domingo, 4 de novembro de 2018

243. O dono da bola - #14 Matadourense


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Decorria o ano de 1973 e a Câmara Municipal de Almada organizava os 1ºs Jogos Juvenis de Almada, os primeiros e os últimos, cuja direção fora dada, por convite da CMA ao estimado e, infelizmente já falecido, Adelino Paiva de Moura, conhecido normalmente por Adelino Moura, uma das grandes figuras do desporto do Concelho e, porque não, do País. Com a revolução do 25 de abril de 1974, provavelmente pela conotação desta iniciativa com uma CM do antigo regime ou, talvez, porque depois do 25 de abril também se massificou o desporto escolar e popular e se criaram eventos desportivos nas mais diversas áreas, não voltou a realizar-se a que foi, até essa data, a maior manifestação desportiva para jovens no Concelho de Almada e uma das maiores de Portugal.

No entanto, cada bela tem o seu senão ou não, e para se participar nos jogos era necessário fazê-lo sob a égide de uma organização, fosse coletividade de cultura e recreio, fosse clube desportivo, ainda que, de caráter popular. E isso poderia de uma forma radical desaproveitar os “talentos” que tínhamos lá no Bairro pois, ali, os únicos clubes que existiam, ou tinham existido, eram os Unidos do Bairro e a Juventus do Valdeão que tinham equipas só para adultos e que apenas jogavam futebol nos torneios populares, aos fins de semana, fosse no campo do Ginásio, hoje campo do Beira-Mar, fosse no campo do Monte ou do Costa. Mas no Bairro havia outros talentos, havia futebol, mas também andebol, atletismo e, acreditem, até badminton.

Seguindo o velho ditado que diz que para grandes males, grandes remédios, não foi cedo, nem foi tarde para que no nosso Bairro se criasse um clube. Elaboraram-se uns estatutos, fez-se uma pequena reunião que hoje, e se calhar naquele tempo também, se chamaria Assembleia Geral de Constituição, nomeou-se um presidente que seria eu, um tesoureiro que teria de ser uma pessoa adulta e acima de qualquer suspeita e foi escolhido o Senhor Duarte da drogaria, um secretário, que salvo erro foi o Carapinha, escolheu-se a cor dos equipamentos, azul a camisola e a meia que se foi comprar a Lisboa, à Rua do Benformoso, sem números porque não havia dinheiro para esse luxo, as camisolas eram na realidade t-shirts

- Não são giras, malta?

mas que nesse tempo não se designavam assim, eram camisolas e pronto, e os calções seriam brancos, mas cada um teria de levar os que tivessem em casa porque não havia dinheiro da quotização para tanto.

-Qual é? São vinte e cinco tostões, pá. Não me digas que não podes pagar a quota…

Quanto às chuteiras para o futebol alguém se encarregou de ir pedir ao Almada e ao Piedade umas sobras e lá apareceram umas quantas, não deu para todos, já bastante velhotas, com traves porque pitons seria um luxo maior do que ter números na camisola. Os que não tiveram a sorte de que algumas das chuteiras lhes servissem jogavam de ténis, quer dizer, de sapatilhas

- “As minhas são umas Sanjo já ranhosas. Quando se romperem jogo descalço”. Já não me lembro quem disse a frase mas ficou-me no ouvido
porque a malta não chamava ténis. Parece que o nome não era muito conhecido. E de ténis ou sapatilhas para os desportos de pavilhão ou corridas equipariam os atletas dessas modalidades a expensas próprias. A criação do clube carecia de alguma burocracia, mas isso, que não era impeditivo para que inscrevêssemos as nossas equipas e os nossos atletas nos Jogos Juvenis, que seria tratada mais tarde ou durante os Jogos. Acho que isso nunca foi feito, mas o clube acabou por durar ainda uns anos, na modalidade de futebol e jogando em torneios populares.

Com grande pena minha eu não pude participar nos Jogos. A idade limite era de 16 anos e eu já iria completar 18 nessa altura.

- Qual batota, qual caraças, não faço batota nenhuma. Não sou nenhum galdério. Na minha cédula ninguém mexe. Prefiro não participar. E não participei.

No entanto, como presidente, representei sempre o clube, participamos em atletismo com a Isabel Brito e com o Carapinha, a um nível elevado, com boas classificações, mas sem medalhas, no andebol onde sofremos grandes derrotas e no badminton onde um atleta nosso ganhou uma medalha de “prata”, mas cujo nome, a esta distância temporal, já não me consigo lembrar. Só sei que morava no Monte de Caparica e na nossa equipa de futebol jogava a central. Mas no badminton é que ele era craque.

E eu todo vaidoso, como presidente do clube, a acompanhar o nosso atleta, no pavilhão da D. António da Costa a recebermos – ele a receber -  a medalha de prata
E no futebol, onde passamos a primeira fase, mas no jogo a eliminar, enfrentamos, no campo de jogos do Costa da Caparica, a fortíssima equipa do Estrelas do Feijó, perdemos 4 a 3 e, claro, sentimos que fomos escandalosamente roubados. O nosso treinador era o Senhor Duarte, o da drogaria, que além de treinador e tesoureiro, era também o massagista e que sempre que um jogador caía, corria do banco com a garrafa de embrocação na mão, para o que desse e viesse.

Mais tarde, como disse, a equipa de futebol do Matadourense começou a integrar malta mais velha, os mais novos também foram crescendo, começamos a entrar nos torneios populares como antes faziam os Unidos e a Juventus, entretanto já extintos nessa altura, e as taças ganhas começavam a enfeitar uma prateleira da drogaria do Senhor Duarte.

E assim se fez o Matadourense, que foi morrendo de morte natural à medida que a malta foi crescendo, casando e saindo do Bairro para outros destinos. Acho que nunca acabamos o processo burocrático, mas o que é que isso interessava? O importante era o convívio e a prática salutar do desporto.

PS. Alguns Gloriosos rapazes que jogaram pelo Matadourense: Carlos Jorge, Américo (posteriormente grande guarda-redes de Andebol), Barbosa (chegou a ser guarda-redes do Almada) e o Carlos (que treinava no Sporting e se não fosse a Lisnave poderia ter sido uma estrela)  - todos guarda-redes, mas o Carlos Jorge, já falecido, também jogava a ponta esquerda - o Augusto que era o defesa direito e dava porrada como o caraças, o Duarte Madeirense que tinha força por dois, o Terrível que era o mais magrinho de todos, o Mesquita que tinha uma grande habilidade para a finta, o Carapinha que era o mais veloz e jogava a ponta direita, o Pintaroxo, que é pintor mas cuja alcunha já vem de geração e que tem a ver com a passarada e jogou nos juniores do Piedade, o malogrado Zé Manuel Capote, que viria a ser meu cunhado, o Jorge e o Felipe Viana que são irmãos e além de eu próprio que jogava à frente e marcava muitos golos, outros de que já me não lembra os nomes.

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