domingo, 4 de novembro de 2012

177. Micá já sabia que ele gostava de bola




Eduardo Aragão entrou triunfante. Fato completo, príncipe de Gales, cor de mel e gravata vermelha, sobre camisa lisa bege, lenço no bolso superior a condizer, um sorriso rasgado nos lábios. Eduardo Aragão um amigo meu, creio que o sabem, falar-vos-ei do seu feitio um dia destes, estava eufórico. D. Micá que lhe conhece a pinta, quase que poderia adivinhar o que se passava, mas não se abriu, não deu a entender. Quem conhece D. Micá como eu a conheço, saberia que ela estava, na calada dos costumes, a gozar o pratinho. Passou por Felisberto Passinhas e piscou-lhe o olho. Passou por Sebastião Jerónimo e deu-lhe uma palmada nas costas. Passou por Ezequiel Canário e, agarrando-lhe um braço, puxou-o para se juntar ao grupo de comedores de tapas de atum com maionese e tostinhas com salmão e cebola, acompanhadas de espumante da Bairrada, apesar de Ezequiel Canário não ser um tão seu indefetível correligionário como o gesto de Eduardo, aparentemente, o deixaria antever. Quem não quis perder nada do que se ia passar foi D. Micá que, de vestido de seda vermelho, um xaile carmim e uma boquilha madrepérola, fumava um cigarro mentolado, quase que estabelecia o par perfeito com Eduardo, o meu amigo de quem se diz ser ainda aparentado com os Martins da Maia, uma família aristocrática da alta de Lisboa com apartamento nas Avenidas Novas e casa apalaçada, ou melhor dizendo, uma verdadeira mansão na Covilhã, brasonados, da tradicional e secular família Maia que deu, como um dos seus filhos maiores, D. Policarpo da Maia, insigne monge e erudito prosador e poeta. Eu que, desde que os tempos têm memória, o conheço como um pelintra, embora exímio nos expedientes e cujo bem-estar social, chamemos-lhe assim, advém de um casamento mal consumado com D. Hermengarda de Santo António e Pireza, mas que vos proponho contar mais tarde, não sou nenhum desmancha-prazeres, deixo-o vadiar na sua gabarolice, alinho no seu bom humor, rio com os seus devaneios, chego a arrepiar-me com a sua veia dramática de que não perco pitada, aproximei-me também do grupo e fui-lhe escutar a história que os seus brilhantes olhos nos teriam para contar.

De pouco nos serviu tanta importância dedicada à alegria de Eduardo Aragão. D. Micá, para seguir aquela euforia, tinha interrompido, uma vez mais, a história de de Bonifácio d’Assunção e, Graziela, a baixinha empregada dos Carocha & Co. que hoje tinham sido contratados para o catering do serão, onde não pode faltar o croquete e o rissol de camarão, não sabia para onde se havia de virar, estando mesmo quase a passar-se com o Julião Guedes que lhe apalpava o rabo sempre que ela passava. Cheguei mesmo a pensar sair deste episódio, debruçar-me sobre o varandim já que, embora todo o dia tenha chovido, a noite apresentava-se serena e ainda luminosa de luar e ficar por ali a saborear uma pequena cigarrilha que me havida sido ofertada pelo poeta Santa Rita de Azurara, só não o tendo feito por consideração  ao entusiasmo de D. Micá e à amizade que tenho por Eduardo, meu amigo de quem voltarei a falar.

Eduardo com a voz embargada falava da sua satisfação pela vitória por três a zero do seu Glorioso. E eu, encolhendo os ombros pensei, «olha que novidade». D. Micá, embora feliz com o desfecho, abandonou o grupo ao mesmo tempo que eu e disse-me ao ouvido: «e ainda nos  roubaram dois penalties».

5 comentários:

  1. Por muito que tenha ficado feliz com a vitória do Glorioso, convenhamos que a história é fraquinha para tanto entusiasmo... Vale que embrulhaste bem o enredo! :)

    Beijocas!

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    1. Qualquer vitória do Glorioso, deve ser comemorada. Nem que seja ao serão. Beijocas.

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  2. Não me leves a mal, Constantino!
    De tudo o aqui, visto, descrito e escrito, não sendo eu apreciadora dos serões da D. Micá nem de futebol, a coisa mai linda e ternurenta de todas, é essa foto do teu neto, já grande apreciador de bola, suponho que por influência do avô babado, na companhia dos gansos, pombos e pombinhas! Tudo em harmoniosa e Gloriosa confraternização!
    Quem é amiguinha...quem é??:))

    Uma beijoca para todos.

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  3. Estive a ler todo o historial de Micá:) e gostei.

    Deixo aqui a minha presença para te dizer...ena pá como o teu neto está grande...e esta fase é das mais giras..."a descoberta de tudo":)

    Beijos amigo e bom domingo

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