D. Micá andava chateada. Tinha começado, há vários
serões atrás, a contar a história de D. Bonifácio e da sua falecida Antonieta,
em forma de fantasma que, com uma caixa misteriosa enviada ao viúvo, o tinha
tentado perturbar. O problema é que D. Micá misturou nesta história personagens
reais e outras de ficção, mormente o Aristides e agora estava com grandes
dificuldades em dar a volta à coisa. Não que não tivesse engenho e arte para o
fazer, ou não fosse ela a exímia contadora de histórias que todos conhecemos,
principalmente de contos cor-de-rosa, mas sim porque ela é uma mulher política
e socialmente correta. E o seu grande receio de melindrar algum dos seus amigos
e amigas estava a funcionar nela como uma sufocante autocensura. Mas se isso a
constrangia, não era bem isso que a chateava. O que a andava a deixar com a
moral em baixo, com um considerável deficit
de autoestima, era o cisma em que caíra. É que se ela parasse agora de contar a
história de D. Bonifácio poderia o seu carisma de contadora começar a perder-se
e isso ela não aguentaria. Antes abdicar do nobre título de Presidente de uma
Fundação do que o de melhor contadora de histórias aos serões. E também estava
a reagir mal à pressão. Sempre que a receção das quintas-feiras aos seus
confrades se iniciava, logo havia um ou outro que, com sub-reptícia ironia ou
apenas por mera curiosidade, lhe perguntava “É hoje que vamos ficar a saber do
conteúdo da caixinha, é?” ou então, “Será hoje que vamos conhecer o finalzinho
da história, D. Micá?”, quer num caso, quer noutro, utilizando diminutivos,
como caixinha ou finalzinho dando um tão aparente quanto cínico ar de
paternalismo, mas que não deixava de ser uma bicada no latente narcisismo de D.
Micá que, como vedeta de toda esta sequela, não poderia deixar de o ser.
Num dos cantos da sala, com um copo de whisky na
mão, uma gravata Hermès comprada a bordo de um avião da Air France, fato escuro
de Mariotti Francelo, sapatos Scarpi Chaussure, camisa Paco Jimenez e fumando
uma Partagas comprada na Havanesa Central do Alto do Pina, estava o dr.
Cristino Pedrogão que desde há pelo menos dois anos não frequentava o salão de
D. Micá, devido a uma desavença com, o também de longa data ausente, Salustiano
Tristão, um comerciante de fruta bem sucedido, desde que começou a negociar com
o Chile, com a África do Sul e com uns produtores do Bombarral. Era o dr.
Cristino que comandava a animada conversa que embora apanhada a meio ainda pode
ser relatada:
- Pois é meus amigos, aos sábados, dispo os fatos
e as camisas de cambraia, dispo também alguns preconceitos e de sapatilhas ou
de galochas, conforme o local, lanço as canas e passo o dia inteiro à pesca. E
olhem que não me saio muito mal…
E começou a gabar-se das douradas que pescava, dos
linguados e das fanecas, dos robalos e dos alcorrazes e outras espécies que,
pescando ou não, enumerava como safra sua.
D. Micá, sempre atenta, ia pensando com os seus
botões que, se calhar, o melhor seria ela também dedicar-se à pesca.
Eu também acho, D. Micá!
ResponderEliminarAos sábados calce uma galochas e acompanhe o Dr. Cristiano Pedrogão á pesca. Isto de um homem pescar sozinho dá azo a peixe demasiado graúdo, já para não falar nas novas histórias que teria para contar aos seu amigos, nessas longas noites de tertúlia.
Não pense mais...vá lá pescar robalos, fanecas e linguados!
Veremos se os seus convivas ainda continuarão a usar dessa irritante subserviência, que eu detesto:
"Será hoje que vamos conhecer o finalzinho da história, D. Micá?"
Francamente, Micá, essa gente é uma aproveitadora...ponha-os a milhas!
Como podes constatar, Constantino, agora bandeei-me para o lado da D. Micá.
Vão lá comer e beber à borla para a Quinta do Conde.
É verdade...vi ontem na televisão que aquilo vai ficar 5 *****. eheheh
Beijos, Constas!
A tua foto está o máximo. Parece que vais ter companhia prá pesca!!