Era uma
crise do caraças lá em casa. Não havia coisa que ele fizesse em que ela se não
metesse. Não era por mal, ele bem o sabia, mas aquele vício desgraçado de meter
o nariz em tudo deixava-o à beira de um ataque de nervos. Se ele estava na
cozinha, ela chegava e aumentava ou diminuía o fogo. Se ele fazia o refogado,
ela comentava a cor do estrugido. Se ele fritava um bife, ela falava-lhe do
ponto. À mesa observava a quantidade de salada que ele comia ou não comia, se
tinha deixado a cebola no prato ou não, se ele deixava ou não deixava a carne
agarrada ao osso das costeletas. À hora da sobremesa se ele se levantava para
ir buscar cerejas ela contrapunha que também havia melão. Nos dias em que ele
vestia uma camisa aos quadrados comentava que se calhar uma às riscas ficava
melhor e perguntava-lhe muitas vezes porque é que não levava os sapatos castanhos
em vez dos pretos. Quando o apanhava a ler perguntava-lhe se não era melhor
acender a luz da mesinha de sala em vez do lustre e na casa de banho
comentava-lhe o vício de dobrar o papel higiénico antes de o usar ou porque é
que ele não apertava a bisnaga do creme dentífrico de baixo para cima. No dia
em que lhe observou que ele ainda não tinha posto champô na cabeça e já se
estava a enxaguar foi o entornar do copo. Ele deu-lhe dois berros que fizeram
estremecer o apartamento e a torneira da água começou a soluçar. Debaixo de uma
lágrima furtiva ela jurou que nunca mais se meteria nos assuntos dele.
Encontrou-o
morto em cima da cama. Avisou-o apenas ao fim de três dias com medo de ser
acusada de andar sempre a meter o bedelho onde não devia.
Caramba! Isso é que foi passar de oito a oitenta, pois se até no dobrar do papel higiénico ela se metia.
ResponderEliminarO homem nem nas suas necessidades mais básicas estava orgulhosamente só? Hirra, que era demais! Não admira que tenha sucumbido a tanta fiscalização.
Sabes uma coisa, Vitor? Ando a ler "Um Postal de Detroit" - quase a terminar - do jovem escritor João Ricardo Pedro! Não imaginas o quanto penso em ti e na tua escrita, em determinadas partes em que me desfaço a rir. Pareces tu a escrever! É impressionante a semelhança nas cenas comicamente insólitas!
No texto anterior do passarinho, gostei muito, menos de não saber minimamente como se pronunciam aqueles nomes que o teu neto Daniel já conhece.
Neto de peixe sabe navegar no mar das Letras, não há dúvida!
Um beijinho e força aí nas teclas! :))
Olá Janita.
EliminarNão conheço o livro do João Ricardo Pedro, mas é uma boa sugestão de leitura. Não demorará muito.
Eu também não sei pronunciar bem aquelas palavras. Numa outra versão tenho transcrição fonética o que ajuda um pouco. :) :)
Um beijinho.
Ah! Estou a fazer um esforçozinho para retomar o meu blog PreDatado :)
Poça !! não há pachorra para tanta reclamação.Se havia de ir à APAV, resolveu o assunto à maneira...
ResponderEliminarAguardo mais texto.
abraço
Que mulher chata. Controladora. Eu teria pedido o divórcio há muito tempo.
ResponderEliminar: )
Catarina, contempladora ocidental
Moral da história: se ele não lhe tivesse gritado, ela tinha-o avisado mais cedo de que estava morto :)
ResponderEliminarGostei da história.
Exato. É assim tipo To be or not to be :)
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