No quintal dos meus vizinhos há uma enorme figueira. Tão grande ela é que, enquanto do outro lado da rua já se fazem sentir os vinte e sete graus desta manhã de pico de verão, aqui no alpendre do meu quintal, a doçura dos vinte graus e onde não se descortina nem uma brisa, permite-me escrever-vos esta história. Eu percebo muito pouco de figueiras e não faço ideia se é pelo facto do quintal dos meus vizinhos ser um pedaço de terreno mais ou menos abandonado, determinado pela idade dos donos e pelo desinteresse dos herdeiros, o que fez com que a figueira há muitos anos não seja limpa, a verdade é que este ano quase não tem figos e os que estão mais apetecíveis se encontram nos ramos mais altos, apenas ao alcance de pardais, melros e rabilongos.
O mesmo não se poderia dizer das figueiras do campo dos parrecos. Ai não se podia não. Que o diga o Carlitos e o seu gordo amigo Eduardo. Aquilo é que eram figueiras, todos os anos carregadinhas, umas de figos de São João, grandes e negros por fora, porque por dentro eram de um cor de rosa mel, se é que esta cor existe, mas a cor e o sabor confundem-se algumas vezes. Outras, com o belo figo da capa rota e ainda algumas de figo moscatel que se comiam já o Agosto ia largo. O pior é que este maná ficava no campo dos parrecos. E o campo dos parrecos ficava longe de casa, uns bons quinhentos metros, por veredas e no meio de quintas. Se a eira que ali se fazia era excelente para jogar à bola, a verdade verdadinha, é que a mãe não queria os filhos tão longe, queria-os bem à vista e se hoje se fala em malandragem e criminalidade, nesses tempos já se falava dos teddyboys, não sei se se escrevia assim, que raptavam criancinhas. Mas, e os figos?
Quando o pai chegou a casa, depois de mais um árduo dia de trabalho, o Carlitos não estava em casa. A mãe, impotente para fazer mais do que isso, queixou-se ao pai. O pai saiu disparado direito ao campo dos parrecos e, do alto de uma imponente figueira ouviu primeiro o Eduardo dizer, uns ramos mais abaixo, que por ser gordo não podia mais subir, olha aquele ali tão madurinho e o Carlitos, esse sim bem lá no topo, responder, deixa estar que eu apanho. Não sei se ele pulou ou se voou, o Carlitos deixou de ser visto no cimo da figueira, ouviram-se os passos rápidos de uma criança de sete anos correrem entre o rastolho do trigo já ceifado, o Carlitos entrou esbaforido em casa e foi esconder-se debaixo da cama. Ele nem viu o pai. Apenas ouviu uma voz grossa, cem por cento familiar, dizer cá de baixo. Ai apanhas, apanhas.
Numa época em que os filhos tinham “medo” dos pais? Ou melhor do pai? : ) Ter-se-ia escapado mesmo debaixo da cama? Até parece que vejo um cinto a ser deslizado para fora das calças ...
ResponderEliminarCatarina, se a memória não me falha ainda levou duas palmadas no rabo :)
ResponderEliminarE como é que esse pai adivinhou logo onde o puto tinha ido? Hummm.... se calhar em tempos já por lá andara... :)))
ResponderEliminarEnfim, em miúda também fui apanhada em cima de uma figueira, que eu e as minhas amigas julgávamos abandonada e afinal tinha dono. Vá que o velhote foi simpático e compreensivo... :D
Beijocas!
Meu avô tinha umas três figueiras e não deixava nenhum neto chegar perto delas e eu era louca por figos - até hoje. Então, quando chegava a época, ia ele, delicadamente, tirar os imensos figos das figueiras, que ele não deixava ficar alta. Eu morria de medo do meu avô, portanto, nunca me arrisquei a desobedecê-lo, mas que era uma tentação, isso era.
ResponderEliminarPois... estas cenas são-me bem familiares e já passou tanto tempo!
ResponderEliminarRegressado de férias aqui fica o meu abração.
sou da geração que tinha frutas no quintal. Na realidade, sou da geração que ainda tinha quintal. Continuo tendo quintal, mas tão pequeno que só me permite uma pitangueira, que nem os pássaros alimenta, acho que eles também, modernos, preferem vir comer a ração das minhas cachorras às pitangas da árvore.
ResponderEliminarMudaram até os pássaros!
Mas a única coisa da qual me orgulho é que meu pai jamais bateu em filho nenhum. Ele sim, era moderno...
maray, eu também nunca toquei nos meus filhotes mas levei algumas palmadas no rabo. Eram outros tempos, outros costumes. Não deixaram nenhuma marca e por vezes ainda me rio disso. Sabe, nós às vezes até que merecemos :)
ResponderEliminarVoltei atrás no tempo...e não no topo de figueiras, mas de mangueiras, cajueiros e fruta-pinheiras...e não era o pai...mas sim a mãe...eu escapava sempre, mas o meu irmão, bem mais magrela do que eu...pimba e ouvia sempre onde está a tua irmã? e calava-se porque depois eu dava-lhe em dobro e lá estava eu a lavar a boca, a cara etc... e sem qualquer apetite para o almoço...para não falar das dores de barriga que por vezes surgiam:)
ResponderEliminarImensamente preenchente e gostei imenso!
Recordei os tempos infância em que eu e os meus irmãos ficávamos empoleirados nas figueiras a saborear os figos, a diferença é que as ditas eram nossas e a única coisa que ouvíamos era a mãe a ralhar:-Saiam daí seus malandros ainda caiem!
ResponderEliminarAbraço
Manu
Olá
ResponderEliminarOutros tempos, outro respeito pelos pais.
Fui sempre uma medricas...nunca subi a uma árvore.
Quanto aos figos...adoro!
Bjs.
Já íam uns figos...
ResponderEliminarInteressante foto e belo texto!
(a foto do pôr do sol, é proximo da cova do vapor, é precisamente da costa - praia cds)
Obrigado,
Abraço
Sempre termina assim Vitor em tabefes!! rs
ResponderEliminaraté eu gostaria de colher figos, são saborosos com sua polpa rosa mel ( acrescentei a cor à minha paleta ) rs
meu abraço
Aos figos nunca fui, porque não gosto...mas muito se tem falado hoje de Figueiras! Não do Carlitos , nem do Eduardo, mas sim do António que optou por viver no Esplendor do Relva(s)
ResponderEliminarApanhou e ficou de barriga cheia.
ResponderEliminarComo sempre, um excelente texto para uma doce recordação. É curioso que os figos ainda são fruta de época (a maioria hoje já é de todo o ano...) e nos mercados anda caríssima. mas também que eu observe é a única que ainda vejo mesmo aqui em Lisboa ser vendida discretamente por alguns velhotes ao canto da rua....
ResponderEliminarEm criança, mesmo em Lisboa como vivia num rés-do-chão tinha uma árvore no quintal - uma romanzeira. Mas nas férias, no campo, subi a algumas árvores, sim senhora. Mas tudo legal!
Nessa época o respeito pelos adultos, era geral nas crianças. Nunca ouvi, nem me passaria pela cabeça dar, certas respostas insolentes que hoje são tão frequentes. Esta ausência de limites actual, não me parece nada bom.
Isto recordou-me as minhas próprias traquinices de infância bem documentadas no meu blog. :D
ResponderEliminarhttp://ocantinhodomestre.blogspot.com/search/label/inf%C3%A2ncia
outros tempos...
ResponderEliminarmais respeito ou seria medo?!
uma boa narrativa.
um beij
Uns comem os figos, outros levam tanto murro que ficam com os "beiços" rebentados. lol
ResponderEliminarNão me faças isto!!! Por favor Constantino, eu mato-te eu vou pá cadeia mas roubo figos. eu amo de paixão (fazendo uso da expressão brasileira) os figos sejam pretos, verdes, de mel com bicho roídos .tudo o que aparece ....entra pelo bucho
ResponderEliminarkis :=)
Vítor Fernandes (eu pronuncio seu nome lentamente, cheio de pausas, sem pressa nenhuma), o fato é que, com ou sem palmadas, figo bom é o figo do vizinho...
ResponderEliminar;)))
♥♫♪
ResponderEliminar°º✿
º° ✿✿♥ Olá, amigo!
História deliciosa de ler...
Boa semana!
Beijinhos.
Brasil
♥♫♪
°º✿
°º✿✿♪♫° ·.
Ternura de texto
ResponderEliminarOh Deus! Que saudades eu tenho dos figos de Salvaterra...
ResponderEliminarClaro que os melhores papam-nos os pássaros, bem madurinhos, lá no alto, onde só eles chegam.
E naquela altura que relata, os tempos eram outros. O medo aos pais mais ríspidos, também era sinónimo de respeito, o que falta em muito, hoje em dia...