A D. Micá é uma contadora de histórias. Micá de Azeredo,
filha do Comendador Jovelino Azeredo, um beirão a quem o cacau tentou em S.
Tomé, sem saber como nem porquê. Quando o jovem Jovelino saiu de Albergaria
para vir para Lisboa, esperava tudo menos embarcar para África. É através de um
primo, que tinha conhecimentos junto dos engajadores do Campo das Cebolas que,
no trabalho de estiva, vem a conhecer o imediato Elisiário Godofredo de
Almeida, homem de muitas mulheres e de outras que não se sabe, inclusive de uma
amantizada de Jovelino, a quem este, por estratégia, fechava os olhos nos seus
avanços com o imediato. Este comportamento passivo de Jovelino Azeredo
valeu-lhe as boas graças do imediato que, para que chatices não viessem a
surgir no futuro, quando os “apalpansos” passassem a deboche e a coisa se
complicasse, pois nunca se sabe como se comporta um homem quando passa de
candidato a corno, a chifrudo de pleno direito. Assim, convida o Godofredo a
Azeredo para que este embarcasse no pequeno navio e o deixou, com uma mão à
frente e outra atrás, como soe dizer-se, na ilha de S. Tomé, torrada pelo equador
e onde o cacau já era rei. Sem meios nem linhagem, difícil ficava para o jovem
Jovelino se embrenhar no meio dos plantadores, fulanos de influência e ligações
aos meios militares, a bem dizer, fulanos de tal. Não perdeu tempo, homem de
raça que era, em entender o negócio e não vale a pena aqui explicar
detalhadamente, porque para contar histórias temos a D. Micá, Jovelino Azeredo
acabou como exportador de cacau tendo feito fortuna. Regressou a Portugal em
1976 com quase sessenta anos de idade, solteiro rico e dizem até que não era
mau rapaz. Mas não se ficou por aqui, pois num saltinho às berças, veio a
conhecer uma bela senhora, que ainda não tinha feito os quarenta anos, a D.
Ermelinda Sebastião, casaram e vieram a gerar Maria Catarina Sebastião Azeredo,
Micá para os amigos, D. Micá para os conhecidos, grupo onde me incluo. Está
visto que é preciso contar como é que o senhor Jovelino veio a ser comendador
mas isso conta-se mais rápido do que qualquer história que D. Micá conta aos
serões que costuma dar na sua casa apalaçada ali para os lados da Lapa. Tendo
ficado órfã de pai, arrastou D. Ermelinda para Lisboa onde o dinheiro e um
arquiteto, por acaso de nomeada, de uma firma de Arquitetos que só podemos aqui
dizer que se tratava de Fulano, Sicrano e Associados, pois D. Micá, por causa
de umas alterações que foram feitas à casa, sem que ela as tivesse avalizado,
jurou nunca lhes fazer publicidade, mas dizíamos que o dinheiro e o arquiteto
transformaram um velho palacete numa residência moderna. Decorada já nos finais
dos anos 90 do século XX, a casa perdeu aquele ar pesado neocolonial para que a
modernidade sofisticada se encarregasse de fazer o resto. É assim que um piano
Steinway & Sons, totalmente branco com incrustações Swarovsky pontuava na
ampla sala, com também amplas janelas de vidro triplo e caixilharia em pau-brasil
aclarado e um pequeno varandim onde só cabem duas pessoas de cada vez, quiçá
com algumas intimidades. Os tetos e o chão foram forrados de placas de carvalho
sueco e uma parede em mármore cinza claro contém uma lareira a gás, incrustada.
No centro, uma mesa redonda baixinha em ébano sobre uma grande tapeçaria persa
e uma chaise longue acolchoada a
couro italiano. Num canto da sala, com vista para o Tejo, dois espaçosos sofás
de quatro lugares cada, dispostos em L de tons branco sujo. O único móvel era
um aparador em laca onde se encontrava camuflada uma excelente aparelhagem de
som e a sua coleção de CDs de música pop-rock anos oitenta. Nas paredes, apenas
dois elementos decorativos. Uma pintura de Paula Rego e um retrato emoldurado
do Senhor Comendador, de autor desconhecido. Quando o senhor Jovelino
regressou, não quis que o seu dinheiro ficasse parado e associou-se com um
cunhado de D. Ermelinda Sebastião que era criador de vacas leiteiras. Pois não
só criaram uma sociedade de sucesso, mas também uma fundação, a Fundação do
Leite Magro com Chocolate, associando o espirito da alimentação saudável com o
gosto inconfundível e indispensável do cacau e cuja atividade nunca foi
relevante, pois dela nunca se ouviu falar, mas também nunca deixou de receber o
devido subsídio estatal. Um certo 10 de Junho recebeu uma comenda, dizem que
por causa da sua Fundação, mas que não se sabe se foi bem assim. Coitado, de
pouco lhe valeu pois um fulminante ataque cardíaco acabaria por o mandar desta
para melhor, apenas alguns meses depois de agraciado. Vivem agora D. Micá, nos
seus pouco mais de trinta anos de idade com a sua ainda roliça e bem tratada
mãe, de rendimentos e de serões, não vá o tédio matá-las. E se vos falei hoje
de Jovelino Azeredo foi porque ouvi contar, da boca da própria D. Micá, um dia
que fui convidado para o serão por um primo meu que é seu amigo e que por sinal
também é meu amigo, pois senão não me faria tais convites e que arrasta a asa a
D. Micá, a contadora de histórias. Dela ainda ouviremos falar bastas vezes
nesta sequência de histórias por ela contadas e outras não.
Ah, vais iniciar mais um ciclo de histórias? Quer dizer, passar para o blogue as da D. Micá... Acho muito bem! :)))
ResponderEliminarE podes começar por aclarar lá essa coisa da fundação de leite com chocolate, que não percebi bem para que é que servia, para lá de escapar com a dinheirama ao fisco e ainda receber subsídios estatais... ;)
Beijocas!
Teté e para que é servem mesmo as Fundações? LOL.
EliminarBeijocas.
E a Fundação do Leite Magro com Chocolate terá alguma hipótese de sobrevivência na atual conjuntura? :)
ResponderEliminarEu por acaso conheço uma relativa da D. Micá - que por acaso não se chama Micá- bisneta de um senhor que tem uma estória parecida com essa, de fortunas feitas em S. Tomé, amores e desamores e ainda uma Afunda São, de boa reputação mas duvidosa gestão.
ResponderEliminarDevo é dizer que a relativa da D. Micá é mais chata que sei lá o quê, pelo que fujo dela a sete pés sempre que a vejo por perto.
Abraço
Quero ver se desta não perco o fio à meada, porque desconfio que vem aí um rol de estórias interessantes.
ResponderEliminarAbraço
Adoro estórias bem contadas. Vou ficar por aqui (que é como quem diz, vou estar à coca de mais).
ResponderEliminarSò não percebi a tua dúvida sobre os motivos dele ter recebido a comenda...
ResponderEliminarA Maria Catarina, Micá para os amigos, logo, para todos nós, parece-me ter boas histórias para contar. Vanham elas!
ResponderEliminarMas sem Fundações. Nem de Leite Magro ou desnatado.
Acho que o governo vai acabar com essa mama e até o Marocas vai perder 30% das benesses.
Para que mãe e filha não morram de tédio, aconselho-as a ver a "Gabriela", talvez aprendam alguma coisinha com os coronéis do cacau mais as meninas do Bataclã.
Beijocas para ti e para a Micá.
Se o Comendador Jovelino tivesse vindo ao Brasil, e ficado na Bahia, com suas plantações de cacau, teria sido trilhardário...
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