Pois é assim mesmo como lhe digo, meu caro Pedro. Eu bem sei que com a sua idade, com as suas barbas brancas, não há nada que o Pedro não saiba, nem nada que ainda o admire mas, se não estiver com muita pressa e eu sei que não, ficamos aqui um pouco mais à conversa. Desabafar, entende? No início eu nem era muito dado ao futebol, talvez da idade ou por ser assim franzino, não me puxava para a bola. Ainda me lembro de uma vez me terem dito, ficas aqui à defesa, o teu lugar é este, e depois com uma cana, fizeram um círculo à minha volta, não sais daqui deste espaço, percebeste? E eu que sim, com a cabeça mas meio estúpido, pensando com os meus botões, então o jogo não é andarmos todos a correr atrás da bola? E ali fiquei sem me mexer mais do que um passo para um lado e um outro para a frente, só para não sair do círculo desenhado e os outros a passarem por mim, a chutarem à baliza a marcarem golos e eu nem os via, pois se não podia sair daquele círculo como é que via os outros a marcarem golos? Mas o que eu gostava mesmo era de brincar às escondidas, aos índios e cóbois como nos livros aos quadradinhos, e ao pião. Foi o meu pai que me ensinou, sabe Pedro, lá no terreiro do pátio, ele a ensinar-me a enrolar a guita, do bico para cima, depois a inverter o pião a ensinar-me a lançá-lo, primeiro à menina, que era mais adequado para a minha idade e depois, quando eu já pegava melhor no pião e na guita ao mesmo tempo, lançar à homem, que era com mais força e eu, todo vaidoso, nos meus cinco anos de idade já a ensinar aos outros meninos a lançar o pião à homem. Mas a bola, mais cedo ou mais tarde, teria de vir ter comigo, era o meu desígnio. O meu pai trouxe-me, de uma viagem que fez ao estrangeiro, uma bola de catechu. Ena pah, uma bola de catechu! Era o único miúdo da minha rua que tinha uma bola de catechu e, claro está, estava decidido- A partir daí faria parte de todas as equipas, até que por fim, acabei por ter jeito para aquilo, sem nunca deixar de dar primazia à escola, onde além de ser o melhor aluno a ditado, nunca dava um único erro e a vocabulário também era bom, mesmo em longos textos, como o da Lebre e o Sapo-concho, eu sabia as chamadas palavras difíceis todas e além disso ainda ganhei uma taça num concurso da matemática. Pronto, tinha queda para a escola e sem deixar de estudar, sei ler desde os quatro anos, acredita Pedro?, (pena que era fraquinho a desenho), continuei a fazer parte de todas as equipas de futebol da turma e a marcar golos atrás de golos. Não admira, Pedro, que na minha galeria de ídolos o José Águas, o Torres, o Eusébio, o Artur Jorge, o Nené, o Jordão, o Magnunsson, o Nuno Gomes, estejam na primeira fila e só depois os reis D. Dinis e D. João II, o Marat, o Lincoln, o Marx, o Ghandi, o Salgueiro Maia, o Allende, o Mandela. Mais tarde, quando o meu joelho não me permitiu fazer mais corredias e o nervo ciático me travava logo à partida, troquei os retângulos das pelada pela frias bancadas do estádio e aí é que foi o pior. Começaram os tremores, as palpitações, as arritmias, a tensão arterial a subir. Pois foi Pedro, foi tudo isso, mas quando o Cardozo falhou aquele penalti, não aguentei mais e vim para aqui falar consigo e fazer-lhe companhia. Mas sabe o que mais me admirou, aqui neste local, Pedro? Foi o azul celeste dos relvados. E faça-me um favor, faça com que, à hora do jogo, faça bom tempo no Domingo, que eu já não tenho pernas para andar sempre a escorregar no piso molhado das nuvens.
Pois...pois...o azul dos relvados é tramado!
ResponderEliminarComo não percebo nada de futebol, desta vez fico-me por aqui.
Bom Domingo...com chuva igual à das nuvens azuis. Queria melhor? :))
Beijos
PS. como há muito não vai ao meu canto, espero-o lá hoje.
ahahahahahahah. Demais. Só no final é que percebi que era o defunto a falar com o São Pedro. Brutal, mesmo:)))))))))))))
ResponderEliminarTanta coisa e nem um viva ao Benfica deste no fim de tanta prosa!!
ResponderEliminarPois olha... dou-o eu!!
Benficaaaaaaaa!!!
Não sei se é por ter um final celeste, este texto está divinal. loool
ResponderEliminarNem outra coisa era de esperar.
Bem sei que a esta hora já está farto de me rogar pragas e de chamar-me "sua alentejana d`uma figa, sem palavra", mas que culpa tenho eu se agora lhe deu para misturar jogos de pião à menina, agarranços no pião e na guita à homem, com conversas com S. Pedro de um fanático que bate a bota por causa de um penalti?
ResponderEliminarDepois não me venha dizer que isto não é futebol.
Isto está uma delícia de texto, sim senhor, e o meu amigo é um adorável contador de histórias.
Que mais quer que eu lhe diga?
Só me falta manda-lhe ósculos e amplexos.
Tá bem assim?
Claro que no Céu, os relvados só poderiam ser azuis. No Inferno é que têm outra cor :-))
ResponderEliminarAbraço
Uma maravilha de texto...cuidado com a tesão a subir...
ResponderEliminarfalhar um penalty é coisa feia...irra!!!
Belezura!!!
o Torres, o Eusébio, o Artur Jorge, o Nené, o Jordão, o Magnunsson...pois foi com eles que terminou a minha época de gostar de futebol e adorei esta tua narrativa e porque não gritas pelo teu clube...não fiques entupido porque o "Pedro" não deve gostar hehehehehe
ResponderEliminarParabéns pelo texto que me fe soltar um sorriso.
Ainda estou de queixo caído!
ResponderEliminarNão querem lá ver que ninguém entendeu isto, a não ser a...BlueSchell??????
Obrigado pela primeira gargalhada do dia. ;)
ResponderEliminar@Blue Shell neste caso foi mais da tensão. Mas não sei se o tipo se importaria de outra maneira.
ResponderEliminarCaiu na pequena área é pênalti, entrar aqui é emoção e alegria na certa!
ResponderEliminarUm texto lindamente elaborado, Vítor Fernandes, emoção e memória é o que não faltam aqui.
Eu quando menina (quando? O tempo passou e muito dessa menina permanece), adorava jogar pião com os meus irmãos, além de meter nos jogos de futebol deles.
Eusebio é ídolo de todo o mundo, os demais jogadores eu não conheço, desculpa aí.
Quanto aos reis, fica difícil contar a história do Brasil, sem contar um pouco a de Portugal...
Beijo, Vítor!
;)
Eita, tanta gente de outrora: toni, rui jorge , etc..... és um rapaz para que idade, ó constantino?
ResponderEliminarkis :=)
Ahahah e lá contou ele a história da sua vida ao paciente S. Pedro... Muito bom! :)))
ResponderEliminarBeijocas!
Eu que até não gosto de futebol, gostei deste desafio :)
ResponderEliminarA sério, está genial.
beijinhos
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ResponderEliminaros belos relâmpagos
Excelente texto
Não sei quem é o Pedro mas acho que o autor deste texto é um homem que ama o futebol. Quanto ao clube por onde passaram todas essas glórias, só posso dizer: bom gosto!
ResponderEliminarnão sei se o S. Pedro é surdo...
ResponderEliminarComo eu gosto de ler estes textos!
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