terça-feira, 9 de agosto de 2011

55. Noites de lua cheia



Luís Gustavo não se conformava. A sua infância tinha sido passada na casa da avó em Borba numa quintinha com muitos pássaros e pinheiros. Mais tarde, quando os pais adquiriram dois lotes de terreno na Verdizela e mandaram construir uma vivenda de quatrocentos e cinquenta metros quadrados e deixaram o outro tanto para o livre arbítrio da utilização dos filhos, ele e o irmão quase que chegaram a vias de facto. Um a querer um court de ténis, o outro, um campo de futebol. Salomonicamente os pais mandaram fazer uma piscina e rodearam de verde a anil fonte de húmidos mergulhos.

Luís Gustavo casou com Camila, uma citadina, e foram morar num apartamento em Telheiras. Os acabamentos eram de primeira categoria, a casa tinha madeiras exóticas no soalho, a cozinha era ampla, muito bem equipada e com uma ilha para os mais requintados cozinhados. No quarto um Led TV na parede, e espaço para ensaiarem uma salsa ou um tango figurado. A sala de estar era digna dos príncipes de Gales e Camila não trocaria assistir a um concerto para violoncelo e piano naquele salão, em detrimento de qualquer convite para Buckingham. Todavia, as reuniões de condomínio, que abominava, e o barulho do elevador pela manhã ou às sete da tarde, quando chegava a casa, perturbavam-lhe o sistema nervoso. Luís Gustavo não hesitou. Quando viu aquele anúncio de mansão na Ericeira, à venda no Diário de Notícias, precipitou-se. Seria a sua nova casa.

Na vila, quando Luís Gustavo perguntou pela propriedade o ar tornou-se denso. Num ambiente pesado todos olhavam uns para os outros. A casa assombrada ia finalmente ter dono. É verdade que a mansão precisava de obras, mas Luís Gustavo já se via como produtor de peras e ameixas, tal era a extensão do terreno, o velho tanque seria recuperado em piscina para os netos e a casa, mais cedo ou mais tarde, seria o orgulho dos Lencastres ou não fosse ele um Luís Gustavo de Borba e Lencastre, parente em quarto grau do Visconde do Alandroal. O que mais o incomodava era a assombração de que todos falavam. Foi num dos momentos de visita à propriedade que interrogou o velho caseiro, com quem já tinha assumido o compromisso de que o deixaria viver até ao fim dos seus dias no velho casarão, que era também serviço de cavalos e outros equídeos, sobre a existência de fantasmas na mansão da vila. O velho não só negou que lá existisse semelhante coisa como pensou com os seus botões, que nos quatrocentos anos que ali viveu, nunca viu nenhum fantasma.

Texto e foto do autor. Todos os direitos reservados.


14 comentários:

  1. Ah ah ah, que filhada(pi) de fim mais inesperado.

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  2. Olá

    ...o "fantasma" da lua cheia...

    Bjs.

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  3. ...por entre seus dedos a sua imaginação trabalha num rosto sem limites, em que um escrito bate contra outro escrito, e qual deles o melhor...não sei..pois!

    Mais uma vez grata..gosto de o ler..e tanto!!

    Um beijinho
    da
    Assiria

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  4. minha casa hoje vive cheia de fantasmas...a todo momento tropeço com meus filhos crianças, largando brinquedos aqui e ali...deve ser a vontade de ter netos! Os fantasmas do passado com a idade vão se tornando tão palpáveis que a gente se pergunta quem será o fantasma, nós ou eles!

    abração!

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  5. Com este texto aprendi uma (entre muitas) coisas: o fim de uma estória/conto será sempre inesperado.
    Uma forma muito “atraente” de escrever.
    Aonde está a lista dos seguidores? Assim teria a certeza que não perderia um “post”! : )

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  6. Tens sempre o condão de nos surpreender e de arrebatar um sorriso no fim de cada conto.

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  7. Não há nada como um bom final, para animar logo um conto! :)))

    Muito bom! :D

    Beijocas!

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  8. Impossível não ficar de sorriso rasgado quando se lê o final.
    Qual seria o elixir para tamanha longevidade do caseiro?:)))
    Abraço
    Manu

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  9. Muito bem engendrada esta pequena história de fantasmas! :-))

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  10. De fato, impossível contermos o riso ao final do conto!

    ;)

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  11. Mais uma narrativa genial que me fez rir à gargalhada...pois fantasmas, cadê eles?

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  12. Pois ... serão como as bruxas. Não se acredita mas que os há ...:))

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  13. Hehehehehe!...

    Ótimo conto!

    Ou como vocês dizem por aí...


    ÓPTIMO!!!

    :)))

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