Quem me contou esta história já cá não está para me desmentir. Não é que isso tenha muita importância mas se é que há coisas certas na vida uma dela era que o ti Romão não começava nenhuma frase a não ser por "na", um "na" prolongado, como apraz à pronuncia alentejana, mesmo que depois fosse apenas para confirmar a sentença. Mas se na sequência da conversa isso não viesse a confirmar um desmentido formal, pelo menos deixaria o interlocutor na expetativa. Daí que não me sobrem muitas dúvidas que esta minha história tenha desde já uma verdade, mesmo que seja mentira. "Na" , sr. Constantino (ou, neste caso, porque ele não lia o meu blog) , "na" sr. Vítor...
Nesse tempo tão pouco se falava numa ponte que unisse o Pomarão a El Granado, quanto mais imaginar que desde a Moreanes ao povoado espanhol qualquer carro poderia fazer o trajeto em menos de meia hora. Para dizer a verdade, ninguém pensava que se poderia ir de carro a El Granado. O mais que se fazia era tentar que alguém que fosse para aqueles lados, na data e hora indicada lhe desse uma boleia numa qualquer carroça, em alternativa a levantar-se às quatro da manhã e a pé chegar à Corte de Pinto. Aí alguém os faria atravessar o Chança, outrora rota de contrabandistas. Do outro lado, já em Espanha, um carro os esperaria para os levar ao António. E a horas, porque o António tinha freguesia que chegasse e não pactuava com atrasos.
Era o António pau para toda a obra. Para uns, santo, para outros apenas vidente, milagreiro era o que era, curandeiro de meia-chinela para alguns, poucos, endireita, doutor, pode escrever, doutor com letra grande, sr. Vítor. Até curava sesões! Para o Joaquim da Mula, rapaz cá da aldeia, filho de mineiro, forte e sagaz, o António, não passaria de um charlarão que nem uma alimária seria capaz de tratar. Acostumado que estava às bestas, mulas, machos, burras e outros quadrúpedes, ajudava-os a nascer das éguas do patrão, dava-lhes os primeiros fenos, sem piedade disparava a espingarda de caça se algum dos animais tinha o azar de se enterrar num barranco e de lá quebrar uma pata. Era ele próprio um bruto que nem conhecia uma letra, nem de propósito, maior do que um burro. Numa tarde aziaga, Joaquim das Mulas, caiu ele num barranco que ia cheio com as primeiras águas de Novembro. Durante semanas tossiu como se fosse a tísica que dele se tivesse apoderado. Em Mértola os médicos não lhe davam com a maleita e para Beja, nem pensar, já lá lhe tinha ficado lá a Marcília, sua primeira e única mulher, casada de papel passado e a mais o filho que trazia na barriga.
Joaquim das Mulas, que já não trabalhava havia bem umas oito luas, pediu ao Sr. Lima se lhe emprestava uma besta. Riu-se quando disse ao patrão que não sabia se ia a Espanha para se curar a ele se para curar o animal, tal era o estado em que estava a mula que o patrão lhe havia emprestado. Ainda assim era melhor que nada. E meteu-se a caminho.
Nesse tempo tão pouco se falava numa ponte que unisse o Pomarão a El Granado, quanto mais imaginar que desde a Moreanes ao povoado espanhol qualquer carro poderia fazer o trajeto em menos de meia hora. Para dizer a verdade, ninguém pensava que se poderia ir de carro a El Granado. O mais que se fazia era tentar que alguém que fosse para aqueles lados, na data e hora indicada lhe desse uma boleia numa qualquer carroça, em alternativa a levantar-se às quatro da manhã e a pé chegar à Corte de Pinto. Aí alguém os faria atravessar o Chança, outrora rota de contrabandistas. Do outro lado, já em Espanha, um carro os esperaria para os levar ao António. E a horas, porque o António tinha freguesia que chegasse e não pactuava com atrasos.
Era o António pau para toda a obra. Para uns, santo, para outros apenas vidente, milagreiro era o que era, curandeiro de meia-chinela para alguns, poucos, endireita, doutor, pode escrever, doutor com letra grande, sr. Vítor. Até curava sesões! Para o Joaquim da Mula, rapaz cá da aldeia, filho de mineiro, forte e sagaz, o António, não passaria de um charlarão que nem uma alimária seria capaz de tratar. Acostumado que estava às bestas, mulas, machos, burras e outros quadrúpedes, ajudava-os a nascer das éguas do patrão, dava-lhes os primeiros fenos, sem piedade disparava a espingarda de caça se algum dos animais tinha o azar de se enterrar num barranco e de lá quebrar uma pata. Era ele próprio um bruto que nem conhecia uma letra, nem de propósito, maior do que um burro. Numa tarde aziaga, Joaquim das Mulas, caiu ele num barranco que ia cheio com as primeiras águas de Novembro. Durante semanas tossiu como se fosse a tísica que dele se tivesse apoderado. Em Mértola os médicos não lhe davam com a maleita e para Beja, nem pensar, já lá lhe tinha ficado lá a Marcília, sua primeira e única mulher, casada de papel passado e a mais o filho que trazia na barriga.
Joaquim das Mulas, que já não trabalhava havia bem umas oito luas, pediu ao Sr. Lima se lhe emprestava uma besta. Riu-se quando disse ao patrão que não sabia se ia a Espanha para se curar a ele se para curar o animal, tal era o estado em que estava a mula que o patrão lhe havia emprestado. Ainda assim era melhor que nada. E meteu-se a caminho.
- E lá teve de se render a quem ele não acreditava, na foi ti Romão?
- Naaaaa, qual quê, sr Vitor. Quando entrou no consultório do António, dizem que eu na vi, sr. Vítor, olhos nos olhos com o curandeiro, na foi capaz de outra coisa senão zurrar.
- Naaaaa, qual quê, sr Vitor. Quando entrou no consultório do António, dizem que eu na vi, sr. Vítor, olhos nos olhos com o curandeiro, na foi capaz de outra coisa senão zurrar.
: )
ResponderEliminarOutra bela estória que acompanhamos passo e passo tal a clareza da escrita, sr. Vitor. E "na" me diga que "na" tenho razão!
Bom fim de semana
:))
ResponderEliminarTadinho! Essa foi de surpreender! :))Mas, afinal, ele sarou ou não? ;)
Essa do "na" fez-me lembrar de minha avó. Ela começa qualquer história com um "entããão" e lá corríamos nós para junto dela.
Naaaaa, naaaaa, naaaaa. Realmente isto soa a zurros. lololololololol:)
ResponderEliminarNa querem lá ver que por seu lado a besta desatou a tossir... :)
ResponderEliminaratão sabe madezer sesse tal Antonio ainda dá consulta?, é que tenho uma magana duma espinhela caída cos médicos na dão conta dela... (boa estória, a que não escapa a oralidade, que eu acabei exagerando)
ResponderEliminarhahaha
ResponderEliminarBjinhos
Paula
@Rogério, na verdade creio que o António já morreu, mas como o ti Romão que me contou a história (a parte verdadeira porque eu também gosto de ficcionar um pouco, eheheheh) já faleceu, não sei bem. Mas informar-me-ei.
ResponderEliminarAtão Sr. Constantino, esta foi escrita lá na Tapada das Minas de São Domingos, nã?
ResponderEliminarEsta história já deu para matar algumas saudades do nosso Alentejo, lá isso deu.
Só de ouvi-lo falar na Corte de Pinto ali tã pertinho de VNSB onde esta sua amiga veio ao mundo, até me enchi de emoção.
Coitadito do Jaquim da Mulas. A culpa foi do asno do patrão que não lhe forneceu uma mula em condições para a viagem.
O homem chegou lá a Espanha cheio de sesões, todo enquetado e sem fala. Quando foi abrir a boca só lhe saiu a linguagem que ele melhor conhecia, na seria por isso?
Olhe meu amigo, com sesões estou eu sem saber se vou dar bom andamento a este recado. Parece que já atinei com a maneira de trocar as voltas à má vontade do blogger.
Passe bêin. Beijinhos
Janita
Dizem que vozes de burro na chegam ao céu e o Joaquim das Mulas não queria que lá por cima se soubesse da "aleivosia". ahahah
ResponderEliminarHehehehehe!...Gostei! :)
ResponderEliminarAmigo, te desejo um belo domingo.
PAZ & LUZ!
Abraços,
Cid@
:)) tá bem tá... Bom Domingo!
ResponderEliminar...e bem que precisavamos na União Europeia de um "Na...António(...)Acostumado que estava às bestas, mulas, machos, burras e outros quadrúpedes".
ResponderEliminarMais uma história fabulosa:)
Beijocas rapaz e extensível à tua prole:)
Quem contou já não está, mas tu, Vítor Fernandes, fazes uma mistura de ficção com realidade, que ao menos para mim, se deu tal qual contas aqui, dado a sua forma tão convincente de contar histórias.
ResponderEliminar;)
Era eu gaiato quando construí uma cabana com um amigo lá da terra, perto do lugar onde o ti Romão dava pasto às sua ovelhas. Um dia lá chegámos para ver a nossa cabana destruída pois todo o cordel que tínhamos usado para atar as canas que faziam as paredes, tinham sido tiradas, e ora nem mais, utilizadas para estender um balde até ao fundo do poço que se encontrava ali perto, julgámos ter sido o ti Romão o bem feitor de tal coisa. Quando perguntámos ao ti Romão se ele não tinha visto alguém a fazer tal desfeita à nossa dedicação, ele disse "naaaa, ê na sei de nada" e nós ripostámos dizendo que era pena até porque a corda era de boa qualidade, e o ti Romão comentou com prontidão "naaaa, boas? as cordas na prestavam pra nada" ;) Ah que saudades do Alentejo papá.
ResponderEliminarBonita estória ;)
Consegui até ver o guarda roupa dos intervenientes, tal foi o realismo com que impregnaste o conto!
ResponderEliminarNa me digas, pá, que pra zurrar mais valia ficar quieto! Atão chama o outro charlatão e depois vai-lhe pedir batatinhas? Tá mali... :)))
ResponderEliminarBêjocas!
Naaaaaaaaaaa , na posso ficar sem um sorriso rasgado ao ler mais uma história que encanta pela qualidade com que é escrita.
ResponderEliminarImpossível não visualizar todas as cenas , tal a fidelidade de pormenores com que é escrita.
Manu
hahahah...coitado do Joaquim das Mulas...já o imagino a zurrar!!!
ResponderEliminarAbraço.BShell