A Mariana era a sua namorada e ele um incorrigível brincalhão. Uma das suas brincadeiras preferidas era inventar mentiras das que se desfazem ao fim de cinco minutos ou que, quando se não se desmoronavam por elas, ele próprio se encarregava de o fazer. Qualquer situação servia para que ele inventasse uma mentira. Na santa ingenuidade da adolescência e até mesmo quando já era um pouco mais crescido achava que não fariam mossa, pelo que por vezes perdia a noção do alcance ou de como, com isso, poderia estar a magoar alguém. Até a ele mesmo. Naquele dia, disse a Mariana que não poderia ir buscá-la ao emprego porque iria para a piscina. Depois de uma troca de palavras mais ou menos inquisitórias de um lado e explicativas do outro, Mariana ficou a saber que no Instituto onde ele estudava havia uma piscina. Ficou a saber mas não acreditou.
Desciam com frequência dos Anjos ao Terreiro do Paço, a Almirante Reis, a Rua da Palma, viravam à Barros Queiroz, entravam no Largo de S. Domingos, acediam à Praça da Figueira pela rua do Brás e Brás, passavam pela esplanada da Suíça, desciam a rua da Prata, davam uma olhada ao Martinho e apanhavam o vapor no Terreiro do Paço. Era bom o passeio, tanto poderiam beber (ele, ela não gostava de álcool) uma ginjinha do Espinheira, comer uns passarinhos fritos no Petiscabebe, um bolo na Lua de Mel ou um café no Martinho da Arcada e, o que era melhor ainda, namoravam mais tempo do que se optassem pelos transportes públicos. Mas não naquele dia. Naquele dia, ele entrou na Igreja de S. Domingos, deu esmola aos três pobres que pediam à porta, rezou alguns minutos e, quando saiu, informou-a que o namoro teria de acabar ali. Ele seguiria a sua vocação, iria entrar no Seminário e esperava, um dia, vir a ser frade dominicano. Naquela tarde, ele em meditação de cabeça baixa, ela num mar de lágrimas, não viram o pôr-do-sol que dourava as águas do Tejo e transformava o mar da palha num mar de fios de ovos.
Nem quando começou a namorar com Mariana ele deixou de ir aos bailes do clube. Mariana não se importava e sugeriu-lhe, em tom de brincadeira, que ele tentasse um casting no Bolshoi. Ele contrapôs com o bailado da Gulbenkian onde, aliás, lhe contou que já estava inscrito. Não foi a gota de água. Outras se seguiram e Mariana desistiu. Não antes de o ter visto descer as escadarias do Instituto, com os longos cabelos, que ele usava naquela época, completamente molhados de mais uns mergulhos na piscina. Virou-lhe as costas e nem reparou que o pas-de-deux estava ser dançado pela esguia bailarina que o acompanhava. Mas uma coisa ela teve a certeza de ter reparado. Ele não vestia o hábito dominicano.
Texto e foto (Malta, La Valleta) do autor. Todos os direitos reservados.
que boa história, Constantino!e que filho da ...esse seu personagem, hein. Gostei muito de passar por aqui, uma boa noite para você
ResponderEliminarEstá sendo maravilhoso seguir seu blor, Sr. Constantino!
ResponderEliminarEstou acabando de ler um post já pensando qual será o próximo!
Gostei muito desse... Uma história escrita cm personagens bem reais... Quem já não foi um a"Mariana" ou conheceu um "namorado" como o dela??!
Abraços e uma maravilhosa semana p/ o Sr. e sua família.
Ontem eu estava conversando a respeito de um parecido com este, mas que foi pego por uma pior que ele - e a insegurança faz do travesso um manso cordeirinho... :)))
ResponderEliminarMirian Martin
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminar..Mariana sabia da necessidade de SER-SER. Fascinava-a muito, pois! Muito embora por vezes angustiada mugisse a boca de terror.
ResponderEliminarMas porem, Ela sabia do aroma entranhado na patranha dos retratos em trajes Dominicanos, alias do uso corrente das palavras onomásticas e pleonasticas que Ele homem do se EU lhe ditava dourando as águas do Tejo e transformando o mar da palha num mar de fios de ovos entrelaçados nos "ocasos" dos EU's do SER-UM silenciosos e sem fim...
...
ah..gostei..pois!
Proseado fabuloso o deles...
Um beijinho
da
Assiria
Sr. Constantino,
ResponderEliminarGostei muito da fotografia... O por do sol é inspirador sempre!
Bjsss,
A tragédia do mentiroso compulsivo não é o facto de fazer crer ao interlocutor que a mentira é uma verdade mas sim acreditar na própria mentira.
ResponderEliminar(frase da minha autoria)
"Acreditar não faz de ninguém um tolo. Tolo é quem mente."
ResponderEliminarestava com saudades de seus contos, Constantino.
Um beijo!
Boa semana!
Há vocações e vocações. Algumas tramadas e traumatizantes. Paradoxalmente ou talvez não, nestas, quase sempre o/a traumatizado nunca é quem urde a trama. E quando a vocação compulsiva tem o efeito boomerang, logo se alega peso de consciência numa tentativa de absolvição.
ResponderEliminarSó eu sei o quanto gostaria de falar nisto de ânimo leve, sem ter sentido na alma o peso desta tremenda vocação. Mas, como não há bem que sempre dure nem mal que não acabe, tudo o que principia tem o seu fim.
A vida real está repleta de Marianas, de bailarinos e falsos monges.
Fiquei com muita pena que naquele fim de tarde fatídico, eles tivessem perdido o encantamento do soberbo pôr-de-sol dourando as águas do nosso belo e romântico Tejo.
Tiro-lhe o meu sombrero e inclino-me numa respeitosa vénia, meu caro amigo e escritor, porque nas calhas de roda nem só o poeta é um fingidor.
Com amizade.
Janita
O fradeco estava ali para as curvas!!
ResponderEliminarSempre a deixar-nos com um sorriso!
Acho que no Brasil chamam a estes gajos galinhas! Eu chamo-lhes mulherengos e não gosto nada do estilo. Há quem lhes chame outros nomes ainda menos simpáticos.
ResponderEliminarMas enfim, cada um sabe de si! Felizmente, topo gajos deste género à distância, não tenho queda nenhuma para eles. Mas chateia-me ver como tratam mal as namoradas, que por vezes são mais que duas ou três em simultâneo... :P
Beijocas!
magnifico
ResponderEliminarBjinhos
Paula
Mais um belo conto Constantino
ResponderEliminarsinto saudade quando nao posso vir ler-te.
Desses namoradinhos de mariana a gente foge e os quer bem longe rsrs
deixo um abraço brasileiro
Fico ciente por esta visita
ResponderEliminarque atrai com os seus contos
quem o agradavelmente o critica
realçando determinados pontos
Parabéns
Um abraço
Gargalhadas:):):) Fabuloso:)
ResponderEliminarOlá !!
ResponderEliminarGostei muito do texto e da foto, teu blog é muito bonito.
Sill