O crime do número quarenta e três continuava por resolver. Aparentemente, quem poderia ajudar a polícia estava longe de o querer fazer. Desculpa atrás de desculpa, ia-se furtando a contar o que viu e também o que todos sabem que ouviu. A única coisa que se sabe ao certo é que no sexto andar, morava uma italiana, corista no Parque Mayer, que veio a ser encontrada morta com sete facadas fatais. A crueldade do crime foi tanta que o assassino não se dignou sequer tirar a faca do corpo da vítima. Todos sabemos quanto nos anos cinquenta era complicado tirar impressões digitais, compará-las com os registos. Se a pessoa que se dignou esfaquear a corista não possuísse cadastro, então muito mais difícil seria, se não mesmo impossível, descobrir o criminoso ou a criminosa. Ismael ben-Avraham fez sair com toda a pujança mais uma baforada do seu puro havaiano e foi logo avisar, de seguida, o detetive de que com ele não contassem. Se lhes não servia a história de que tinha estado a assistir a um jogo de futebol nas bancadas, então que se danassem. E virando-se para o velho tio que nesse dia tinha combinado ir jantar com ele uma shawarma, provar um húmus e principalmente deliciar-se com um faláfel de grão-de-bico, como só o Ismael ben-Avraham cozinhava, virando-se então para o tio, perguntou-lhe se não ia um copinho de vinha branco.
Quando entraram na tasca de Ismael Gusmán, o meu amigo galego ao ver o velho tio de Ismael ben-Avraham curvou-se numa vénia como se estivesse perante o rei da Abissínia, neste caso, mais propriamente, do rei de Israel. Tratou imediatamente de lhe servir um branco fresquinho de uma produção caseira, que um amigo da Charneca da Caparica lhe arranjou. E ao ouvido do velho Ishmael Baruch, pediu-lhe, não diga a ninguém. Ao fim de algumas palavras de circunstância sobre o estado do tempo e de conferirem os números da Lotaria Nacional, Ismael Gusmán puxou para a mesa o nome de Isabela Sardeli, a corista que tinha sido assassinada, uma semana antes, no sexto andar do quarenta e três. O velho pediu-lhe duas codornizes mal passadas e o sobrinho, para não fazer a desfeita ao tio, mandou vir para ele também, mas apenas uma só, desculpando-se que o húmus que lá estava em casa era para se comer. Mas pouco adiantaram. No entanto, não foi sem um olhar cúmplice, quiçá malévolo que olharam todos ao mesmo tempo para o tipo de bigode branco, mas com um corte à Chalana que acabava de entrar.
Nessa noite, Ismael Gusmán não teve uma noite descansada. Custou-lhe a adormecer porque o nome de Ekatrina Smirnova não lhe saia da cabeça. Com certeza que a estudante de bailado na Fundação, que tinha vindo para Portugal ao abrigo de um protocolo assinado com o Bolshoi, sendo companheira de quarto da italiana não podia ignorar, como sempre o informou, de tudo o que se tinha passado. Mas pior para os seus pensamentos e conjeturas era a ligação de Ismaelix a Ekatrina. Ali havia coisa. Na manhã seguinte a taberna abriu às oito em ponto, como era costume.
Na tasca, já freguês assiduo
ResponderEliminarassisto a tudo
sentado num banco
na mesa do canto
Fico por lá,
a ver no que isto dá...
(fados, odores, crimes...
isto só passa nos cines)
..definitivamente rendida a este lugar..!
ResponderEliminarQuero mais...
Beijos prosista, bom feriado :)
Li todos de seguida para não perder o fio à meada e parabéns porque de facto és um grande narrador de histórias.
ResponderEliminarAdoreiiiii e aguardo por mais:)
Beijos
É verdade... a vida sempre continua indiferente a tudo e a todos!
ResponderEliminarÉ a realidade com que temos que lidar.
Ui, ui, já há um crime e tudo? E as testemunhas não querem falar? Medo, muito medo, que reinava então...
ResponderEliminarBom fim de semana!
Também eu estou rendida aos episódios de vida de Ismael. Ou não gostasse eu de uma boa história policial. Mas aqui há mais, muito mais ...
ResponderEliminarPS: obrigado:)
Apreciei o texto, confesso. E com o tempero certo, isto é, com facadas e tudo...
ResponderEliminarÉ um grande contador de estórias! Bom domingo.
ResponderEliminarA vida segue como se fosse alheia a nós, é um paradoxo inquietante, não?
ResponderEliminarGostei!
=)
... Até que o próximo crime coloque esse na galeria do esquecimento!
ResponderEliminarQuanto a mim, que não sou CSI, considero improvável a vítima ter recebido sete facadas fatais. Depois da primeira, estava "fatalmente" morta ahahah.
ResponderEliminarÉ como comer seis pastéis de Belém, em jejum. Comido o primeiro a aposta está perdida. lool
Vitor
ResponderEliminarObrigada pelo carinho da visita.
O tempo urge ,principalmente no finzinho do ano.
Vou voltar para ler sem pressa o seu trabalho.
Um abraço.