Na praceta das traseiras não havia carros. Aliás quase
não havia carros em nenhuma das pracetas. Estávamos nos finais dos anos 60,
início dos 70 e pouca gente tinha dinheiro para comprar carros. Um bairro onde
a maioria eram operários, empregados de comércio, embarcadiços, estivadores e
outros portuários, motoristas de autocarro, funcionários públicos, que na época
ganhavam bastante pouco, magarefes, pescadores e um ou outro estabelecido.
Assim, como hei de dizer, classe operária e baixa classe média. No bairro não
havia ricos embora também não se possa dizer que fosse um bairro pobre. Mas
carros havia poucos, havia muito espaço para jogar à bola, era na minha
praceta, era num baldio que ligava o Bairro ao Valdeão, hoje integrando o HGO,
era na própria estrada onde, amiúde, aparecia a GNR a perseguir os putos que
jogavam à bola, bastas vezes a guarda a cavalo pois aquela urbanização estava
implantada numa zona rural, cercada pela Quinta do Olho de Vidro, a Quinta do
Cesteiro, o Valdeão, a Quinta do Malquefarte, a Quinta do Pinheiro e por aí
fora que a minha memória não consegue lembrar-se de todos os nomes, eu não sou
nenhum Saramago, era na praceta das traseiras e a minha mãe,
- Joga-lhes um balde água
cheia de cardos e de outras ervas que
a malta pisava com os sapatos, para a transformar em campo relvado, no meu
Bairro não se andava descalço e que no final até parecia mesmo um campo
relvado, até aonde vai a imaginação das crianças. E lá se montava o estádio,
onde hoje é um rinque cimentado, com balizas de futebol a sério e a minha mãe,
- Estou a falar a sério, manda-lhes
um balde água
e redes de proteção para que as bolas
não acabem nos vidros de alguma janela, e eram duas pedras a servir de baliza,
quatro se contarmos que havia duas balizas e numa delas, o meu irmão do meio, o
mais novo ainda era praticamente bebé, guarda-redes como se falará mais tarde,
mas ali, a voar para a bola e a cair nos cardos batidos e os joelhos a baterem
no chão a chegarem a casa sangrando, no entanto ele voava, parecia o Capitão
América ou o SuperMan, ou para mim o melhor, o major Jaime Eduardo de Cook e
Alvega, o major Alvega da revista Falcão, que saudades que tenho daqueles
livros aos quadradinhos e a minha mãe,
- Vem para mesa
e eu a pedir para atrasar um bocadinho o almoço, estava a acabar um capítulo
de História ou de Geografia pois à tarde ia ter ponto, com o Falcão escondido
no meio dos livros de estudo e, enquanto o major Alvega não arrasava a asa da
tirania nazi dos céus de Inglaterra, eu não engolia o bife ou, mais certo, os
carapaus fritos, mas não, não voava tão alto como o major Alvega porque o major
Alvega voava de avião e o meu irmão Carlos voava sobre o relvado de cardos e eu
frustrado porque mais uma vez, apesar da bomba, que não de um avião da RAF nem
da Luftwaffe, era uma bomba saída dos pés de uma criança de catorze anos, não
marcava golo, logo eu do Benfica e ele do Sporting, podia lá ser eu não marcar,
quem me dera que fosse frangueiro e eu cada bola, cada golo, mas não, ele
defendia mesmo bem, defendia quase tudo. Só que eu era avançado e também
marcava bem mesmo ela entrava altas
ou por cima da pedra que era poste ou
que fingia ser se entornava o caldo entre irmãos, rivais de clube e rivais na
função, um avançado, outro guarda-redes, Foi golo, Não foi nada e eu Foi e ele Não
foi e eu Batoteiro, Batoteiro és tu, Larga já a bola que a bola é minha, Querias,
vem-ma cá tirar se a queres e eu ia e andava-mos à bulha e a minha mãe para aquela
que via os nosso jogos pela janela da sala, tão garotos que nós éramos e acabámos
por casar, já lá vão trinta e oito anos de enlace muitos de namoro, dois filhos
e três netos eramos uns garotos e a minha mãe sem sonhar que alguma vez ia ser
a sogra recomendava-lhe,
- Se eles discutirem, manda-lhes um balde água.
Sem comentários:
Enviar um comentário