O que se passou esta semana em casa de D. Micá é
absolutamente indescritível. E hesitei muito em vos contar. Conhecem aquele
dilema do conta-não-conta? Pois foi, fiquei com uma enorme vontade de vos
contar mas também com um desmedido receio de que não acreditem em nenhuma das
palavras que vos escreverei aqui. Mas, como já puderam constatar ao longo
destes meus relatos em casa da também indescritível, passe a repetição do
vocábulo, D. Micá, tirando a história da vida de D. Bonifácio d’Assunção, que a
própria conta, nada há aqui que possa ser considerado inverosímil. E por falar
em indescritível (lá estou eu a dar-lhe), quase que tinha vontade, antes de
contar o que me propus, de dizer como estava deslumbrante a D. Micá, nessa noite.
Mas não mais vou adiantar pois senão perder-me-ei do essencial. Se depois
surgir a oportunidade falarei do novo Ana Salazar com que nos recebeu e do
solitário de Neil Cane que trazia no anelar da mão direita. Foi no entanto uma
noite hilariante e simultaneamente muito constrangedora. Principalmente para
uma pessoa como eu. Por mero acaso o meu amigo Eduardo Aragão, que tem uma
história de vida interessantíssima e que um dia destes ainda a contarei por
aqui, não estava presente, poi se estivesse imagino como reagiria.
Até agora tudo parece muito confuso mas eu
tentarei esclarecer o melhor possível, se para isso tiver engenho. Apesar da
situação hilariante que vos vou descrever eu disse que a coisa, também se
tornou constrangedora. Agora, cabe-vos a vós inteirarem-se de porque é que eu
assim a classifico.
Foi a primeira vez que os vi por lá e não os
conheço. Quando o Columbano Queirós me foi apresentado, estendeu-me a mão e
disse, o trivial nestas circunstâncias:
- ulumbano eirós, muito prazer.
Peço desculpa por o confessar, mas deu-me uma
vontade tremenda de me rir. Não que uma pessoa não possa falar sem o C numa
palavra. Ou o Q, naturalmente. Mas uma pessoa que foi batizada como Columbano e
que ainda haveria de ter como apelido Queirós, é que logo no seu
desenvolvimento oral lhe haveria de acontecer não pronunciar o C. Na verdade eu
próprio tenho um familiar que não pronuncia esse som e que, por ironia do
destino, se chama Carlos. Mas, do mal, o menos. O seu apelido é Fernandes e a
questão atenua-se. Estava eu com estas considerações com D. Micá quando ela me
disse que para cúmulo o Columbano, não só se chama Columbano, como também tem
como apelidos Cortes Queirós. Não houve compostura que resistisse e desatei-me
a rir, de tal maneira que me engasguei e quase sufoquei. Felizmente estava
presente um outro amigo de D. Micá que logo ali me socorreu. Embora não fosse
das minhas relações já tinha visto, salvo erro na Baixa, uma placa do seu consultório,
talvez na Rua dos Douradores, Luís Lacerda – Otorrinolaringologista. Pois já
sei o que estão a pensar. Devem estar neste momento a pensar se o Constantino
não vai aqui dizer que o homem não pronuncia o L. Na mouche. Simpático e desinibido o dr. Luís Lacerda ordenou-me
«uevante os braços, senão está uichado». Bom, só faltava mesmo que o dr. Luís
Lacerda se chamasse Luís Lopes Lacerda. Já seria demais. E enquanto pensava
nisto, a D. Micá, quis inteirar-se do meu estado de saúde, trouxe-me um copo de
leite magro com chocolate e um cacauzinho quente, que o tempo já convida,
perguntando-me qual preferiria mas, antes que eu respondesse, atirei:
- Não me vai dizer que o homem se chama Lopes.
Pois, desta vez pude tomar o cacau à vontade. Ela
disse-me que não sabia, mas que tudo levaria a crer que não. Seria uma grande
coincidência e aí sim, ninguém iria acreditar em mim quando eu o contasse. E
estávamos nós nisto quando um tipo de fato escuro e gravata berrante, com um
bigode à Emiliano Zapata e brilhantina na cabeça (acho que exagero, seria
talvez wet gel), ar de vendedor de automóveis,
dá uma palmada nas costas do otorrinolaringologista, que mais me apeteceria
dizer otorrinouaringuogista, e
saúda-o em voz alta, para quem o quis ouvir:
- Estás pogueigo ó Lopes, ou não quegues dizêgue?
Ao que o nosso médico especialista retorquiu:
- Oha o Rui Guiuerme. Bons ohos te vejam!
Eu deixei cair o cacau em cheio em cima de um
tapete novo, um persa genuíno, que D. Micá tinha adquirido numa bienal em S.
Bartolomeu de Messines, ficando ainda mais constrangido com o que tinha acabado
de acontecer do que com o facto de me querer rir e não poder, tão perto que
estávamos dos protagonistas. Só fiquei mais descansado porque a D. Micá logo me
disse «não se preocupe Constantino, não tem importância». Afastamo-nos os dois
enquanto uma rapariga, loira e muito branquinha, que falava com sotaque
ucraniano, ia limpando tapete e chão para onde também tinha espirrado o meu
copo de cacau quente. O vendedor de automóveis chamava-se Rui Guilherme ou, na
sua própria maneira de dizer, Gui Guilhégueme.
Tenho a certeza de que quando eu for contar isto
ao meu amigo Eduardo Aragão, jocoso como ele é, não só me vai dizer que eu
poderia ter arranjado melhor, que poderia ter arranjado um tipo que não falasse
com nenhuma daquelas três letras, que se chamasse Rui Luís Columbano Guilherme
de Lopes Lacerda e Cortes Queirós. E no fim ainda remataria: “E que fosse gago”.
Deixe lá a jocosidade do Eduardo Aragão ... tudo o que é demais enjoa! O seu equilíbrio está muito bem. :)) E olhe que a D. Micá estaria muito bem como personagem queirosiana. :)
ResponderEliminarNota: Prefiro o Saramago dos últimos tempos.
Pois eu já Saramaguei muito e continuo a gostar do autor. E quanto à D. Micá ainda vamos ter grandes surpresas.
EliminarAi, Constantinho, eu admiro-te a pachorra para esses serões na casa da D. Micá!
ResponderEliminarDeixaste a tasca do Ismael Gúsman para entrar nessas reuniões da socialite, será que andas com aspirações a comprar algum título de nobreza e andas já a praticar?
Isto agora já não nada que não se compre, desde canudos de licenciaturas a brazões!!
Já sabes que eu sou uma mocinha do povo e é no meio do povo que me sinto bem. Lá quero saber das roupas, tipo cigana, da Ana Salazar, mas tu agora só queres saber de finesses...
Ah, eu conheci uma pessoa que Deus a tenha em sua companhia, que não pronunciava o L. Ainda por cima era um adepto fanático da boa...
Beijocas, Constantino!
Sete facadas e carapaus de escabeche, o livro que conta as peripécias na tasca de Ismael Gusmán, o crime da Rua dos Correiros e os contos eróticos de Francisca, está quase a sair. Segundo a editora será em meados de Dezembro.
EliminarMicá é outra história...
Beijocas.
Esqueci-me de te dizer que tens uma bela garrafeira. :))
ResponderEliminarVai uma pinga?
EliminarAdorei o post **
ResponderEliminarhttp://tryinghard-to-forgetyou.blogspot.pt/2012/11/my-heart-beats-only-for-you.html novo textinho , dá opinião (: *
Isto é tramado...o meu apelido é Queirós e tenho um irmão Carlos fiquei presa ao pensamento de que nos podia ter acontecido o mesmo e não consegui ler o resto...e já é a segunda vez que tento
ResponderEliminarTenta uma terceira Tétisq, vais conseguir. :)
EliminarBeijinho.
Eu já conhecia a D. Micá de outros seus escritos anteriores, mas o tempo tem-me obrigado a passar por aqui, ler e sair em silêncio. Hoje, um pouco mais descontraído e depois de umas boas gargalhadas, quero dizer-lhe que os serões em casa da D. Micá devem ser fantásticos. Mas cuidado com o leite com chocolate, por causa do IVA!
ResponderEliminarAbraço e bom fds
Amigo Carlos, vale a pena, com a negridão que nos governa que encontremos momentos para sorrir. vale sim.
EliminarUma abraço.
Depois de dar umas boas gargalhadas deu-me para investigar se no grupo dos meus relacionamentos haviam Queirós, Guilhermes ou Carlos, de facto encontrei alguns e pus-me a ensaiar baixinho como seria a minha gaguez se chamasse a minha amiga Arla Adaveira e uns quantos mais, que deram para passar aqui largos minutos de sorriso de orelha a orelha.
ResponderEliminarPogueigo Vítor, ostei:)))