“Apenas
uma mantilha, diáfana e branca, cobria o corpo de Antonieta. O clarão dos
relâmpagos mostrava um corpo nu na translucidez do véu. Mas mais alvo que
aquilo que a cobria era a sua pele. O seu rosto, de olhos encovados e debruados
a preto, era como uma máscara veneziana. D. Bonifácio d’Assunção parou à sua
frente. De repente não parecia ter-se impressionado. Apenas lhe perguntou:
-
Que queres?
E
lembrou-se da caixa que tinha recebido nessa tarde.
O
fantasma de Antonieta girou sobre si próprio ficando de costas para D.
Bonifácio. Deu alguns passos em frente e, ato contínuo, foi seguida pelo pastor
belga que rosnou. D. Bonifácio fez um gesto e um dos empregados puxou a trela
ao cão. Este sentou-se mas não parou de rosnar. Uma aura de luz circundava
agora o fantasma. O criado da lanterna apagou-a e Aristides deu o braço a D.
Bonifácio, apoiando-o”.
À entrada da porta do salão ouviu-se um
estardalhaço inesperado. Parecia que a criada de servir estava possuída. Sem
nada que o fizesse esperar, tropeçou num Arraiolos que uma amiga de D. Micá fez
numas aulas de artesanato que frequenta num Centro Social, por acaso muito
bonito e que nada fica a dever aos mais famosos processados na Igrejinha ou em
qualquer outra localidade de Arraiolos, e estatelou-se no meio do chão entornando
todas as canecas de cacau quente e os copos de leite magro com chocolate,
pirogravados com as armas da Confraria, e o nome escrito em gótico ou em letra
francesa, não sendo eu um especialista para o poder distinguir. Todos os copos
se quebraram e apenas uma das canecas, de fina loiça da Vista Alegre, não se
partiu, mas, infelizmente, ficou sem asa o que acabou por dar no mesmo. A moça,
que D. Micá tinha empregado a pedido do senhor Hortênsio, que já tinha sido
merceeiro na Lapa e era muito amigo da família, veio, depois de ter bebido um
copo de água com açúcar e se ter abanado com se sofresse de afrontamentos, já
sentada numa cadeira, a confessar que ao ouvir, assim por alto, a D. Micá falar
em fantasmas, lhe tinha passado uma coisa pela cabeça e que uma tontura muito
grande a tinha desequilibrado. Os convidados de D. Micá, olharam uns para os
outros e assentaram com a cabeça que poderia, sim, ter sido muito bem isso, já
que há muita gente que se impressiona com estas coisas.
Restabelecida que foi a situação, foi a vez da
Carlinha Menezes comentar o vestido branco com que D. Micá os recebia hoje, e
do lindo colar, naturalmente caríssimo, que enfeitava o seu pescoço. Eduardo
Aragão, um amigo meu que frequenta amiúde estes serões, foi ele mesmo à copa
que serve de apoio não só ao aposento onde se contam as histórias, mas também a
uma pequena sala de repouso para os que se “excedem” no consumo de copos de
leite magro com ou sem chocolate, buscar um copo de água com açúcar para se acalmar.
O colar que D. Micá ostentava era exatamente igual a um que Eduardo oferecera a
Antonieta, nos tempos em que foram amantes. Mas da vida de Eduardo Aragão
falar-vos-ei, quando for oportuno.
Meu amigo
ResponderEliminarGostei imenso da estória, muito bem contada, vou voltar mais vezes, porque adorei.
Um beijinho
Sonhadora
Volte sempre.
EliminarHoje não comento
ResponderEliminarfaleceu Joaquim Benite
O meu lamento e a minha homenagem. Joaquim Benite não só ficará ligado à História do teatro, mas também à da cidade de Almada. Que descanse em paz.
EliminarÉ o que eu digo! Essa D. Micá ainda há-de dar cabo da vida do Eduardo Aragão, antes de tu teres tempo de nos contares os pormenores da sua vida. Dele, do Eduardo, obviamente!
ResponderEliminarUsurpadora de colares alheios, é o que ela é!
Beijos. :)
Ai não dá não. neste caso e´como nas danças de salão. Quem manda é o homem. Aqui quem manda na D. Micá sou eu! Portanto ela só dá cabo do Eduardo se eu deixar. Eheheheh!
EliminarBeijinhos.