segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

182. O colar de D. Micá



“Apenas uma mantilha, diáfana e branca, cobria o corpo de Antonieta. O clarão dos relâmpagos mostrava um corpo nu na translucidez do véu. Mas mais alvo que aquilo que a cobria era a sua pele. O seu rosto, de olhos encovados e debruados a preto, era como uma máscara veneziana. D. Bonifácio d’Assunção parou à sua frente. De repente não parecia ter-se impressionado. Apenas lhe perguntou:
- Que queres?
E lembrou-se da caixa que tinha recebido nessa tarde.
O fantasma de Antonieta girou sobre si próprio ficando de costas para D. Bonifácio. Deu alguns passos em frente e, ato contínuo, foi seguida pelo pastor belga que rosnou. D. Bonifácio fez um gesto e um dos empregados puxou a trela ao cão. Este sentou-se mas não parou de rosnar. Uma aura de luz circundava agora o fantasma. O criado da lanterna apagou-a e Aristides deu o braço a D. Bonifácio, apoiando-o”.

À entrada da porta do salão ouviu-se um estardalhaço inesperado. Parecia que a criada de servir estava possuída. Sem nada que o fizesse esperar, tropeçou num Arraiolos que uma amiga de D. Micá fez numas aulas de artesanato que frequenta num Centro Social, por acaso muito bonito e que nada fica a dever aos mais famosos processados na Igrejinha ou em qualquer outra localidade de Arraiolos, e estatelou-se no meio do chão entornando todas as canecas de cacau quente e os copos de leite magro com chocolate, pirogravados com as armas da Confraria, e o nome escrito em gótico ou em letra francesa, não sendo eu um especialista para o poder distinguir. Todos os copos se quebraram e apenas uma das canecas, de fina loiça da Vista Alegre, não se partiu, mas, infelizmente, ficou sem asa o que acabou por dar no mesmo. A moça, que D. Micá tinha empregado a pedido do senhor Hortênsio, que já tinha sido merceeiro na Lapa e era muito amigo da família, veio, depois de ter bebido um copo de água com açúcar e se ter abanado com se sofresse de afrontamentos, já sentada numa cadeira, a confessar que ao ouvir, assim por alto, a D. Micá falar em fantasmas, lhe tinha passado uma coisa pela cabeça e que uma tontura muito grande a tinha desequilibrado. Os convidados de D. Micá, olharam uns para os outros e assentaram com a cabeça que poderia, sim, ter sido muito bem isso, já que há muita gente que se impressiona com estas coisas.

Restabelecida que foi a situação, foi a vez da Carlinha Menezes comentar o vestido branco com que D. Micá os recebia hoje, e do lindo colar, naturalmente caríssimo, que enfeitava o seu pescoço. Eduardo Aragão, um amigo meu que frequenta amiúde estes serões, foi ele mesmo à copa que serve de apoio não só ao aposento onde se contam as histórias, mas também a uma pequena sala de repouso para os que se “excedem” no consumo de copos de leite magro com ou sem chocolate, buscar um copo de água com açúcar para se acalmar. O colar que D. Micá ostentava era exatamente igual a um que Eduardo oferecera a Antonieta, nos tempos em que foram amantes. Mas da vida de Eduardo Aragão falar-vos-ei, quando for oportuno.





6 comentários:

  1. Meu amigo

    Gostei imenso da estória, muito bem contada, vou voltar mais vezes, porque adorei.

    Um beijinho
    Sonhadora

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  2. Hoje não comento

    faleceu Joaquim Benite

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    1. O meu lamento e a minha homenagem. Joaquim Benite não só ficará ligado à História do teatro, mas também à da cidade de Almada. Que descanse em paz.

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  3. É o que eu digo! Essa D. Micá ainda há-de dar cabo da vida do Eduardo Aragão, antes de tu teres tempo de nos contares os pormenores da sua vida. Dele, do Eduardo, obviamente!

    Usurpadora de colares alheios, é o que ela é!

    Beijos. :)

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    1. Ai não dá não. neste caso e´como nas danças de salão. Quem manda é o homem. Aqui quem manda na D. Micá sou eu! Portanto ela só dá cabo do Eduardo se eu deixar. Eheheheh!

      Beijinhos.

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