sábado, 1 de outubro de 2011

66. Postetxea



Esta história, que ele não me contou porque eu próprio assisti, já a tenho ouvido contar a outros, noutras circunstâncias e com outros intervenientes mas, normalmente, com o mesmo fundo ou, como hei-de dizer, querendo mostrar o mesmo. Conheço-o há muito anos e sou seu companheiro de viagem desde há longa data também. Sei que ele se desenrasca em qualquer parte onde vá, não porque fale muitas línguas, quero dizer, safa-se em inglês, é mais forte em francês e, em castelhano, surpreendeu-me pela quantidade de vocabulário que possui. Ainda no domingo passado, estivemos com uma família brasileira sua amiga e quando ele se saía com um está muito giro logo corrigia para muito legal, pronunciando legau para que não restassem dúvidas. Com isto quero dizer que, se acrescentarmos o Português do Brasil, ao Português de Portugal, ele desenrasca-se falando em pelo menos metade do globo. E prometeu-me que iria tentar aprender um pouco mais de russo, mas descartou de imediato aprender mandarim ou árabe. Diz que não tem muito jeito para o desenho.

Já o vi entrar em muitos gags linguísticos, no último dos quais tive de lhe dar uma cotovelada para que o polícia da alfândega americana em Nova Iorque não pensasse que ele estava no gozo. Então não é que quando o polícia lhe perguntou what are you doing here? , em vez de lhe responder que estava em turismo, respondeu-lhe, I’m talking to you, sir… Mas a mais engraçada dele foi quando pediu um sumo de laranja num bar de hotel em Madrid. Pediu-o em português, sem mais nem outra e a resposta que obteve foi, yo no hablo inglês, señor. Depois foi vê-lo (e ouvi-lo) pedir,  jus d’orange,  orange juice e até suco de laranja, sempre acompanhado do respetivo s’il vous plait, please ou por favor, recebendo  sempre a mesma resposta do garçon, yo no hablo inglês, señor. Quando se lembrou que era zumo de naranja, recebeu um largo sorriso de volta, um estava de broma comigo?  perguntado sem rancor nem má cara e porque acertou finalmente teve direito a um platito de tapas e  um outro com  aceitunas, por supuesto.

Ao ouvir o Maciel contar-lhe o embaraço que teve em Algeciras para pedir duas cervejas, tentando espanholar (ou portinholar) a palavra, que foi desde cerberra a xerbexa passando pela inevitável cervieija,  com o empregado do balcão a olhar para ele e a fazer a sua já famosa cara número três, riu-se e disse-lhe em  bom português, quero duas cervejas se faz favor diga-se assim ou não, ao que o empregado, em português fluente, lhe respondeu, já podia ter dito,  decidiu então que desta vez o gesto seria tudo. Mas não o conseguiu exatamente. Quando viu o pequeno magote de quatro idosos conversando naquela praça de Santurce, uma pequena vila portuária do país basco, aproximou-se e perguntou-lhes onde eram los correos. Olhando uns para os outros e encolhendo os ombros, ouviram-no repetir, señores, por favor,  los correos. Nada, ninguém entendeu. Puxou do envelope que levava no bolso do blusão, mostrou a carta, fez um pequeno gesto retangular no local do selo, disse-lhes meio furibundo comprar sello e eis senão quando escutou os quatro em coro Ah! Los correos! Jurou que a sua próxima seria estudar basco. Couriers se calhar seria mais fácil. Ou não.

15 comentários:

  1. Ótimo texto, para variar! Mas ê pá, Vítor, legal é muito giro, muito fixe também, não achas?

    Mas o que podemos perceber, como principal fundo da sua narrativa, é que comunicar é mesmo uma arte, e se houver boa vontade de pelo menos um dos lados, certamente que seu companheiro de viagem, safava-se bem em mandarim, em árabe, em russo, no que ele desejar.

    Ótimo sábado para ti!

    ;)

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  2. @canto da boca, acabei de ler os seus três últimos comentários e posso-te dizer que os achei bem legais. Como é que o meu amigo poderia pedir uma caipirinha em português do Brasil sem ter de fazer um desenho? Eheheheh.

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  3. Estas deambulações linguísticas puseram-me bem disposto!

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  4. Adorei essa viagem linguistica! :)
    Meu sogro, francês, está aqui no Brasil há mais de 50 anos. Portanto, praticamente um brasileiro nato. Quando foi para a França em sua última viagem, foi muito difícil convencer os franceses de que era francês. Isso, sem contar de que, vez ou outra, esquecia-se do francês e falava no nosso português, sem perceber que trocara de lingua e sem entender por que não o entendiam.

    bjs

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  5. Rindo... Muito simples, é só dizer que quer uma caipirinha (ou uma caipiroska, uma caipifruta) ou uma nevada. Até mesmo aí na vossa terra, desde que tenha a cachaça!

    ;))

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  6. A história da cerveja fez-me rir a bom rir. :)

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  7. ...fabuloso como sempre
    vibrei por entre estes gags linguísticos*


    Bom Domingo*

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  8. Constantino...achei esta sua narrativa muito, muito gira.

    Com ela ( a narrativa) o meu ego até se elevou às alturas.
    Simplesmente, porque com uma certeza eu fiquei: com o meu inglês macarrónico, o meu franciú aprendido através das conversações mantidas com um familiar meu, residente nos arredores de Paris, quando ele vem à santa terrinha fazer as suas vacances. Mais o meu portunhol e ainda dominando eu na perfeição o português com açúcar. Acrescentando uns pózinhos de italiano aprendidos com a Sofia Loren no filme "A Rapariga do Rio Pó", posso viajar sem probleminha nenhum, por metade do globo.

    Então, sou ou não sou, uma poliglota?

    Ah, isto de gente culta e fina é outra coisa.
    Beijinhos.
    Janita

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  9. Ahahah, os 'nuestros hermanos' são um pouco duros de ouvidos para línguas, mas tenho impressão que alguns também se fazem de parvos - estás na terra deles, ou falas como eles ou estás feito! :)

    Certo é que ali por Islantilha e Isla Cristina todos os empregados de mesa percebem bem o português. Mas não imaginas a trabalheira que tive para comprar pão ralado no supermercado. Até ao pan ainda ia, mas ralado, moído, triturado, esmigalhado, nada as moças entendiam. Até que ao fim de não sei quanto tempo uma lá desconfiou que seria pan rallado (que se pronuncia ralhado). Estava difícil... :D

    Mas pronto, noutras zonas de Espanha, onde os turistas portugueses não serão tantos, imagino que seja ainda mais complicado. Como o teu amigo bem constatou! :)))

    Beijocas!

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  10. Olá

    Um texto que me dispôs bem.

    Só faltou a linguagem gestual!

    Bjs.

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  11. Conhecer alguém aqui e ali…

    Um beijo da Nita. Hoje de boa noite!

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  12. Uma história contada sempre com aquele sentido de humor que sabe bem ler.
    Adorei as peripécias linguísticas.
    E já agora despeço-me com um besito, ou melhor un bisoux-;)
    Manu

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  13. Fora de Portugal qualquer gajo se desenrasca, desde que fale devagarinho (a soletrar) e aos berros. ahahah

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  14. Fartei-me rir...obrigado:):):)

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