Temos andado justamente entretidos a contar o que
se vai passando nos serões da nossa anfitriã e amiga e raramente damos conta do
que os outros dizem sobre os mesmos. Foi assim com algum espanto que demos
conta que nós não somos os únicos fiéis narradores do que naquele amplo salão
se passa, mas que haverá alguém mais atento ao evento, sendo que desconfiamos
de quem seja, mormente por questões de geografia mas não só, basta que
atentemos ao estilo, que a nossa desconfiança irá, naturalmente, desaguar em
certeza. Deixaremos assim para a imaginação e perspicácia dos nossos leitores o
desvendar do autor de tão saborosas linhas que nos acabaram de chegar em
recorte de “A Voz de Albergaria”, datado do mês passado e que nós, por
acumulação de afazeres, ainda não tínhamos tido oportunidade de trazer ao vosso
conhecimento, se bem que o assunto, não se enquadrando nos serões de
quinta-feira, não deixou de se constituir em evento de caráter social notável
que aqui já deveria ter sido descrito com a pompa e a circunstância que
merecia. Ficaremos então com a redação da local no referido periódico que, como
é bastamente do conhecimento de quem faz o favor de nos ler atentamente e de
seguir a sequência de acontecimentos em casa de D. Micá e de sua ditosa mãe, é
a terra de nascimento do falecido comendador Jovelino Azeredo.
Como seria apanágio do meu grande amigo Eduardo
Aragão, tenho a certeza que nesta fase da escrita ou se quiserem, da narrativa,
como aliás se poderão certificar quando aqui vos contar a sua relação próxima
de poetas e de prosistas e de outros trovadores, atividade que ele também não
desdenha e executa a preceito, pois dizia eu, o meu amigo Eduardo teria já
dito, «desembuchem logo com a notícia do jornal, que isto é um serão de
literatos e não um cenário de Hitchcock», mostrando à saciedade de que ele,
Eduardo Aragão, não só é um homem pragmático que gosta, tal como o escritor
destas linhas, ou não fossemos amigos de infância e adolescência, mais desta do
que daquela, que não é apenas uma pessoa ligada às letras, mas que também lhe
corre no sangue o líquido do conhecimento cinematográfico e, neste caso
particular, lhe fervilha o gosto pelos mestres do suspense. Só faltou que ele
tivesse acrescentado ao cenário de Hitchcock, os enigmas de Lynch e todos os
que nos leem dissipariam inculcadas dúvidas, se é que alguma vez as tiveram, de
que Eduardo Aragão é de uma versatilidade que só visto ou que, como seria mais
correto dizer, de uma versatilidade que só lido.
Já o dr. Jorge Mendonça, que tem feito da sua
vida, toda uma vida de enigmas, desde os tempos em que o pai, um agricultor
alentejano, de quem se não vai aqui repetir a descrição, basta que percorram
com os vossos próprios dedos algumas das páginas iniciais, o mandou estudar
medicina para Coimbra e o então jovem Jorge, misturava aparelhos circulatórios
com tricanas de trouxa de roupa à beira Mondego, passe a pouca inspirada tirada
do autor, querendo com esta dizer que o coração anatómico se misturava com o
casulo da paixão e que utilizava o aparelho locomotor não para o estudo dos
ossos, das articulações, dos músculos e dos tendões, mas para palmilhar as ruas
da académica cidade, batendo as tabernas e vielas e, ao trinar das guitarras,
traçar a capa sobre a batina e, qual rouxinol em choupal, trovar à janela da
linda Carolina que corria o reposteiro, abrindo de par em par as portadas da
janela do varandim, onde bambinelas de seda mostravam o luxo em que a família
Serapião vivia e acabando casado mais tarde com Clarinha, uma moça escorreita
mas de famílias modestas, aqui conhecida por Clarinha Mendonça, nada se importa
com o tempo que o narrador toma para colocar aqui a local de “A Voz de Albergaria”,
pois isso dar-lhe-á mais tempo para ir contemplando a roliça, rosada e por
vezes nédia Rosalina, deixando D. Ermelinda a suspirar sozinha a um canto, ela
que sempre se envolveu platonicamente com um homem, que poderia ser seu filho e
a quem ela não negaria um pouco de calor maternal, sentando-o ao seu colo e
deixando que ele voltasse a cheirar o perfume das rendas dos seus sutiãs, se
bem que amamentar apenas são conjeturas de mentes mais ou menos conspurcadas de
alguém que por estas alturas poderá estar a ler tão púdico relato dos serões da
quase quarentona D. Micá, cujo aniversário não será com certeza deixado passar
em claro aqui pelo vosso autor preferido, a não ser que “A Voz de Albergaria”
se antecipe e nos venha a estragar a festa.
Ai, Constantino, estava a ver que se acabava este badalado serão e eu sem ter tempo de assistir a tão especial acontecimento.
ResponderEliminarPois eu que, como bem sabes, sou uma leitora do mais perspicaz que há e tratando-se do "A Voz de Albergaria", vou já adiantando que as saborosas linhas que vos chegaram em recorte, só poderiam ter saído da pena de um destes ilustres jornalistas Albergarienses. Só não me recordo se da Velha ou da Nova, mas isso agora também não interessa para nada.
Pois, como te ia dizendo, ou foi o Vasconcelos ou o L.de Barros, a fina flor do jornalismo regional.
Como sou conhecida nos meios literários, como a Mata Hari do século XXI, ainda bem que cheguei a tempo de passar a informação ao prestigiado "A Voz de Albergaria", já que o nosso autor preferido seria capaz de estragar a festa introduzindo na narrativa mais duas dúzias de personagens.
Só me falta saber o mais importante. Em que dia o raio da Micá faz anos??
Podes mandar-me a informação por e-mail?
Também preciso de te mandar, pela mesma via, outra informação importante.
Já escreveste a dedicatória?:)
Abraço e beijos de parabéns!
pois é, essa coisa de sentar ao colo um imberbe que vai sentindo os odores dos marmelos só pode levar a ter pensamentos conspurcados...
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