às carecadas que amiúde
lhe levavam a melena, vê-se envolvido com Marta, mais jovem do que ele cerca de
trinta anos, a nova professora de biologia molecular, que rapidamente e quase à
primeira vista, caiu nos braços do filho do padre.
Marta era,
ao contrário de Perpétua a sua primeira mulher, uma fulana demasiado avançada.
Vestia de uma forma arrojada que o calor do Alentejo não só permitia, mas
também estimulava. Minissaias, decotes soberbos, dispensa frequente de soutien e outros arrojos que não vale a
pena descrever, era tão terna como eternamente enamorada. Os lábios carnudos
debotavam sexo, as ancas proeminentes exalavam sexo, o andar gingado fremia
sexo. E Toy, já nos seus sessenta anos, não era rapaz de ficar para trás.
Estava ali o par ideal que amava ao som da guitarra de Jimmy Hendrix, das vozes
roucas de Janis Joplin e de Joe Cocker, do cantar trinado de Baez, do folk dos
The Band, do country de Bing Crosby ou Niel Young, do rock do Blood Sweat and
Tears..
Regressavam
de Paredes de Coura. Ela no banco de trás da Harley com os seios salientes,
diga-se em abono da verdade, colados nas suas costas, ele de braços levantados
no guiador bem aberto e levantado da mota, ambos de capacete, mas ambos de
madeixas ao vento, entoando Mercedes Benz e Gracias à La Vida e outras que a
deslocação do ar não deixava que fossem percetíveis. Quando, para fazer
descansar as ancas e os traseiros, depois de terem entrado no Alentejo, pararam
na área de serviço de Vendas Novas, Marta salta da mota, Toy segue-lhe os
gestos, olham um para o outro, dão um beijo bem terno e Toy pergunta a Marta,
- Sabes o
que me está a apetecer agora, amor?
- Vá lá, diz
tu, para não ser sempre eu a sugerir – continuou Marta, dando sequência à
pergunta de Toy.
- Um
gaspacho. Um gaspachinho bem fresco. Ai que saudades!
Está linda, gostei, só é pena dos pobres desgraçados terem que ser Alentejanos , mas pronto está bem.
ResponderEliminarE as histórias (não estou a falar em anedotas) que eu conheço com alentejanos? Espere por mais.
EliminarEheheh, cheira-me que essa Marta vai de ter de encontrar outro parceiro mais à sua altura, que aposto que não era gaspacho que lhe estava a apetecer... :)))
ResponderEliminarBeijocas!
A Marta adora gaspacho... antes e depois :)
EliminarBeijocas
Ah ah ah!
ResponderEliminarJá há tempos que não parava na blogosfera, também eu tinha saudades!
Eu tenho estado de férias, mas a blogosfera é uma das minhas paixões.
EliminarA menina da foto é minha Amiga :-)
ResponderEliminarSabias que ela toca com a Celina da Piedade? (Já agora qual é o nome dela?)
EliminarChama-se Tânia Lopes (está no meu FB) e pertence aos Homens da Luta :-)
EliminarGostei e também senti saudades...do gaspacho!
ResponderEliminar"... só é pena dos pobres desgraçados terem que ser Alentejanos"
Pobres desgraçados?? Há lá povo mais nobre e leal do que o alentejano?
Ai, anónimo/a a tua sorte é não te identificares...vê-se bem que não és alentejano...
Janita, a anónima é uma conhecida minha e também é alentejana ahahahahah.
EliminarBeijocas.
Estou a ver que do espírito de Woodstock o Toy só tinha o cabelo...
ResponderEliminarNaquele momento... pensei que a bela e ancuda Marta quisesse levar com o gaspacho...mas, enganei-me.
ResponderEliminarDescreveu um bonito casal Vitor só não arranje confusão e ciumeira , deixe-os por um tempo viver essa vidinha de sexo e rock in roll rs ok?
ResponderEliminarsaudade também de ti .E o Alentejo só vejo em fotografias , ah povo feliz com um horizonte a perder de vista...
abraços Vitor
na proxima diga lá como degustaram o tal 'gaspacho'se é que ficou só nisso ... rsrs
aumentaste as letras? ainda bem, assim nao tenho de usar a lupa
ResponderEliminarkis :=)
A sério que pensei que lhes apeteceria uma outra coisa...
ResponderEliminarUm abraço.
Olha eu aqui de novo, Vítor Fernandes! Passei um tempão sem das as "caras"... Tou pensando em recomeçar a leitura de toda a saga de Ismael, me perdi toda (nem GPS eu tenho).
ResponderEliminarEnquanto não recomeço, fiquei me deliciando com a leitura desse texto, cantarolando Mercedes Benz e Gracias a la Vida... E sentindo o vento da liberdade na cara e bailoçando meus cabelos...
Se o Toy e a Marta estiverem este fim de semana em Faro, na Concentração motard talvez comam um arjamolho, que é o gaspacho de cá. :)
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