Vou contar-lhes tal como me contaram. Se acreditarem…, pois todos sabemos que quem conta um conto lhe acrescenta um ponto. É fatal como o destino. E a história que lhes vou contar não me contou certa velhinha, apenas ma contaram e pronto, espero que tenha ficado esclarecido.
Era um casal quase sem mácula. Namoraram como era costume naquele tempo, ele pediu autorização ao pai dela para namorar com a filha e passar a ir lá a casa nessa condição, a de namorado da filha e foi assim que durante mais de seis anos assistiram juntos à Visita da Cornélia, à Gabriela, ao Casarão e à Escrava Isaura, foi assim que ele descobriu o jeito dela para fazer camisolas de lã e casaquinhos de bebé e para rematar naperons. Trocaram impressões sobre as lições de economia do Francisco Pereira de Moura, deram uma vista de olhos nos livros do Mário Murteira, analisaram juntos a demonstração da derivada de logaritmo neperiano de xis, estudaram séries de Taylor e de Fourier, embrenharam-se na moeda e crédito e na econometria, reviram os trabalhos de grupo de regimes transitórios II e preparam o exame de hidráulica. Neste intervalo, não perderam uma manif do 1º de Maio, cantaram juntos porque a cantiga era uma arma, analisaram Marx e Marta Harnecker, não perderam de vista o Plano Marshall, estudaram sobre a tática e a estratégia, estiveram sempre presentes com Engels e com Lenine e ainda hoje Alexander Rüstow é objeto de estudo conjunto e, segundo me contaram, conhecem de fio a pavio cada parágrafo do acordo entre os socialistas pró-banqueiros, os democratas cristãos e os neoliberais com a troika FMI-UE-BCE. A sintonia no casal é perfeita, têm dois filhos e um neto maravilhosos e até me contaram que ambos costumam ir a casas de fado e à missa mas já não assistem aos comícios do Bloco de Esquerda. Quando discutem, não pelejam mais de 30 segundos e é por coisas tão banais como a comida tem um pouco de sal a mais, ou esqueceste-te das meias no meio do quarto, que nem vale a pena dar relevo a isso. De antagónico mesmo, apenas a cor das camisolas. Ele usa uma vermelha que nos campos a vibrar é uma papoila saltitante, uma camisa que é toda ela Luz. Ela veste de riscas verdes e brancas a lembrar um lagarto rastejante da Citânia de Briteiros.
Naquele dia, quando ela regressou da cozinha, trazia na mão um copo um sumo de laranja. Não lhe dirigiu palavra. Em cima da cama, ainda por fazer, uma mala já estava cheia. A outra com o fecho de correr aberto de uma ponta a outra, ia recebendo calças e calções, camisas e camisetas, cuecas e meias. Ela não lhe fez um único reparo. Apenas o observava enquanto segurava no copo de sumo de laranja. Colocou um livro de Luís Sepúlveda e outro de Vargas Llosa na bagagem. Cofiou o bigode e foi buscar um Saramago. Viu se o moleskine ainda tinha páginas em branco e dirigiu-se à casa de banho. Tomou o comprimido para a tensão arterial e lavou os dentes. Guardou a escova numa bolsinha, atirou a bolsa para a mala, correu o fecho. Aceitou o sumo de laranja. Fez uma festa na cabeça de cada gato. Tirou a carteira do bolso, confirmou os documentos, os bilhetes estavam em ordem. Deu quatro voltas à chave e, cada um com a sua mala, partiram para férias.
Texto e foto do autor. Todos os direitos reservados.
*digam lá se não estou tão troika…
Essas personagens são-me vagamente familiares! Então deseja boas férias ao teu amigo e respectiva família!
ResponderEliminarBeijocas!
ps - Os gatos ficaram fechados em casa? Vai lá algum vizinho ou familiar alimentá-los?
Olá!
ResponderEliminarMalandrice, Constantino!Como sói dizer-se, levou-me à certa.Afinal tudo continua bem, e até foram de férias juntos...
Bem construída a armadilha.Gostei de ler.
Um abraço.
Vitor
Boa viagem...au revoir:)
ResponderEliminarEsse final é mesmo característico do seu estilo narrativo, meu caro Constantino. De cada vez que leio um conto seu, começo logo a imaginar o final. É claro que a minha imaginação NUNCA bate certo com a sua. O meu caro amigo é único. :)
ResponderEliminar(Mas os gatos ficaram sozinhos???? Certamente irão morrer de fome. eheheheheheheh).
Pois eu, desta vez, acredito que não há nada ficcionado, Constantino.
ResponderEliminarOu melhor, há uma coisita que não corresponde à verdade, mas já falo nisso.
Ainda estava na dúvida quanto às férias e ao destino das mesmas, por muito troykianas que fossem, embora, até isso possa ser verdade, claro.
Se assim for, fico muito contente pelo casal e por tal ser sinónimo de uma total recuperação da Yasmin.
Contente, contente, fiquei por saber que ambas vestimos a mesma camisola. É verdade!
Pasmei com a referência à Citânia de Briteiros!
Credo… até conhecem essas ruínas que ficam aqui para os meus lados! Se os lagartos lá são diferentes dos da Serra da Arrábida, não sei, mas que há lá muitos, isso há.
A parte da ficção, é que ele não podia ter cofiado o bigode!
Simplesmente, por ter cortado a barba e o bigode há já uns anitos. Bruxa…
Então, com quem ficaram os gatinhos?:))
Boas férias.
Beijinhos a ambos.
Janita
Ahahahaha, para esclarecer a minha amiga Janita, a ficção é fotográfica. Embora o aeroporto de Beja já receba voos comerciais, desta vez não vou de avião.
ResponderEliminarA Yasmin continua hospitalizada. Para já as minhas férias vão ser de 2 dias, mas as malas já estavam feitas...Se ela tiver alta na 2ª f, e começar a reagir bem, aí recomeço as ditas cujas, caso contrário primeiro estão os meus gatos. Se ela estiver bem ficará com a babá (a nossa indispensável e dedicada Fátima, nossa empregada de alguns anos).
Para todas as minhas amigas e amigos que se preocuparam, os meus gatos ficarão diariamente acompanhados durante a semana e serão vigiados e alimentados nos fins de semana, embora com menos tempo de companhia. E dormirão na minha cama como é costume.
Se alguém me espera ver bronzeado tire o litle horse from the shadow porque eu uso protetor 50+ :)
Um texto excelentemente contruído. :) Beijinho
ResponderEliminarGodtei
ResponderEliminarum beijinho
Adoro seus textos-espelhos-tortos! Nunca é totalmente real. :)
ResponderEliminarBoa viagem, queridos e melhoras a Yasmim
beijocas
Mirian Martin
Já ouvi falar desse sistema de férias separadas e dizem-me que dá bons resultados... mas nunca experimentei!
ResponderEliminarOlá, amigo!
ResponderEliminarQue trágico, não é???
Estou curiosa com o nome do seu blog:
por que guardador de vacas???
Boa semana!
Beijinhos.
Brasil
♥ •˚。
°° 。♥。
●/ ♥•˚。˚
/▌
/ \ 。˚。♥
Desta vez a história me parece bem rela e sem um final inesperado como é seu hábito.
ResponderEliminarA sua escrita é tão rela que parece que estamos a ver a cena.
A Yasmin fica bem entregue e os dois podem ir descansados.
Boas férias.
Abraço
Manu
primeiro estão os gatos... no meu caso, a gata.
ResponderEliminarComo sempre, um texto excelente, com um toque final de imprevisto.
ResponderEliminarUns regressam de férias ( eu) outros partem ( o meu amigo). Faz parte das nostalgias de Verão.
Desejo-lhe umas boas férias e as melhoras dos gatinhos.
Sou o CBO do Rochedo, mas continuo a ter de comentar como anónimo. Sorry!
Olá amigo!
ResponderEliminarÉ sempre uma surpresa passar por aqui!
Fizestes eu pensar com esse seu conto... Será que férias separadas não são mais divertidas?? Rsrsrsr...
Ótimo conto. Como todos os que já li por aqui.
Bjs e uma semana abençoada p/ vc e sua família,
Tânia
Isso é que é saber viver!
ResponderEliminarFérias inclusive matrimoniais, conjugais...risos.
Abraço, Constantino.
;)
Constantino, as férias prolongaram-se?
ResponderEliminarNão me diga que encarregou o Schubert de publicar os comentários?
Apareça! Já estou com saudades...
É como vê, meu caro amigo. Aqui o pessoal já está com saudades das suas preciosas narrativas. :))
ResponderEliminar♥ •˚。
ResponderEliminar°° 。♥。
FELIZ DIA DOS AMIGOS!!!
♥ •˚。
°° 。♥。
"Ele usa uma vermelha que nos campos a vibrar é uma papoila saltitante, uma camisa que é toda ela Luz. Ela veste de riscas verdes e brancas a lembrar um lagarto rastejante da Citânia de Briteiros."
ResponderEliminarQue imagem perfeita!!!!
...apetece-me mais***
Um beijinho
da
Assiria
Quer-me cá parecer que já só nos vamos voltar a ver em Setembro!
ResponderEliminarAdivinhe que vai de férias no fim do mês?-))
Então, adeus e adiós...é a crise!!
Beijinhos e hasta pronto.
Janita
Oi Cosntantino
ResponderEliminarQue bonitinho ! rsrs com todas as afinidades nada melhor do que cada dar uma saidinha pra ter o que conversar na volta.Uma pitadinha nessa relação sem mácula é de bom gosto rsrs
Adorei , volte logo a publicar como foi a saída estratégica .
Abraços abraços
Nem pensei nos gatos! Pensei, , que “fui levada à certa”! : )
ResponderEliminarBoa viagem. So long! : )