o
aquário: Chamavam-lhe chavalo. Era um misto de calão e de
gíria em portunhol que se falava naquela povoação fronteiriça. O seu grande
sonho era ver o mar. Não admira que fosse desejo de família. Quando nasceu nem
hesitaram, pais e padrinhos estiveram sempre de acordo. Haveria de chamar-se
Mário. Marinho para os mais íntimos. Chavalo para a rapaziada. Chavalo Marinho
como que uma premonição. A vida para ele era uma festa. Todos os dias eram de
carnaval. Juntavam-se caretos, fazia-se teatro. O teatro da vida. Veneziano, pois
então, que as máscaras não tinham sido desenhadas para menos. Ele era sempre o
protagonista. Montou o seu espaço. Chamava-lhe, sentimentalmente, o seu
aquário. A comédia da vida, junto ao mar. Ou junto a um sucedâneo, por falta
daquele. O seu aquário. Dele brotavam bolhas oxigenadas como que balões de
festa ou respiração de peixes. E nem os dragões escondidos nos mentideiros como
se de uma tourada sem touros se tratasse conseguiam arrefecer as águas. Eram
dragões de fogo fátuo, efémeras lavaredas cuja água do seu oceano, o aquário de
Chavalo Marinho facilmente extinguiam.
ele
e os outros: Chavalo Marinho valia por toda a
companhia - era o encenador e o ator principal - travestia peixes-macho em
peixes-fêmea , fazia anémonas parecerem medusas e cantava em falsete quando a
baleia branca faltava aos ensaios. Os outros eram peixes, dragões e ervas
subaquáticas. Tudo para ele era mar.
o
drama: Tudo aconteceu de repente. Serafim, o pai, bêbado que nem um cacho estava possesso. A taberna estava fechada. O delirium tremens apoderava-se-lhe dos
músculos. Tinha de beber. Invadiu o teatro, introduziu a cabeça no aquário e
sorveu-o de um só gole. Engasgou-se com a cabeça de um robalo errante, uma
medusa cobriu-lhe a cabeça. Continuaria bêbado mas não seria careca.
epílogo:
Marinho acordou. Lá fora relinchou Pégaso o seu amigo equídeo, mas não alado,
era real e não marinho e o pai não estava bêbado, nem careca. Tomou o pequeno
almoço e foram à pesca. No rio. O mar ficaria para mais tarde. Perguntou-lhe doce
e desconfiadamente:
- Papá, os dragões existem?
(*) Não encontrei na net o quadro de Agostinho Santos
de onde fiz a leitura supra. Fica outro da sua interessante obra.
Um texto sonhador, poético e de desejos...
ResponderEliminarum bom ano com saúde.