птичка, o passarinho
Em tempos que já lá vão, na longínqua Rússia, junto ao mar
Cáspio, havia um passarinho chamado птичка que era um passarinho rabilongo e que
sempre habitou nos pomares do senhor Gervasio Gervasovich. Andava sempre de
raminho em raminho, de figueira em figueira, nos ramos das oliveiras caspianas,
tendo chegado mesmo, em tempos um pouco mais atrasados, a habitar um
apartamento, a que ele chamava, orgulhoso, "мое гнездо", no quarto
ramo a contar de cima do grande diospireiro no quintal das traseiras. Mas o
senhor Gervasio Gervasovich modernizou-se muito. E um dia, quando a folha do
limoeiro começou a encarquilhar e as ameixeiras e os pessegueiros se encheram
de вшей que é com quem diz piolhos, o senhor Gervasio Gervasovich foi à drogaria
da великая битва улица ou seja à Rua da Grande Batalha, comprou pesticidas para
matar a moléstia e depois limpou muitos ramos e muitas folhas das árvores e,
mesmo no meio do pomar, fez uma grande queimada. O rabilongo птичка, a quem
muitos meninos também chamavam o ряби que como todos sabem quer dizer Ondinhas
em russo, porque voava sempre como que fazendo ondas no ar, acabou por adoecer.
Primeiro com o fumo que respirou da queimada que o ia intoxicando por completo
e finalmente com o mal que lhe adveio dos químicos do senhor Gervasio
Gervasovich. Até que, quase sem forças para voar, caiu desfalecido no meio do pomar
do senhor Gervasio Gervasovich. Quando o homem viu o птичка ali caído, teve
alguma pena pois que até tinha sido um neto que lhe ensinara o nome e pensou
que ainda iria sentir saudades do seu belo canto. Mas já não havia nada a
fazer... E pegando-lhe por uma asa jogou-o cerca fora para cima duma
montureira. É então que a gaivota чайка, ao ver ali o птичка, a respirar tão
mal, resolveu que hoje a sua refeição não seria de peixe mas sim de um belo
bife de passarinho rabilongo. Prendendo-o no bico deu duas voltas no ar, e eis,
senão quando, suprema das guloseimas, avistou, quase ao rebentar das ondas da
praia das costas do Mar Cáspio, um grande cardume de arenques bebés. A babar do
seu curvo bico e voando picado em direção ao cardume, deixou cair o passarinho птичка
no meio daquelas vagas de alva espuma.
Logo ali se formou uma conferência de peixes que, ao avistarem птичка e verificando que não se tratava nem da sua
inimiga gaivota чайка, nem qualquer uma das suas irmãs, se reuniu à volta do
rabilongo. Todos opinaram, pois todos achavam que eram importantes na
conferência suprema de peixes já que todos eram conhecidos pelos seus nomes
próprio, o carapau ставрида e a sardinha сардина, a lula кальмар e o goraz лещ, a pescada хек e o pargo порги. Mas foi o tubarão акула, de
altivo porte, que fez com que todos os outros se afastassem à sua chegada, quem
ditou a sentença: "Tal como vocês, seus peixes minúsculos, dizia ele que
era tubarão, não gostam de ser comida das aves, também nós peixes não devemos
devorar passarinhos. Assim determino que esse rabilongo moribundo, que nem
sequer está morto e quem sabe ainda se venha a restabelecer, seja já enviado
para terra". E foi assim que uma tainha,
de seu nome кефаль se propôs a fazer de prancha e, colocado que foi o passarinho
птичка em cima da tainha кефаль pelo focinho inteligente do golfinho дельфин,
lá foi o passarinho птичка a surfar na
tainha кефаль até acabar, ainda mais débil do que estava antes, nas areias da
praia caspiana. Mas o destino tem coisas
que nos surpreendem e se isto que vos estou a contar não fosse verdade, até
parecia mentira. Um menino russo de pele muito branquinha e cabelo loiro, que
por ali estava com os seus progenitores, ele russo, ela ucraniana, a brincar no
areal depois de mais um dia de aulas, em russo está de bom de ver, ao ver uma
coisa estranha na areia, aproximou-se e ouviu um piar muito sumido; tão
fraquinho, tão fraquinho era o piar do птичка que o menino nem acreditava que
ele pudesse estar vivo. Aos gritos de Отец!, Мать!, pai, mãe, pai, mãe, por
favor, Помогите! Socorro! acudam (os putos russos fazem tanta chinfrineira como
os putos portugueses), conseguiram os três pegar no passarinho птичка, enfiá-lo
num casaquinho de malha vermelho que a mãe tinha feito para o pai assistir no
sofá aos jogos do Sport Mar Cáspio e Benfica e dar-lhe algum calor. Chegado a
casa, o Aleksandr Alexandrov, assim se chamava o menino, ajudou os pais a secarem
o птичка, deram-lhe água por um conta-gotas, tendo contado até dez em russo,
один, два, три, четыре, etc, já que o pássaro apresentava sinais de
desidratação evidentes e quando este pareceu querer retomar a respiração
esmagaram alguns grãos de soja e esfarelaram um pouco de pão de trigo que tinha
sobrado de véspera e estava ótimo para esfarelar. Horas depois, o nosso querido
птичка já comia e já voava. Três dias depois de tanta preocupação, cuidados e
afeto, quando tudo indicava que птичка já seria o pássaro mascote da família, o passarinho
rabilongo bateu asas e saiu janela fora. Todos os dias, o bom do Aleksandr
Alexandrov vai ao cimo do morro perto de sua casa, mal a campainha da escola toca para a saída,
olhar para a praia para ver o seu птичка a voar
e a brincar com os tubarões.
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